02/07/2018 - 7:56
As três filhas da dona de casa Ninivalda Pereira Macedo, de 38 anos, precisaram de um transplante de fígado. Após períodos de espera e angústia, as três conseguiram. Nascidas com uma doença genética que compromete o funcionamento do órgão, as meninas, agora com 15, 12 e 10 anos, tiveram de ser mantidas em boas condições de saúde para esperar por um doador compatível.
É o primeiro caso de transplante de fígado em mais de dois irmãos, entre pacientes com colestase intra-hepática familiar progressiva, realizado no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Lindalva Macedo dos Santos, de 15 anos, nasceu com a doença, que faz com que ocorra um acúmulo de bile no fígado, comprometendo o funcionamento do órgão. Quando ela tinha 2 anos, passou mal e foi levada para uma Unidade Básica de Saúde (UBS) na zona leste da capital. “A médica disse que era sério e ela foi encaminhada para o Hospital Menino Jesus e, depois, para o Hospital das Clínicas. Com 2 anos, ela entrou na fila”, relembra a mãe.
Quando crianças precisam de transplante de fígado, os pais costumam ser os doadores, mas as meninas não tiveram essa opção. “Em crianças, entre 80% e 90% dos transplantes fazemos com doação do pai ou da mãe por meio do transplante intervivos, quando se tira um pedaço do fígado e transplanta. Nesse caso, havia uma característica particular. Os pais não poderiam ser doadores por questões genéticas e clínicas”, explica Uenis Tannuri, chefe do serviço de cirurgia pediátrica e transplante hepático do Instituto da Criança.
Apenas quando Lindalva estava com 8 anos, em 2010, o transplante foi realizado. “Foi uma cirurgia longa e mexeu muito com a gente, mas não fiquei com medo de as minhas outras filhas também terem o problema porque nasceram saudáveis”, conta a mãe.
No ano seguinte, a filha do meio de Ninivalda, Juliana Macedo dos Santos, hoje com 12 anos, começou a ser acompanhada pelo setor de hepatologia do hospital. Ela tinha um quadro de coceira desde os 2 anos e foi esse sintoma que ajudou no seu diagnóstico. “Elas tiveram sintomas diferentes. Deu para perceber na Lindalva pelo inchaço na barriga. A Juliana começou com uma coceira. Tinha gente que dizia que era alergia de comida, de tempero, mas não foi nada disso. Ela fez os exames e teve o diagnóstico. O médico já avisou que teria de fazer transplante.”
Foi assim que, mais uma vez, a família se viu na fila para tentar um órgão para outra filha. Durante a espera, em 2015, Priscila Macedo dos Santos, hoje com 10 anos, começou a apresentar coloração amarelada, um indício de que o funcionamento do fígado não ia bem.
Em setembro de 2016, apareceu o doador compatível para Juliana. Ela passou mais de dois meses internada e, nesse período, Priscila piorou. “Ela teve uma hemorragia quando a Juliana estava internada e perdeu bastante sangue”, conta o pai das garotas, o pedreiro Joelson Pereira dos Santos, de 42 anos.
Priscila conseguiu receber o órgão em março deste ano e teve alta em maio. As três ainda têm uma rotina de remédios: a mais nova toma dez medicamentos e a mais velha, apenas um, mas levam uma vida normal. Lindalva e Juliana frequentam a escola, e a caçula deve voltar a estudar após as férias deste meio do ano.
Mesmo enfrentando idas ao hospital para exames e internações, a família tem a sala de casa decorada com fotos das jovens em vários lugares. São registros em diferentes fases de suas vidas, mas em nenhuma elas estão com a aparência de quem um dia esteve doente. O que difere das pessoas da idade delas, atualmente, é a história de luta pela vida e a dieta que seguem. “Tem de ser uma comida sem sal e sem gordura, mas elas estão bem”, afirma Ninivalda.
Alívio
Santos se diz aliviado pelo fato de as três terem conseguido o transplante e não esconde a gratidão pela equipe médica. “Só quero que Deus ilumine esses médicos. Se não fossem eles, minhas filhas não estariam aqui. Às vezes, a gente se sentia derrotado, foram muitos altos e baixos, e essa é uma coisa que a gente tem trauma de falar, mas é uma história de superação e vitória.”
O médico Tannuri, que também é professor titular da disciplina de cirurgia pediátrica e transplante hepático do departamento de pediatria da FMUSP, diz que o caso das três irmãs era um “desafio multiplicado”.
“Já vi esse tipo de caso com dois irmãos, mas foi o primeiro que tivemos com três. Estou desde o início do programa. O nosso empenho era em controlar as meninas para a gente conseguir fazer o transplante. É uma coisa bonita pela alegria de ver as três irmãs sobreviverem e por ser um procedimento feito em um hospital público”, afirma. Desde 1989, 745 transplantes foram realizados no Instituto da Criança.
Transplantes
Atualmente, das 33.154 pessoas que estão na fila por um transplante no País, 1.289 aguardam por um fígado, segundo o Ministério da Saúde. Em 2017 houve aumento de 12,1% nos transplantes hepáticos em relação a 2016 e crescimento de 15,9% nos procedimentos com doadores vivos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.