13/02/2015 - 9:05
Em meio a uma crise hídrica histórica, um levantamento recente da Confederação Nacional de Municípios (CNM) mostra que o Brasil perde 37% da água tratada que escoa por tubulações antigas e mal conservadas. Isso representa um prejuízo anual que chega a R$ 10 bilhões. Mas a conta não para por aí. Existe um outro volume incalculável de água que é jogada fora pelo fato de o País não possuir uma estrutura de reúso eficiente. Por demandar projetos de longo prazo e investimentos consideráveis, os sistemas de reúso nem sempre são encarados como soluções simpáticas do ponto de vista político.
“A água que é fornecida ao brasileiro é muito barata e não reflete todo o custo de captação e tratamento. Uma hora alguém tinha que pagar a conta e sobrou para a sociedade”, diz Sérgio Werneck Filho, CEO da Nova Opersan, empresa de saneamento e reúso de água. O administrador defende que o baixo preço da água incentiva o desperdício e impede que investimentos sejam feitos no tratamento e reaproveitamento do esgoto. “Cerca de 80% da água própria para consumo não é absorvida no processo e volta como esgoto”, diz. Em entrevista à DINHEIRO, o executivo critica as ações de curto prazo e afirma que a iniciativa privada pode ser a primeira a dar uma lição de reúso de água no Brasil.
DINHEIRO – Por que São Paulo fracassou no reúso da água?
Sérgio Werneck Filho – Não é só São Paulo. O Brasil possui um modelo que ao longo da história se valeu da captação de água sem se preocupar com o tratamento do esgoto. O reúso nunca foi uma preocupação da sociedade, já que a água ainda é um recurso muito barato no Brasil e seu preço não reflete a realidade.
DINHEIRO – Como cobrar mais por um bem essencial?
Sérgio Werneck Filho – É um bem essencial, mas escasso. Na realidade, a questão é como a água é fornecida. Todo mundo recebe a água por um valor muito inferior ao custo de captação, tratamento e distribuição. Tem que captar água do rio, transportar por grandes distâncias, tratar, fazer uma série de investimentos. Tudo isso custa muito e não está refletido no preço final. Além disso, com preço baixo, o consumidor não se preocupa em economizar. Você já viu alguém lavando a calçada com água mineral?
DINHEIRO – Mas quem paga por isso?
Sérgio Werneck Filho – A própria sociedade. O governo tem que tirar de algum lugar o dinheiro para subsidiar essa água. A sociedade paga tendo que conviver com bolsões gigantescos de esgoto e com menos conforto e qualidade de vida. Além disso, ela está pagando pelos ajustes que o próprio governo está tendo de fazer. Ou seja, não podemos falar em investimentos se o governo tem que subsidiar a água a um alto custo.
DINHEIRO – Por que neste momento não se fala em projetos de longo prazo como a despoluição dos rios Tietê e Pinheiros?
Sérgio Werneck Filho – Não adianta gastar dinheiro despoluindo e não mudar o sistema de reúso. A natureza até ajuda, mas continuar jogando esgoto não vai adiantar nada. Medidas de longo prazo não são populares, e politicamente não são atrativas. Imagine falar em reajustar o preço da água? Em primeiro momento, seria um barulho só, mas poderia utilizar esse preço justo para criar um sistema de reúso adequado. Mas ninguém está pensando nisso.
DINHEIRO – E quem não pode pagar por uma água mais cara?
Sérgio Werneck Filho – Que o governo use algum tipo de mecanismo do tipo bolsa água. O sujeito quando está consumindo algo tem que pagar o preço justo. Como que as pessoas vão valorizar algo tão barato? Por outro lado, a água é um recurso essencial e o governo deve criar mecanismos para viabilizar isso a pessoas com menor acesso.
DINHEIRO – Quanto a cidade de São Paulo está perdendo por não reaproveitar sua água?
Sérgio Werneck Filho – Não tenho um valor para quantificar isso. Mas tem coisa mais cara do que as pessoas estão passando? O retrocesso que estamos vivendo tendo que conviver com a falta de água e o risco de um racionamento? E o preço para trazer a água de locais cada vez mais distantes, projetos de dessanilização e etc. Se colocarmos tudo isso no papel os prejuízos são piores do que imaginamos.
DINHEIRO – A atual crise pode servir como lição para definitivamente começarmos a pensar em formas de reúso?
Sérgio Werneck Filho – Eu espero que sim. Pelo menos a discussão já existe. Não é algo novo. Vários especialistas batem nesta tecla há dez anos. Outra coisa é que estamos olhando para fora se espelhando em alguns países que utilizam a água de reúso como Cingapura que até água mineral vem de reúso.
DINHEIRO – Qual o papel das empresas neste contexto?
Sérgio Werneck Filho – A iniciativa privada pode e tem dado contribuições, mas temos muitos clientes que nos procuram achando que a questão de reúso pode ser resolvida da noite para o dia e sem investimentos. Mas as empresas conseguem sentir no bolso a importância do tema. Com o reúso, uma indústria de médio porte pode chegar a reduzir em até 50% a dependência de água potável adquirida da concessionária. No caso da indústria, por exemplo, a água utilizada para geração de vapor, uma utilidade fundamental em algumas linhas de produção, não precisa ser necessariamente água nobre. Nestes casos, o reúso otimiza custos e tem impacto positivo direto sobre o meio ambiente e a sociedade, já que a água é um recurso que tende a se tornar escasso.