Nos últimos três anos, duas verdades inexoráveis atingiram a gigante anglo-holandesa Unilever. A primeira, de que o mercado de purificação de água é vastíssimo e promissor para a companhia em todo o mundo. A segunda, de que os países emergentes, especialmente os que compõem o chamado BRICs, não são todos iguais. Isso porque o sucesso de seu filtro Puriet no mercado indiano teve como contraponto o fracasso de vendas do produto no mercado brasileiro. A companhia lançara o purificador na Índia, em 2008, e conseguiu matar a sede de 45 milhões de pessoas, o equivalente à população da Argentina ou da Espanha. 

 

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Shelida, da Unilever: “Teremos novidades no produto, pois queremos

ser líderes da categoria”

 

No Brasil, sua principal parceira de vendas no segmento porta a porta, a Jequiti, empresa de cosméticos do Grupo Silvio Santos, desistiu de vendê-lo em 2012, sem conseguir convencer seus clientes a comprarem o filtro. A realidade de brasileiros e indianos em relação ao acesso à água potável ajuda a explicar por que os planos da Unilever foram por água abaixo. Enquanto o Brasil possui uma população de quase 200 milhões de habitantes e 6,2 bilhões de metros cúbicos de água doce – a maior reserva hídrica do planeta –, a Índia dispõe de apenas um terço desse recurso natural e possui uma população seis vezes maior, de pouco mais de 1,2 bilhão de habitantes.

 

As diferenças entre os dois mercados não param por aí. No país de Mahatma Gandhi e Madre Teresa de Calcutá, um dos maiores inimigos da saúde pública é o altíssimo índice de contaminação da água. A demanda dos brasileiros, por outro lado, é por água gelada. De acordo com a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), 65% dos 4 milhões de produtos vendidos neste segmento, que inclui os suportes para galão e purificadores, gelam a água. “O mercado geral deve crescer 10% neste ano”, diz o presidente da Eletros, Lourival Kiçula. A Unilever, no entanto, enxerga o mercado de outra maneira. 

 

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Não gela, mas filtra: as dificuldades do Pureit no País são atribuídas

ao preço alto e à desvantagem em relação aos seus principais concorrentes

 

“Água gelada ainda é um nicho, algo restrito a poucos”, afirma Shelida Barsella, diretora de produto da Unilever Food Solutions. “As prioridades são a segurança que o produto traz para a família e, evidentemente, o preço. É com essa estratégia que continuaremos atuando.” A estratégia, no entanto, ainda não mostrou resultados para uma gigante acostumada a ter sucesso em praticamente todos os produtos que põe nas prateleiras. No próximo mês, o filtro Pureit completa três anos de lançamento no Brasil. Inicialmente, esperava-se que o produto chegasse ao topo do ranking dos purificadores no País.“A Unilever, pioneira em lançar tendências e produtos inovadores, quer liderar a mudança no segmento e esse mercado”, disse o ex-presidente da Unilever Brasil, o holandês Kees Kruythoff, na época do lançamento. 

 

A julgar pelo fraco desempenho do filtro até agora, a liderança está cada vez mais distante. No site Extra.com, um dos principais parceiros comerciais do filtro no varejo online, o Pureit aparece apenas na 15ª posição de vendas. No site Americanas.com, está na 14ª colocação, em uma lista liderada pelas rivais Electrolux, Consul e Latina. Nas lojas físicas, o purificador nem sequer é vendido, como consta no site da Unilever. Segundo o Walmart, os hipermercados da bandeira não disponibilizam o filtro em suas gôndolas. E em outros canais de vendas na internet indicados pela fabricante, como Pontofrio.com e Casas Bahia, o produto aparece como indisponível. 

 

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Sucesso na Índia: o purificador tem sido muito bem vendido no país asiático por solucionar

o problema de contaminação da água doce, maior causadora de morte infantil

 

“O primeiro lote de produtos importados chegou a ter sucesso nas vendas porta a porta da Jequiti”, afirma Marcelo Pinheiro, sócio da consultoria paulista especializada em venda direta DirectBiz. “Mas a Unilever reajustou o preço e acabou derrubando as vendas.” O preço do Puriet no varejo brasileiro é de R$ 198,90, mais que o triplo dos R$ 60 cobrados na Índia. Procurada pela reportagem, a Jequiti apenas informou que o contrato de representação com a Unilever venceu, e não foi renovado. Não bastassem as dificuldades na distribuição e a desvantagem de não gelar a água, os concorrentes do Pureit são mais baratos. Modelos semelhantes ao da Unilever, que apenas filtram, podem ser encontrados por menos de R$ 100. 

 

“Nós percebemos que os filtros que gelam tinham mais demanda”, afirma Carlos Guimarães, gerente de produtos da Electrolux. “Retiramos o que não gela, investimos nesse nicho e assumimos a liderança no varejo.” O contra-ataque da Unilever, ao que tudo indica, já começou a ser planejado. O Pureit será tropicalizado nos próximos meses. “Teremos novi­dades no produto, pois queremos ser líderes da categoria”, diz Shelida, sem revelar os detalhes dessa reformulação. Tal adaptação aos mercados locais já foi adotada pela Unilever na China, onde o desafio foi fazer o filtro esquentar a água para o tradicional chá-verde. No caso do Brasil, para aquecer as vendas do Puriet, a Unilever terá de gelar a água.

 

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