31/01/2014 - 21:00
Nos últimos três anos, duas verdades inexoráveis atingiram a gigante anglo-holandesa Unilever. A primeira, de que o mercado de purificação de água é vastíssimo e promissor para a companhia em todo o mundo. A segunda, de que os países emergentes, especialmente os que compõem o chamado BRICs, não são todos iguais. Isso porque o sucesso de seu filtro Puriet no mercado indiano teve como contraponto o fracasso de vendas do produto no mercado brasileiro. A companhia lançara o purificador na Índia, em 2008, e conseguiu matar a sede de 45 milhões de pessoas, o equivalente à população da Argentina ou da Espanha.
Shelida, da Unilever: “Teremos novidades no produto, pois queremos
ser líderes da categoria”
No Brasil, sua principal parceira de vendas no segmento porta a porta, a Jequiti, empresa de cosméticos do Grupo Silvio Santos, desistiu de vendê-lo em 2012, sem conseguir convencer seus clientes a comprarem o filtro. A realidade de brasileiros e indianos em relação ao acesso à água potável ajuda a explicar por que os planos da Unilever foram por água abaixo. Enquanto o Brasil possui uma população de quase 200 milhões de habitantes e 6,2 bilhões de metros cúbicos de água doce – a maior reserva hídrica do planeta –, a Índia dispõe de apenas um terço desse recurso natural e possui uma população seis vezes maior, de pouco mais de 1,2 bilhão de habitantes.
As diferenças entre os dois mercados não param por aí. No país de Mahatma Gandhi e Madre Teresa de Calcutá, um dos maiores inimigos da saúde pública é o altíssimo índice de contaminação da água. A demanda dos brasileiros, por outro lado, é por água gelada. De acordo com a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), 65% dos 4 milhões de produtos vendidos neste segmento, que inclui os suportes para galão e purificadores, gelam a água. “O mercado geral deve crescer 10% neste ano”, diz o presidente da Eletros, Lourival Kiçula. A Unilever, no entanto, enxerga o mercado de outra maneira.
Não gela, mas filtra: as dificuldades do Pureit no País são atribuídas
ao preço alto e à desvantagem em relação aos seus principais concorrentes
“Água gelada ainda é um nicho, algo restrito a poucos”, afirma Shelida Barsella, diretora de produto da Unilever Food Solutions. “As prioridades são a segurança que o produto traz para a família e, evidentemente, o preço. É com essa estratégia que continuaremos atuando.” A estratégia, no entanto, ainda não mostrou resultados para uma gigante acostumada a ter sucesso em praticamente todos os produtos que põe nas prateleiras. No próximo mês, o filtro Pureit completa três anos de lançamento no Brasil. Inicialmente, esperava-se que o produto chegasse ao topo do ranking dos purificadores no País.“A Unilever, pioneira em lançar tendências e produtos inovadores, quer liderar a mudança no segmento e esse mercado”, disse o ex-presidente da Unilever Brasil, o holandês Kees Kruythoff, na época do lançamento.
A julgar pelo fraco desempenho do filtro até agora, a liderança está cada vez mais distante. No site Extra.com, um dos principais parceiros comerciais do filtro no varejo online, o Pureit aparece apenas na 15ª posição de vendas. No site Americanas.com, está na 14ª colocação, em uma lista liderada pelas rivais Electrolux, Consul e Latina. Nas lojas físicas, o purificador nem sequer é vendido, como consta no site da Unilever. Segundo o Walmart, os hipermercados da bandeira não disponibilizam o filtro em suas gôndolas. E em outros canais de vendas na internet indicados pela fabricante, como Pontofrio.com e Casas Bahia, o produto aparece como indisponível.
Sucesso na Índia: o purificador tem sido muito bem vendido no país asiático por solucionar
o problema de contaminação da água doce, maior causadora de morte infantil
“O primeiro lote de produtos importados chegou a ter sucesso nas vendas porta a porta da Jequiti”, afirma Marcelo Pinheiro, sócio da consultoria paulista especializada em venda direta DirectBiz. “Mas a Unilever reajustou o preço e acabou derrubando as vendas.” O preço do Puriet no varejo brasileiro é de R$ 198,90, mais que o triplo dos R$ 60 cobrados na Índia. Procurada pela reportagem, a Jequiti apenas informou que o contrato de representação com a Unilever venceu, e não foi renovado. Não bastassem as dificuldades na distribuição e a desvantagem de não gelar a água, os concorrentes do Pureit são mais baratos. Modelos semelhantes ao da Unilever, que apenas filtram, podem ser encontrados por menos de R$ 100.
“Nós percebemos que os filtros que gelam tinham mais demanda”, afirma Carlos Guimarães, gerente de produtos da Electrolux. “Retiramos o que não gela, investimos nesse nicho e assumimos a liderança no varejo.” O contra-ataque da Unilever, ao que tudo indica, já começou a ser planejado. O Pureit será tropicalizado nos próximos meses. “Teremos novidades no produto, pois queremos ser líderes da categoria”, diz Shelida, sem revelar os detalhes dessa reformulação. Tal adaptação aos mercados locais já foi adotada pela Unilever na China, onde o desafio foi fazer o filtro esquentar a água para o tradicional chá-verde. No caso do Brasil, para aquecer as vendas do Puriet, a Unilever terá de gelar a água.