Premiê Edi Rama quer fazer do seu país o primeiro do mundo a abolir o dinheiro em espécie. Críticos dizem que plano é irrealista, devido à alta informalidade e hábitos da população.O primeiro-ministro da Albânia, Edi Rama, conquistou seu quarto mandato em maio, prometendo aos cidadãos albaneses que lideraria o país rumo a adesão à União Europeia (UE) até 2030.

Em meados de julho, ele anunciou outro plano fundamental para o mesmo período. “Temos a ambição de que, até o final desta década, a Albânia se torne uma sociedade sem dinheiro em espécie, o que significa que todas as interações e transações financeiras serão totalmente digitais”, disse Rama a representantes de startups e do setor de tecnologia e inovação em um encontro intitulado Albânia 2030 — uma visão para a integração europeia.

“O que é necessário é mais qualificação”, prosseguiu, enfatizando que as ferramentas necessárias para uma Albânia sem dinheiro vivo já existem. “Acredito que, se conseguirmos traçar corretamente o roteiro para o futuro, esse objetivo será totalmente alcançável e libertará o país de um pesado fardo de práticas ultrapassadas e ineficiências que sobrecarregam a vida cotidiana”, disse Rama.

Tudo parece muito simples e direto. Mas será mesmo?

“Prefiro dinheiro vivo”

Mimoza A., de 62 anos, de Tirana, conta que, em seu cotidiano, a única vez que usa um cartão bancário é quando saca seu salário no caixa eletrônico perto de seu apartamento.

“Não é comum que pessoas da minha geração usem cartão para pagar compras no supermercado ou no cabeleireiro. Eu prefiro dinheiro vivo e sempre preferirei”, disse ela à DW. Mimoza não está sozinha; a maioria das pessoas no país pensa assim.

Quando a Albânia se livrou das amarras da ditadura comunista, há 35 anos, não possuía um sistema bancário e financeiro moderno. As coisas progrediram lentamente após a transição para a democracia, com os caixas eletrônicos sendo introduzidos apenas em 2004.

Arben Malaj, que foi ministro das Finanças e da Economia de 1997 a 2005 e trabalha atualmente como especialista financeiro e palestrante, acredita que o populismo é o motor por trás da ambição de Rama de ter uma economia sem dinheiro.

Malaj diz que há uma série de elementos cruciais que dificultarão a concretização de uma sociedade sem dinheiro nos próximos cinco anos.

“A alta taxa de informalidade, especialmente no setor agrícola, que representa grande parte do Produto Interno Bruto (PIB), é muito maior do que em qualquer outro país da região. Uma alta porcentagem da população vive em áreas rurais. Além disso, a maior parte da renda dos emigrantes – bilhões de euros por ano – é enviada por fora dos canais oficiais de pagamento. E os principais parceiros comerciais da Albânia – Turquia, Grécia e Itália – também apresentam altas porcentagens de informalidade”, disse o ex-ministro à DW.

Ele alerta ainda que qualquer redução no uso do dinheiro vivo exigiria um investimento maciço em segurança cibernética.

Ambição “perigosa”

Especialistas em segurança cibernética como Besmir Semanaj consideram o plano de Rama não apenas irrealista, mas também “perigoso”.

Semanaj usa como exemplo os ataques cibernéticos massivos a instituições governamentais em 2024. Os alvos incluíram o sistema e-Albania (o portal de serviços governamentais) e os sites do Parlamento albanês e do Instituto de Estatística.

O especialista afirma que esses e outros grandes ataques cibernéticos em 2022 mostram claramente que a Albânia não apenas está muito exposta, como também não possui a arquitetura necessária para proteger essa infraestrutura crítica.

“Mesmo os países mais avançados da Europa, como Suécia ou Noruega, estão reavaliando a necessidade de manter um mínimo de dinheiro em circulação, justamente por razões de segurança e prontidão em emergências ou ataques cibernéticos”, disse ele à DW.

“Assim, enquanto as nações mais digitalizadas mantêm ‘previsões offline’, a Albânia afirma que planeja se tornar 100% digital em menos de dez anos, sem primeiro desenvolver capacidades básicas de proteção cibernética. Uma economia totalmente dependente de sistemas digitais e sem alternativa é uma economia desprotegida e exposta, que ficaria totalmente paralisada por um vírus ou apagão”, disse Semanaj.

“Pequenas e médias empresas sofrerão”

Hazis I. trabalha como gerente no setor de turismo há cerca de 40 anos. Hoje, ele administra um dos hotéis mais populares de Tirana, frequentado por turistas de todo o mundo.

Como regra, os turistas estrangeiros preferem usar cartões para pagar suas contas. Isso contrasta fortemente com os hóspedes albaneses do hotel, que ainda preferem pagar em dinheiro, e implica em custos mais altos para o hotel, uma vez que as empresas pagam taxas bancárias por cada transação com cartão.

O gerente não está muito entusiasmado com os planos do primeiro-ministro. “Sou contra esse objetivo de eliminar o uso de dinheiro em espécie, porque podemos lidar com turistas que querem usar cartão para pagar um café que custa 1,50 euro (R$ 9,5). Mas o que devo fazer com essas pequenas empresas que nos fornecem vegetais ou queijo da fazenda para o nosso restaurante?”, questionou.

“Durante o verão, por exemplo, compro melancias regularmente do agricultor que as vende na esquina. Ele nunca usou pagamentos digitais e tenho certeza de que nunca usará. Esse plano vai tirar as pequenas empresas do mercado. E até nós teremos muitas dificuldades”, disse à DW.

Falta de metas concretas

Para o ex-ministro Arben Malaj, o objetivo de eliminar o uso de dinheiro em espécie até 2030 não foi definido e, portanto, não é mensurável. Ele afirma que o governo só poderá estabelecer metas concretas e prazos obrigatórios depois que instituições, grupos de interesse e acadêmicos analisarem de perto o sistema de pagamento.

“Atualmente, não existe [em nenhum lugar do mundo] uma economia ‘dinheiro zero’. Nos países onde há mínima educação financeira e falta de conhecimento digital, governança deficiente e baixa qualidade de serviços públicos cruciais – como educação, saúde, coesão e solidariedade social – e onde a corrupção percebida é alta, é impossível alcançar um sucesso significativo e sustentável no curto prazo”, afirma Malaj.

O Banco da Albânia observou nos últimos dez anos um aumento nos pagamentos eletrônicos.

“O público se beneficiou de custos mais baixos, produtos adaptados às suas necessidades e maior acesso aos serviços de pagamento, o que se refletiu em um aumento de dois dígitos no uso de pagamentos eletrônicos, atingindo 21 desses pagamentos per capita [por ano], em comparação com apenas dois em 2015”, afirmou o diretor do banco, Gent Sejko, em comunicado à imprensa no ano passado.

Ainda há muito a percorrer?

Para Semanaj, tudo isso ainda está muito abaixo do padrão da UE, onde os Estados-membros contabilizam mais de 300 transações digitais per capita por ano.

“O comércio eletrônico é limitado [na Albânia]”, disse. “Plataformas internacionais como a Stripe não operam na Albânia, e pequenas e médias empresas dependem de bancos locais que oferecem portais que costumam ser muito caros para integrar. O PayPal existe para pessoas físicas, mas não é uma solução integrada para as empresas albanesas. Isso significa que o comércio online é limitado e bloqueia o acesso da Albânia ao comércio digital global.”

Portanto, embora o primeiro-ministro Rama queira alcançar a Europa e ingressar na UE o mais rápido possível, parece que a Albânia tem um longo caminho a percorrer para se tornar uma sociedade sem dinheiro em espécie e precisará de mais de uma década para se adaptar a essa nova cultura financeira.