Em Roma, todos os caminhos levam à Gammarelli Sartoria Ecclesiastica. É a alfaiataria dos cardeais, os príncipes da Igreja Católica. Os 30 religiosos consagrados por João Paulo II na semana passada tinham duas certezas ao desembarcar no Vaticano: receberiam um anel de ouro de presente do papa e passariam na loja do Palazzo dell?Accademia, a dois passos do Panteão. A Gammarelli, criada em 1798, é a butique oficial da Santa Sé. Em setembro, quando o pontífice anunciou a realização do consistório, o telefone de Massimiliano, Filippo e Annibale, os herdeiros do Gammarelli fundador, não parou mais de tocar. Choveram encomendas. Há, em Roma, um outro endereço destinado aos padres, a Euroclero, mas ele não tem a história da casa original. É simples: a Gammarelli vestiu todos os papas, à exceção de Pio XII (ele preferiu um amigo), desde a sua fundação. Tão sagrado quanto a fumaça branca a subir da chaminé em cima da Capela Sistina, quando o conclave dá seu veredicto e anuncia o nome do novo chefe da Cúria, é a visita de um alfaiate enviado pela Gammarelli. Ele tira as medidas do eleito e, em menos de duas horas, aparece no Palácio Episcopal soçobrando a veste com a qual o pontífice aparecerá na janela depois do tradicional ?Habemus Papam?.

A Gammarelli já aceita cartões de crédito, usa fax e promete um e-mail em breve. Por trás do balcão moderno, porém, há uma vida artesanal. É a tradição a serviço de um corte religiosamente respeitado. Costura-se a mão. Corta-se sem o auxílio de máquinas. Sabem produzir, ali, o Stradivarius das roupas. ?Atravessamos uma longa noite em claro?, dizia Filippo Gammarelli na manhã em que as três dezenas de cardeais se ajoelhariam diante de João Paulo II. ?Foram três semanas de loucura.? Cabe ressaltar que poderia ser pior. Em séculos passados, os costureiros trabalhavam com moldes para deixar qualquer Yves Saint-Laurent perdido. Os tempos modernos também sopraram na Roma católica.

Em 1963, João XXIII proclamou o Concílio
Vaticano II, espécie de perestroika do Vaticano, a lufada de modernidade que bateu na Igreja
Católica. Decidiu-se, entre outros avanços, que as missas já não precisavam ser rezadas em latim. Decretou-se, também, a simplificação da indumentária dos cardeais. Nesse aspecto, João XXIII funcionou como um Giorgio Armani do clero. Até aquele momento, os escolhidos do papa ostentavam capas-magnas com caldas de sete metros de comprimento. Exibiam esclavinas de arminho e calçavam sapatos com fivelas de prata. Não é mais assim. Hoje, o vestuário cardinalício desceu das nuvens, embora ainda ostente luxo púrpura. Um novo cardeal precisa de batina vermelho sangue, capa de mesmo tom, o capelo e o cinto de seda rubra. As meias soquete, também vermelhas, têm valor simbólico: demonstram o compromisso na defesa da Igreja com o próprio sangue.

A atual austeridade não significa economia para os bolsos dos religiosos, sobretudo porque eles costumam encomendar dois pares de roupas. O preço médio do enxoval é de 2,5 mil euros. Apenas a batina vermelha de lã é vendida por 1 mil euros. A preta, utilizada com mais freqüência, custa cerca de 500 euros. O cinturão de seda chega a 150 euros e o capelo, 50. São valores razoavelmente modestos para um lugar único em todo o planeta ? tão raro que se transformou em ponto de visita turística na Cidade Eterna.