29/12/2010 - 21:00
Se os palpites valessem dinheiro, os principais executivos da indústria farmacêutica estariam um pouco mais pobres. Primeiro apostaram que a americana Pfizer compraria a goiana Neo Química. Até a Hypermarcas entrar no jogo, desembolsar R$ 1,3 bilhão e fechar negócio. Exatamente um ano depois, as fichas foram colocadas no laboratório Aché como possível comprador do laboratório Mantecorp, dono de um faturamento de R$ 572 milhões e de marcas estreladas como Coristina e Episol.
“Tem pelo menos umas dez empresas que eu olho com carinho e quero comprar”
Cláudio Bergamo, presidente da Hypermarcas
Mais uma vez a Hypermarcas surpreendeu. Na noite do domingo 19, pagou R$ 2,5 bilhões – R$ 600 milhões em dinheiro e o restante em ações – e levou o laboratório paulista, tornando se a maior indústria farmacêutica de capital nacional do Brasil.
Hoje, entre os palpiteiros de plantão, a Hypermarcas é sempre a favorita nas grandes compras. Mas a questão agora é outra: como a empresa fundada por João Alves Queiroz Filho há apenas oito anos vai administrar um portfólio de quase 200 marcas sem comprometer o ritmo de crescimento e a saúde financeira da companhia?
DINHEIRO levou a pergunta ao executivo que todos os dias enfrenta esse dilema, o presidente da Hypermarcas, Cláudio Bergamo. Ele não pensou duas vezes antes de responder. “A receita é simples: nossa estrutura é horizontal, o que significa poucos escalões no processo de decisão.
As pessoas são estimuladas a empreender, a correr atrás e a assumir riscos”, afirmou na terça- feira 21. “O último princípio é o da simplicidade. Aqui não tem apresentação em Power Point. Quando alguém me traz um problema, já vem com pelos menos duas possíveis soluções.” Ao que parece, a fórmula tem dado certo.
Nos últimos quatro anos, a Hypermarcas desembolsou R$ 8,4 bilhões em compras e conseguiu integrar as novas companhias sem sofrimentos aparentes. Nos nove primeiros meses de 2010, a receita somou R$ 2,3 bilhões – 72% em relação a igual período de 2009. E, apesar de todas as aquisições, o índice de endividamento, de 35% sobre um patrimônio líquido de R$ 5 bilhões, é considerado baixo pelo porte da companhia.
A história de vida da Hypermarcas é recente. A empresa surgiu dois anos depois de a família Queiroz, de Goiás, vender a fábrica de temperos Arisco para a Bestfoods, no ano 2000, por R$ 700 milhões.
João Queiroz Filho: a meta do controlador da Hypermarcas é transformá-la na Procter & Gamble brasileira
João Alves Queiroz Filho, conhecido no mercado como Júnior, iniciou o conglomerado com a compra da Pratika, fabricante da lã de aço Assolan, que virou um incômodo para a então líderBombril.
Foi ali que Júnior percebeu que poderia transformar sua companhia numa espécie de Procter & Gamble brasileira e deu início ao processo de aquisições de marcas que vão de molho de tomates, como Etti e Salsaretti, a desodorantes (Bozzano, Avanço e Très Marchand).
Para se ter uma ideia do poderio da Hypermarcas, em alguns segmentos a empresa é dona de marcas que são sinônimo de categoria, como no caso dos adoçantes Finn, Adocyl e Zero Call. Júnior é hoje um estrategista que pouco se ocupa do dia a dia da Hypermarcas.
Não gosta de aparecer e não se deixa fotografar. Recentemente, acrescentou o jogador Ronaldo, do Corinthians, ao seu restrito círculo de amigos. Os dois passarão o Réveillon de 2011 na exclusiva ilha de Saint-Barths, no Caribe.
Até quando não procura oportunidades, Junior se sai bem. Pouco afeito a futebol, no início de 2009 recebeu uma ligação de Andrés Sanches, presidente do Corinthians, que oferecia espaço para exposição na camisa do Timão, sem cobrar nada em troca.
Ronaldo, Bernardo e Fabio Ferreira: a Hypermarcas tornou seu laboratório Neo Química conhecido
nacionalmente ao patrocinar times como Corinthians, Goiás e Botafogo
Sem muita convicção, o presidente e principal acionista da Hypermarcas mandou sua equipe tocar o projeto. Poucos meses depois, o Corinthians venceu o Campeonato Paulista e a marca Bozzano, escolhida por Júnior para a estreia nos gramados, ampliou sua participação de mercado – estima-se em mais de 5%. Um ano depois, a Hypermarcas assinava contrato com o time do Parque São Jorge por algo estimado em R$ 50 milhões – o maior patrocínio esportivo do Brasil.
Internamente, a Hypermarcas é dividida em times. Quando os compradores de marcas e empresas encerram o trabalho, a equipe de integração entra em campo. Segundo Bergamo, são dez profissionais encarregados de avaliar as sinergias entre as companhias.
Na prática quer dizer que mal ele assinou o cheque e o pessoal da Hypermarcas já começou a levantar quem são e onde estão os funcionários da companhia recém-adquirida. O passo seguinte é iniciar o processo de fusão entre as equipes de vendas e identificar cortes de despesas com marketing e visitação a consultórios médicos.
Na Mantecorp, Bergamo estima que será necessário algo entre 12 e 18 meses para concluir a primeira fase do processo. Ele calcula em R$ 118 milhões os ganhos com a redução inicial de custos.
“Nesta fase, não fazemos mudança de ativos, não mexemos com as fábricas”, diz ele. A fábrica de 50 mil metros quadrados e capacidade de produção de 150 milhões de unidades de produtos por ano fica em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, onde a Hypermarcas ainda não tinha unidade fabril. O passo seguinte será trabalhar no aumento da produtividade, especialmente no que diz respeito à presença de vendedores em farmácias e consultórios.
Os produtos da Mantecorp já entram no catálogo da Hypermarcas, ao lado dos medicamentos produzidos pela Neo Química, no início de 2011. “Um dos grandes trunfos da empresa é a força de negociação com o varejo.
Com um leque de produtos tão extenso, ela ganha maior poder de barganha, inclusive para negociar mais espaço no ponto de venda”, avalia Bruno Nogueira, consultor da Lafis.
“A ordem é essa mesmo: aumentar o corpo a corpo no varejo, reforçar a exposição das nossas marcas nos pontos de venda e valorizar nossos produtos com um intenso trabalho de marketing”, diz o presidente da Hypermarcas. E bota intenso nisso.
O patrocínio do Corinthians é o melhor exemplo. Até janeiro deste ano, pouca gente conhecia o laboratório goiano Neo Química. Agora, ele está entre os mais lembrados pelos consumidores.
Deu tão certo que a empresa ampliou sua participação no futebol brasileiro e hoje está no uniforme do Botafogo, do Goiás e do Ceará. Outra providência foi escalar um time de celebridades para promover seu imenso portfólio de produtos.
O jogador Ronaldo, a apresentadora Xuxa, o piloto Felipe Massa e a cantora Claudia Leitte são alguns deles. “Tudo que a Hypermarcas compra, ela transforma. O retorno para o investidor tem sido alto e o que é melhor: tem sido no curto prazo”, diz Silvia Sfeir, professora de marketing do Insper e especialista em indústria farmacêutica.
Quem investiu R$ 100 no Índice Bovespa em 30 de dezembro do ano passado, por exemplo, tinha R$ 98,07 na carteira, um ano depois. Já quem preferiu apostar R$ 100 na Hypermarcas fechou a conta com R$ 115 no bolso, segundo a Economática.
Esse desempenho não quer dizer que Claudio Bergamo já possa reduzir a pesada jornada de trabalho. Segundo ele, são até 14 horas por dia. “Sem contar o tempo que passo no BlackBerry.”
Desde que abriu o capital, a Hypermarcas já fez quatro emissões de ações. Só com debêntures, levantou R$ 1,6 bilhão em duas emissões. Com dinheiro em caixa, os acionistas estavam pressionando por grandes aquisições, que justificassem a pulverização de ações.
“Comprar empresas de porte, como fizeram com a Mantecorp agora, era uma cobrança constante dentro da companhia”, afirma Ricardo Martins, gerente da área de pesquisas da Planner Corretora.
O presidente da Hypermarcas indica que não parou por aqui. Apesar do discurso oficial – ele diz que é hora de arrumar a casa para só depois voltar às compras –, outras aquisições virão pela frente.
E elas não demorarão a acontecer. “Tem pelo menos umas dez empresas que eu olho com carinho e gostaria de comprar”, entrega Bergamo. E não é só ele que está de olhos bem abertos.
Laboratórios brasileiros e internacionais estão com cheque e caneta na mão em busca de oportunidades. O que está em jogo é um mercado que movimenta R$ 40 bilhões por ano e cresce em ritmo chinês.
As projeções indicam que, até 2013, a venda de medicamentos no Brasil crescerá entre 8% e 11%, comparados a um aumento de 4% a 7% em economias mais desenvolvidas, como os Estados Unidos e a Europa.
Os laboratórios multinacionais precisam de mercado e de produtos para continuar crescendo. Grandes farmacêuticas estão perdendo as patentes de medicamentos caros que consumiram anos e bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento.
A Pfizer perdeu este ano a exclusividade da fórmula do Viagra e, em 2012, ocorrerá o mesmo com o Liptor, remédio de controle de colesterol mais vendido do mundo. Isso significa menos dinheiro em caixa.
Já as companhias nacionais cresceram apostando no mercado de medicamentos genéricos, onde a briga é por centavos. Com este tipo de produto, o único caminho possível é reforçar a escala para continuar no jogo.
“Os ativos brasileiros vão ficar mais caros”, prevê um executivo da indústria farmacêutica. Por isso, a Eurofarma foi ao Chile na semana passada comprar o laboratório Volta e a Farmindustria.
Foi a terceira investida em menos de dois anos. “O mercado brasileiro vai viver muitas emoções nos próximo anos,” afirma Antonio Britto, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). Segundo ele, as multinacionais respondem por 60% do faturamento do setor. Uma proporção que tende a diminuir.
Bergamo respeita os adversários, mas não esconde um certo desprezo pela concorrência internacional. Na opinião do presidente da Hypermarcas, historicamente o País foi deixado em segundo plano pelos laboratórios estrangeiros.
“Eles se acomodaram e viviam de mandar dividendos para fora”, diz. “Conhecemos o mercado brasileiro como poucos”, afirma. A empresa vai apostar na adaptação do que existe à necessidade do consumidor local.
“O cabelo da brasileira é diferente do cabelo das suecas. Durante décadas, tudo o que as multinacionais fizeram foi trazer produtos de fora para os consumidores daqui. Percebe o espaço enorme que temos para crescer?”, provoca.
Segundo ele, João Alves de Queiroz Filho costuma dizer que o perigo está no “tal do ego”. “Os problemas surgem quando você acha que está com tudo e se acomoda.” Bergamo continua atento à alquimia da Hypermarcas e aposta na consolidação da indústria farmacêutica no Brasil. E quem será o grande comprador desse processo? “Eu sei em quem colocar minhas fichas”, avisa o presidente da Hypermarcas.
Colaborou Érica Polo