17/09/2003 - 7:00
A leitura do balanço financeiro de O Boticário é um passeio por um mundo de números vistosos. A empresa dobrou de tamanho entre 1997 e 2002. No ano passado, seu faturamento cresceu 25% e atingiu R$ 473 milhões. O lucro seguiu caminho idêntico e saltou 50% para bater em R$ 30 milhões. O contínuo vigor nos negócios garantiu ao grupo o título de maior rede de perfumaria do mundo, com mais de 2,2 mil pontos espalhados por sete países. A cada ano, mais de 300 novos produtos ganham espaço nas prateleiras de suas lojas. Em apenas 25 anos, o grupo fundado pelo boliviano naturalizado brasileiro Miguel Krigsner tornou-se uma potência capaz de ombrear com gigantes como a Avon e a
Unilever no País.
Mas há poucas semanas O Boticário tomou atitudes comuns em empresas mergulhadas em crise, não naquelas em franca expansão. De uma só tacada, foram demitidos três diretores (de produção, internacional e o de marketing). Ao mesmo tempo, outros 140 funcionários de diversos níveis também perderam seus empregos ? ou seja, o quadro de pessoal encolheu em mais de 10%.
Sai de um lado, entra por outro. Em outra frente, Krigsner acaba de anunciar a construção de um megacentro de convenções em Curitiba. Batizado de Estação Convention Center, o complexo vai consumir
R$ 50 milhões para abrigar até cinco mil pessoas. Integrado a uma antiga estação ferroviária da cidade, suas linhas são inspiradas no estilo neoclássico do Museu D?Orsay, de Paris. O local foi escolhido a dedo. Em um raio de três quilômetros, existem cerca de 30 hotéis de três a cinco estrelas. ?De qualquer um deles, as pessoas podem ir a pé?, afirma Krigsner. O aeroporto também está próximo, a cerca de 15 quilômetros. ?Acreditamos que receberemos 800 mil pessoas por ano no centro?, aposta ele. Trata-se de um negócio não do Boticário, mas do grupo K&G, empresa de investimentos controlada pelo próprio Krigsner. Em seu portfólio há quatro outros shoppings em diversas cidades. ?Não há relação entre os dois negócios?, afirma ele. ?A gestão é separada e as estratégias, independentes.?
Por isso, diz Krigsner, é possível, sim, haver enxugamento de um lado e expansão de outro. Os cortes de pessoal no Boticário, sobretudo dos diretores, são explicadas por ele. ?As grandes mexidas devem ser feitas quando as coisas estão bem?, diz ele. ?Os possíveis efeitos são rapidamente absorvidos.? Certo, a hora é esta, mas quais os motivos? ?Decisões muito lentas?, ?falta de motivação?, ?dificuldades no processo de comunicação? ? são expressões clássicas nesses casos e elas foram utilizadas por Krigsner. O comportamento dos executivos estaria provocando contratempos para a empresa. Conflitos entre eles atrasaram decisões importantes. Por exemplo: uma promoção comercial para desovar estoques demorou para sair do papel. ?Em média, um assunto desses não consome mais de dois ou três dias para ser colocado em prática?, diz Artur Grynbaum, vice-presidente e sócio de Krigsner. ?Desta vez, foram mais de 10 dias.?
Casos como esses custaram o emprego dos diretores de marketing e produção. O primeiro ainda será substituído. As funções do segundo foram entregues ao chefão da área de pesquisa e desenvolvimento. O caso da diretoria internacional foi diferente, segundo Grynbaum. ?Adequamos a estrutura ao que acontecia no dia-a-dia?, afirma ele. Em outras palavras: todos os assuntos envolvendo os negócios fora do País acabavam pousando em sua mesa. Então por que não acumular a função de vez? Mexe aqui, mexe ali, o número de diretores caiu de nove para sete, incluindo os dois sócios.
Há ainda um motivo que pode ser encontrado fora da moderna e aprazível sede do Boticário, localizada nas cercanias de Curitiba. O mercado de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos sofreu nos primeiros meses de 2003 a pior queda dos últimos 10 anos, de acordo com a Abihpec, associação que reúne as empresas do setor. O recuo atingiu quase 9%. Isso em volume de vendas. Quando se fala em faturamento, aí os fabricantes podem sorrir. No mesmo período, o crescimento foi de 15%. Em bom português, o aumento de preços de perfumes e cosméticos compensou, e muito, as vendas menores. ?Não vejo nenhum sinal estatístico de que a situação irá se reverter neste semestre?, afirma João Carlos Basílio da Silva, presidente da Abihpec.
Krigsner não revela os resultados de de 2003, mas afirma que sua empresa dança no mesmo ritmo do mercado. Isso explicaria o corte dos 140 funcionários. Ao mesmo tempo, outras medidas foram adotadas. O setor de logística está passando por um pente-fino para ganhar eficiência e economia. O período entre a entrada de matéria-prima nos galpões da empresa e a saída do produto rumo às lojas é de 60 dias atualmente. A meta é reduzi-lo para 25 dias.
Tardes longas. Outro alvo é o consumidor que não vai às lojas. ?Vamos caçá-lo aonde ele estiver?, desafia Grynbaum. O foco está direcionado para cidades com menos de 30 mil habitantes. Elas não comportam um ponto-de-venda fixo. Assim semanalmente vendedoras de lojas de municípios próximos desembarcam ali para oferecer os produtos. As promotoras também são estimuladas a visitar grandes empresas e vender perfumes e cosméticos para os funcionários. Em algumas delas, as mercadorias ficam em exposição permanente.
É, de certa forma, uma volta às origens. A exposição em uma vitrine foi o gene inicial da rede. Krigsner era recém-formado em Bioquímica e abriu no centro de Curitiba uma pequena farmácia de manipulação. Como o ?número de clientes era curto e as tardes, longas?, ele aproveitava o tempo ocioso para desenvolver ?um xampu aqui, um creme ali?. Os produtos iam para uma estante envidraçada em frente às poltronas onde os clientes esperavam os remédios que iam comprar. A localização ajudou ? e muito. A farmácia ficava no alto de uma ladeira. ?Ninguém queria descer e subir a ladeira mais de uma vez?, recorda Krigsner. Além disso, a vizinhança, formada por hotéis de alta rotatividade, também não recomendava passeios freqüentes. ?Então, as clientes ficavam esperando?, diz Krigsner. ?E com o tempo livre acabavam comprando os xampus e cremes.?
A arrancada veio com outra boa sacada de Krigsner. Uma das primeiras lojas abriu as portas no Aeroporto de Curitiba. Foram dois acertos com um único tiro. Primeiro: as comissárias compravam os produtos e os levavam para todo o País ? algumas delas até os revendiam. Segundo: como muitos empresários e executivos circulavam pelos corredores à espera dos vôos descobriram na marca uma oportunidade de negócios. ?Passei a receber diversos telefonemas de gente querendo abrir lojas em outras cidades?, conta Krigsner. Era o início da expansão por meio das franquias, sistema que levou a marca a países como Portugal, Peru, Japão e Bolívia. A mais recente investida no exterior foi no México. Lá, O Boticário já possui quatro pontos-de-venda. É o caminho que levará a empresa ao mercado americano, diz Krigsner. É, parece que o Brasil ficou pequeno para a maior rede de franquias de perfumaria do mundo.