DINHEIRO – A empresa foi acusada recentemente de pagar propina a agentes governamentais no Brasil, na Venezuela e em Cingapura. Como o sr. encara esse episódio?
THIBAULT DESTERACT O que existe, na verdade, é uma investigação na Suíça e não nos países que você menciona. A Alstom, como é da tradição da companhia, está colaborando com a Justiça. Nosso presidente mundial, Patrick Kron, veio ao Brasil em julho e na ocasião falou sobre o episódio. O que não achamos justo é que a empresa seja acusada sem provas e sem que o processo tenha sido concluído. A Alstom tem um código de ética conhecido por todos os 70 mil empregados e que proíbe coisas desse tipo. Fizemos auditorias para avaliar o que aconteceu em todos os países citados.

DINHEIRO – O sr. está dizendo que a empresa é inocente?
DESTERACTNo caso da subsidiária brasileira, e baseado nas informações colhidas internamente, estamos totalmente confortáveis em relação ao cumprimento de nosso código de ética. Vamos deixar a Justiça fazer o trabalho dela. Depois veremos as providências que teremos de adotar. As acusações publicadas pela terceira vez, em setembro, no The Wall Street Journal não respeitaram o princípio de presunção da inocência. Por conta disso, decidimos entrar com um processo de difamação contra o jornal para proteger a reputação da Alstom.

DINHEIRO – Mas nos últimos meses, dois conselheiros do Tribunal de Contas de São Paulo fizeram ressalvas em relação aos contratos assinados entre a empresa e o governo estadual. O sr. acha que existe desinformação ou a companhia está sendo vítima de uma ação orquestrada?

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DESTERACTNão posso garantir, mas, de fato, existem algumas coincidências. A denúncia na Suíça explodiu na véspera de a companhia anunciar um resultado financeiro historicamente positivo em termos globais. Também no Brasil, essas alegações surgiram na esteira e na agitação do período eleitoral. Mas estamos analisando de maneira permanente todas as coisas que envolvem o nome da empresa. Do ponto de vista ético me sinto à vontade em relação a todos os contratos e negociações com o governo paulista em geral e o metrô em especial.

DINHEIRO – Esse episódio prejudicou de alguma forma a imagem da empresa?
DESTERACT – A Alstom é uma empresa tecnológica, tem 70 mil empregados espalhados pelo mundo, dedicados a soluções para o setor energético e de transporte. O que pretendemos fazer no Brasil é melhorar os canais de comunicação e mostrar de forma clara quem somos: uma corporação que emprega quatro mil pessoas aqui e que traz tecnologias inovadoras para o País com o objetivo de atender às necessidades do mercado local. Somos a única empresa global do segmento eletromecânico que tem esse nível de comprometimento com a América Latina nas áreas de energia e transporte. E foi graças a isso que as plantas situadas em São Paulo e Taubaté (SP) conseguiram exportar vagões para o metrô de Nova York (EUA) e turbinas para o complexo hidrelétrico de Três Gargantas, na China.

DINHEIRO – O que o sr. pretende fazer para que os brasileiros em geral conheçam melhor a Alstom?
DESTERACT Primeiro gostaria de reforçar que não temos um problema de imagem no Brasil. Nosso desafio, contudo, é manter um canal de comunicação permanente com a sociedade. Um exemplo desse trabalho foi o anúncio da implantação da fábrica que vamos construir em Porto Velho (RO), em parceria com a Bardella. Vamos investir R$ 90 milhões em uma planta capaz de produzir equipamentos eletrônicos para projetos hidráulicos, como a Usina de Santo Antonio. Nossa imagem é avaliada por meio dos metrôs e das inúmeras turbinas que funcionam todos os dias do ano, sem falhar uma única vez.

DINHEIRO – Mudando de assunto, qual a sua avaliação da crise que afeta a economia mundial?
DESTERACT Nós da Alstom estamos tranqüilos. A crise pegou a empresa em uma situação extremamente favorável em termos globais. Não temos dívidas, nossa situação de caixa é confortável, temos uma carteira de pedidos no valor de 23,5 bilhões de euros para o período 2007/2008 e nossas fábricas operam a plena capacidade. Na verdade, o cenário que traçamos como desdobramento dessa crise é uma possível postergação dos projetos de infra- estrutura. Mas isso, no caso da Alstom, pode até representar um alívio, pois não precisaríamos dizer não a eventuais novos clientes.

DINHEIRO – E como está sendo 2008 para a Alstom do Brasil?
DESTERACT Vivemos um ano de consolidação, de preparação de muitos projetos importantes que somam R$ 2,1 bilhões no período 2007/2008.

DINHEIRO – Pode-se dizer, então, que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é uma realidade, apesar das críticas de paralisia feitas por integrantes da oposição?
DESTERACTNão estou em posição de fazer comentários tendo como ponto de vista o discurso político. Como todo engenheiro, sou uma pessoa pragmática e, para mim, ou uma coisa existe ou não existe. O que posso dizer é que estamos recebendo pedidos para produção de equipamentos e para o desenvolvimento de novos projetos. E isso deixa claro que o segmento de infra-estrutura em transporte e energia passa por um período de dinamismo no Brasil.

DINHEIRO – A América Latina é a região na qual a Alstom, em termos globais, faz suas maiores apostas?
DESTERACT Sem dúvida. A região sempre foi um dos pilares para o desenvolvimento da Alstom. Estamos particularmente otimistas com as oportunidades que devem surgir nos próximos dez anos por conta da retomada dos investimentos em infra-estrutura, vitais para garantir o crescimento da região.

 

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DINHEIRO – As relações entre a França e o Brasil nunca foram tão próximas. Isso pode, por exemplo, ajudar a Alstom a sair na frente da alemã Siemens e da canadense Bombardier na disputa envolvendo o trem-bala que vai ligar o Rio de Janeiro a São Paulo?
DESTERACT O negócio do trem de alta velocidade é estratégico para nossa companhia. Temos uma posição dominante nessa área com 75% do mercado global. Nos últimos 25 anos nós transportamos 1,5 bilhão de passageiros sem registrar qualquer acidente fatal. Pessoalmente estou convencido de que esse sistema representa uma solução para o ordenamento territorial de um país com a dimensão do Brasil. Sobre a ligação Rio-São Paulo, não gostaria de me manifestar porque ainda não foram definidos os editais de licitação. Mas estamos de olho em todas as oportunidades que surgem nessa área. Entramos na concorrência do governo argentino e acompanhamos os estudos feitos pelo Estado da Califórnia (EUA) e o governo mexicano.

DINHEIRO – O sr. acredita que a elevação do preço do petróleo seria um dos catalisadores da troca do avião pelo trem?
DESTERACT Creio que sim. Na Europa, por exemplo, já ficou claro que para distâncias inferiores a mil quilômetros a opção do avião é impraticável. Não estou fazendo uma comparação entre dois sistemas de transporte. Apenas analisando a realidade. Nós trabalhamos de olho no futuro. Em 2007, um trem desenvolvido pela Alstom bateu o recorde de velocidade, atingindo 574 quilômetros por hora em uma viagem que reuniu ministros franceses, chefes de Estado e jornalistas. Fizemos isso porque acreditamos que a tecnologia é confiável. Agora, estamos colocando no mercado a nova geração do Trem de Grande Velocidade (TGV). Batizado de AGV, ele opera com uma velocidade comercial de 360 quilômetros, 40 quilômetros mais rápido que o atual e com um consumo de energia 20% menor.

DINHEIRO – O sr. é um defensor do sistema de transporte por Tramvia, outra criação da Alstom, que é uma versão futurista do bonde. No que ele é mais eficiente que o ônibus e o metrô?
DESTERACT Vou respeitar os sistemas competidores. Até porque está claro que nenhum modelo é capaz de solucionar, de forma isolada, o problema do transporte nas grandes metrópoles. O ideal é a mescla de tecnologias complementares. Mas uma coisa é certa. Os projetos de corredores de ônibus não são eficientes. O sistema tem um custo baixo de implantação, mas sua manutenção é cara. Sem contar a poluição causada por esses veículos. Além disso, eles são limitados em matéria do número de pessoas atendidas quando se fala de ordenamento populacional e de um planejamento urbano integrado.

DINHEIRO – Essa sua análise leva em conta o que acontece na Europa, por exemplo?
DESTERACT Prefiro me ater especificamente ao que acontece na América Latina. Estou ciente de que muitas vezes os governos precisam tomar decisões rápidas para minorar um problema emergencial. Sabemos que não se consegue construir metrô da noite para o dia. Mas acho que a opção do ônibus não é adequada. Isso foi tentado em Santiago (Chile) e gerou um verdadeiro caos que está sendo corrigido agora com o uso do Tramvia. No caso do Brasil, essa modalidade também é bastante competitiva porque pode ser adaptada aos corredores de ônibus existentes em Curitiba (PR) e na cidade de São Paulo, por exemplo. Mas nós respeitamos as decisões de cada governo. O que gostaria de insistir é que a Alstom tem soluções eficientes para o transporte coletivo e que, acima de tudo, não agridem o meio ambiente.