23/02/2001 - 7:00
“O ministro Pratini está sendo companheiro, estamos de mãos dadas com ele”
“A carne brasileira é excelente. Somos competitivos, por isso estamos sendo tão combatidos”
DINHEIRO ? Já dá para dimensionar o prejuízo causado por esse boicote canadense à carne brasileira?
Edivar Vilela de Queiroz ? O prejuízo direto não é grande. O maior problema para o Brasil foi em relação a nossa imagem, que ficou arranhada perante o mercado internacional. Isso não é fácil de calcular e vamos ver que prejuízo pode trazer daqui para a frente, as conseqüências disso tudo.
DINHEIRO ? Os prejuízos vão ser sentidos no longo prazo?
Queiroz ? Eu diria a médio prazo. A curto prazo, sem dúvida, o setor foi afetado. O problema nem é tanto a exportação para o Canadá, que é relativamente pequena, em torno de US$ 5 milhões ou 3% das vendas. Já os Estados Unidos compram de nós em torno de US$ 30 milhões. Felizmente eles não fizeram como o Canadá, que adotou o recall, recolheu e devolveu todas as mercadorias. Nos Estados Unidos a carne brasileira continuou sendo vendida normalmente nas prateleiras. O recolhimento da nossa carne no Canadá foi, sem dúvida nenhuma, o que mais ajudou a criar no Brasil um espírito de solidariedade ao setor pecuário. Logicamente, isso tudo está afetando a cadeia produtiva. Desde o produtor até a indústria de transformação.
DINHEIRO ? Os pecuaristas esperavam a forte reação da sociedade brasileira contra os canadenses?
Queiroz ? Os pecuaristas e a indústria da carne não esperavam por isso e estão sensibilizados. O País inteiro se indignou contra essas medidas do Canadá que, na verdade, são intempestivas e injustas. Não se toma medidas como essa, de suspender a importação, sem que pelo menos cobre novamente o que se deseja. Isso chocou o País.
DINHEIRO ? É verdade a alegação dos canadenses de que eles estavam esperando informações sobre a carne brasileira há mais de um ano?
Queiroz ? Pelo conhecimento que tenho, essas informações foram dadas. Só que não adianta entrar nesse jogo de ficar dizendo mandei, não mandei. Eles (os canadenses) deviam ter solicitado novamente os pareceres técnicos antes de tomar essa medida de suspender a importação dos nossos produtos. Assim como solicitaram as informações de ordem burocrática, que o Brasil mandou e cumpriu imediatamente.
DINHEIRO ? Até que ponto o novo foco de febre aftosa que surgiu na Argentina pode afetar a credibilidade da carne brasileira?
Queiroz ? Cabe ao Ministério da Agricultura tomar as medidas necessárias para evitar que haja contaminação do rebanho. Mas uma coisa é certa: a guerra comercial é inevitável, os países vão usar todas as armas que possuem e o Brasil tem que fazer a lição de casa, preparando-se para provar que farsas e doenças não afetam nosso rebanho.
DINHEIRO ? Os ministérios da Agricultura e das Relações Exteriores têm conduzido bem este tipo de episódio?
Queiroz ? Muito bem. Nossa entidade está apoiando o Ministério da Agricultura em todos os sentidos. Montamos uma sala de crise lá no ministério e contratamos técnicos para ajudar o governo. Neste momento, nós todos estamos no mesmo barco. E precisamos ajudar o ministério em todos os sentidos. Não só no episódio Canadá. O maior importador do nosso produto é a Europa. Ou seja: nós temos que complementar algumas informações para Bruxelas, sede da União Européia.
DINHEIRO ? Que informações são essas?
Queiroz ? Temos que rastrear todo o gado que entrou no Brasil a partir de 1980 para cá. E isso vai ser completado ainda neste mês de fevereiro. Vamos entregar isso em Bruxelas, de acordo com as exigências que eles nos fizeram.
DINHEIRO ? Por que esse gado entrou no Brasil?
Queiroz ? Entrou como reprodutor, para que o Brasil, que tem gado zebu, fizesse o cruzamento industrial, uma medida de choque de sêmens. O produto desse choque de sangue dá um gado de boa qualidade, uma carne excelente. Todos esses reprodutores que vieram de lá foram selecionados. São os que tiveram os melhores cuidados genéticos e sanitários na Europa antes de serem remetidos para cá. Foram os melhores. A despeito de tudo, estamos completando o rastreamento de mais de quatro mil cabeças.
DINHEIRO ? Antes desse episódio, o Ministério da Agricultura dava aos pecuaristas nacionais algum tipo de apoio? Algo que possa ser comparado, por exemplo, aos incentivos recebidos pelas montadoras multinacionais?
Queiroz ? Gostaria que esta entrevista cingisse ao problema presente. Evidentemente que isso é uma questão de política do governo e independe do ministro que ocupa o cargo. Mas nós deveríamos ter mais técnicos, uma área burocrática melhor estruturada, no Ministério da Agricultura. Essa área é muito importante. Nós já sugerimos isso ao ministro atual que, diga-se de passagem, está empenhado em solucionar o problema. É bom que se diga que o ministro (Pratini de Moraes) está sendo companheiro dos pecuaristas e exportadores de carne e nós estamos de mãos dadas com ele e com o ministério para solucionar essa crise.
DINHEIRO ? O Brasil estava próximo de ser considerado área livre de doenças contagiosas na pecuária pela Organização Internacional de Epizootia. Isto pode acirrar ainda mais o ciúme de outros países?
Queiroz ? A Organização Internacional de Epizootia (OIA) faz seu congresso em maio, mas nós já fomos declarados zona livre de aftosa e de outras doenças para um rebanho de 126 milhões de cabeças. É lógico que em um cenário de crise no mercado de carne na Europa surgem alguns problemas. Surgem algumas resistências porque nós somos realmente competitivos nessa área. O Brasil está fazendo o dever de casa. Mas precisamos trabalhar para adquirir ainda mais confiabilidade dos clientes lá fora. Nós não queremos agredir o produtor europeu. Dentro da globalização, quem produzir mais barato que coloque o seu produto. Isso está na Organização Mundial do Comércio.
DINHEIRO ? Por que o gado brasileiro é menos suscetível a doenças?
Queiroz ? O gado brasileiro se alimenta de pasto, de capim. O complemento que a gente dá de ração também é de origem vegetal, soja e milho. As nossas rações não têm componente animal. O nosso gado zebu, nelore, é resistente a esse tipo de comida de origem animal. Além disso, o Brasil tem uma vasta extensão territorial para a pecuária extensiva. É importante que o nosso consumidor saiba que o nosso gado de corte é criado solto no pasto, é saudável, e só recebe complementação alimentar em períodos de seca. O clima tropical também nos ajuda, propiciando uma criação mais natural.
DINHEIRO ? Os pecuaristas brasileiros compram muitos produtos do Canadá?
Queiroz ? O Brasil importa vários componentes do Canadá para a pecuária. Mas, no momento, não é importante ressaltar isso e sim harmonizar os entendimentos. O Brasil precisa resolver isso de forma inteligente. Não adianta botar fogo no problema. Temos que vender o nosso produto, que é realmente competitivo. O Brasil até já comprou do Canadá gado leiteiro, não de corte.
DINHEIRO ? Toda essa polêmica pode afetar as exportações de carne para a Europa e Oriente, onde vocês são realmente fortes?
Queiroz ? Nesse primeiro momento pode ser que sim. Todo mundo fica preocupado. Mas nossos importadores nunca tiveram preocupação porque nunca se registrou qualquer caso de doença da ?vaca louca? no Brasil. Então, o que temos de fazer? Nos armar no sentido de prestar esclarecimentos para os nossos compradores. O importador europeu precisa ter segurança e nós temos obrigação de dar isso. Pode estar havendo algum retardamento de novos pedidos de carne, mas o pessoal da Europa conhece muito bem o Brasil e sabe que aqui não há risco da doença. O Oriente não nos conhece tão bem, mas com um trabalho bem feito temos como reverter qualquer mal-entendido. Todas as reações, até agora, foram insignificantes.
DINHEIRO ? Continua de pé o projeto de romper em 2001 a barreira de US$ 1 bilhão em vendas externas e dobrar as exportações nos próximos anos?
Queiroz ? É um sonho nosso e uma necessidade brasileira. O empresário do setor quer que isso ocorra porque o Brasil precisa de divisas. E nós somos competitivos. Por isso talvez estejamos sendo tão combatidos. Os planos de promover nosso produto lá fora, com empresa de marketing e o Ministério da Agricultura, continuam de pé. Vamos mostrar ao mundo que o nosso produto é de excelente qualidade e também tem uma sanidade inquestionável.
DINHEIRO ? O sr. acredita que essa polêmica toda ainda pode trazer bons resultados para o Brasil?
Queiroz ? Vamos fazer desse limão uma limonada, como já disse uma autoridade brasileira. Ou seja: vamos fazer dessa ameaça canadense uma grande oportunidade em todo o resto do mundo.