Desde o início dos anos 2000 o Chile apresenta um desempenho econômico equilibrado, bem diferente de seus vizinhos na América do Sul. Crescimento constante, alta taxa de investimentos, controle das contas do governo, inflação e juros baixos são características desse país de quase 18 milhões de habitantes que concilia política pública socialista com política econômica liberal. Os chilenos possuem uma das economias mais abertas do mundo, com baixas tarifas alfandegárias e fortemente orientada à exportação. O Brasil é o quarto principal destino de seus produtos. Luis Felipe Céspedes, ministro da Economia, tem se esforçado para ampliar os laços comerciais do país. Doutor em economia pela Universidade de Nova York, Céspedes foi coordenador de políticas econômicas no Ministério da Fazenda no primeiro governo de Michelle Bachelet. Nesta entrevista, ele fala dos desafios internos e externos para garantir a expansão sustentável do PIB.

DINHEIRO – De que maneira o Chile avaliou as eleições no Brasil?
LUIS FELIPE CÉSPEDES – 
O Chile tem uma excelente relação com o Brasil e com a presidenta Dilma Rousseff. Vamos seguir trabalhando e fortalecendo os laços de amizade e a colaboração econômica com o Brasil, que é certamente um parceiro comercial e um investidor. Portanto, precisamos que a economia do Brasil esteja bem. Mas sempre vamos manter o respeito pelas decisões da política local.

DINHEIRO – Como o sr. analisa o momento econômico do Brasil?
CÉSPEDES – 
Como países emergentes, temos visto uma redução importante dos níveis de crescimento, em razão dessa condição externa que tem nos acompanhado. Entre 2010 e 2012, os emergentes foram favorecidos pelos preços em alta das matérias-primas. As condições financeiras eram diferentes, muito dinâmicas. Agora, a desaceleração não acontece apenas no Brasil, mas em todas as economias emergentes. Certamente, temos visto essa desaceleração no Chile. O importante é que tenhamos força para enfrentar esse período e conseguir retomar os níveis de crescimento.

DINHEIRO – Mas a redução do crescimento do Chile foi muito menor do que a freada que está acontecendo no Brasil.
CÉSPEDES – 
Estamos com um crescimento ligeiramente acima de 2% e esperamos algo em torno de 3%, em 2015. É um crescimento que está abaixo do nosso potencial, mas esperamos chegar a ele até 2016.

DINHEIRO – O próximo ano será mais difícil para a economia global do que foi 2014?
CÉSPEDES – 
Esperamos que, em 2015, a economia aumente seu ritmo de crescimento, em comparação ao de 2014. Para isso, estamos implementando um incremento de 8%, em termos reais, dos gastos do governo, com 27,5% de investimento público. Ao mesmo tempo, vamos nos concentrar em reformas gerais para dar impulso monetário à nossa economia. O câmbio subiu, o que fomenta as exportações, e todo esse impulso macroeconômico vai ajudar na retomada do ritmo de crescimento, fazendo com que possamos atingir nossa taxa potencial, que é de 4,5%, em 2016. Temos uma economia saudável, com todas as condições para retomar seu ritmo de crescimento. No médio e longo prazos, estamos trabalhando para aumentar a produtividade, fortalecer os investimentos em infraestrutura, que é fundamental para países como o nosso conseguirem promover o desenvolvimento, e ter condições para estimular mais investimentos privados.

DINHEIRO – Em períodos de crise econômica, o ideal não seria um fortalecimento das relações comerciais entre países vizinhos?
CÉSPEDES – 
Em primeiro lugar, a situação de desaceleração em distintos países não é uma situação de crise. Creio que a nossa economia tem demonstrado ter uma fortaleza, após um período de aprendizado bastante importante, com a grande recessão de 2008 e 2009, o que nos permitiu sair fortalecidos dessa situação. Certamente, aumentar nosso grau de integração e colaboração é importante, porque temos um comércio internacional que pode ser mais forte. À medida que temos um comércio internacional mais forte, podemos ter uma economia que pode enfrentar melhor os vai-e-vem das condições externas.

DINHEIRO – O que impede os países da América Latina de estreitarem mais as relações comerciais entre si?
CÉSPEDES –
 A América Latina tem um desafio pendente de aumentar seu comércio inter-regional, que é a possibilidade à nossa disposição para fortalecer nossas economias. Há espaço de colaboração e uma conexão logística para desenvolver esse comércio internacional que permite a todos sair fortalecidos. Creio que temos distintas possibilidades de seguir construindo. Nós somos, por exemplo, membros da Aliança do Pacífico. Por ela, o Mercosul tem um espaço de colaboração, que pode ser fortalecido conjuntamente para gerar essa maior integração econômica para os nossos países. É uma matéria positiva, de futuro construtivo, e os países estão trabalhando nisso.

DINHEIRO – Como o Chile conseguiu realizar reformas que estabeleceram a base para o crescimento sustentável?
CÉSPEDES –
 O Chile é um país que construiu um crescimento econômico significativo, nos últimos 25 anos. Esse crescimento baseou-se na geração de instituições de qualidade e na disposição de ter fundamentos macroeconômicos que nos permitam crescer independentemente das condições externas. A economia do Chile é altamente aberta, sujeita, portanto, às oscilações do comércio internacional. Por isso, precisamos de uma política fiscal e monetária que nos permita enfrentar essas condições externas sem grandes solavancos. Por termos optado por uma integração comercial com o restante do mundo, assinamos inúmeros acordos de livre comércio em setores exportadores que são muito pujantes. Continuamos trabalhando para seguir construindo sobre essa instituição, mas também enfrentando os desafios que existem dentro do país. O Chile é uma nação que tem desigualdades. Temos de enfrentar esse problema e estamos fazendo isso com uma política de transformações estruturais. Uma delas é uma reforma educacional, para enfrentar a desigualdade e gerar capital humano necessário para o país crescer com oportunidades.

DINHEIRO – No último ranking de educação, divulgado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, o Chile aparece na 33a posição entre 36 países. É uma das últimas posições, mas à frente do Brasil. Qual é a ideia para a reforma educacional?
CÉSPEDES –
 Nosso desafio é oferecer educação de qualidade a todos os chilenos, independentemente do nível de renda da família. É nesse ponto que temos uma tremenda desigualdade. Temos uma boa educação para quem tem recursos para pagar pela educação e uma educação de menor qualidade para os que não podem pagar. Por isso, temos de fortalecer a educação pública, com ensino de qualidade para desenvolvermos todo o talento de nossos cidadãos. Quando se aproveita o talento de todos os jovens, independentemente da renda familiar, temos mais conhecimento e capital humano. A experiência dos países que alcançaram o desenvolvimento nos mostra que esse é o caminho certo a percorrer. Temos de agregar conhecimento para conseguir uma sociedade mais justa.

DINHEIRO – Brasil e Argentina estão na fase de oferecer benefícios sociais para a população, o que o Chile fez há mais de uma década. Isso significa que o Chile está um passo à frente de seus vizinhos? 
CÉSPEDES – 
Os países enfrentam desafios distintos ao longo do tempo. Nós, na década de 1990, enfrentamos os desafios de reduzir a pobreza. O Chile era um país com nível de pobreza altíssimo, no final dos anos 1980. Nossas políticas foram exitosas: a pobreza no Chile é baixa hoje em dia. Agora, enfrentamos o desafio de construir uma sociedade com mais igualdade e oportunidades, com uma economia mais inclusiva. Esse é um desafio que enfrentamos neste momento, e é por isso que a reforma educacional é nosso instrumento de inclusão.

DINHEIRO– Enquanto o Brasil precisaria reduzir sua altíssima carga tributária, o Chile caminha no sentido oposto. Por que elevar os impostos, que hoje equivalem a 18,5% do PIB? 
CÉSPEDES –
 O Chile tem o desafio de ser um país com mais igualdade, que requer política e investimento. Tem de investir mais em educação, em infraestrutura, em saúde. Mas precisamos fazer isso sobre uma base que seja sustentável no longo prazo, porque um princípio básico em políticas públicas é que esses gastos e esses investimentos sejam sustentáveis. Para isso, o Chile fez uma extensa análise de sua política fiscal para gerar, de forma permanente, o ingresso necessário de recursos para seus gastos. Por isso a reforma tributária é tão importante. É um esforço para integrar a sociedade. Estamos fazendo de uma maneira que se ajusta, porque a carga tributária no Chile é baixa em comparação à dos países da OCDE. O Chile tem uma carga tributária em torno de 18,5% do PIB e estamos aumentando para 21,5% do PIB. É uma carga tributária mais justa e menos neutra. Mas, como toda discussão sobre aumento de impostos, sempre haverá debate. Até o momento conseguimos construir um acordo e essa reforma tributária já foi aprovada pelo Parlamento. Como governo, temos dito claramente que, para enfrentar a desigualdade e gerar mais oportunidades, o Estado necessita mais de recursos. Creio que é algo que a população no Chile entende e respeita: a necessidade de oferecer condições básicas para a sociedade, como educação e saúde. A presidenta Michelle Bachelet teve um forte apoio na eleição e foi essa agenda que ela plantou na disputa presidencial.

DINHEIRO – O que mudou do governo Sebastián Piñera para o atual governo?
CÉSPEDES –
 Nós, certamente, como governo, estamos implementando uma agenda que nos permite enfrentar as desigualdades do nosso país e creio que é algo distintivo da presidenta Bachelet. É algo que vai gerar um país estável, uma sociedade mais justa, que é parte fundamental da agenda da Bachelet. Estamos construindo um país de instituições de qualidade, com infraestrutura e integração comercial, o que vai nos permitir gerar crescimento e emprego em nossa economia.