25/03/2009 - 7:00
Em uma entrevista recente, publicada em um jornal de São Paulo, o sociólogo Adalberto Moreira Cardoso citou José Ignacio López de Arriortúa como um dos grandes nomes do setor automotivo.
Uma pesquisa no Google revela que Arriortúa aparece em 9.650 páginas de sites de jornais, revistas e até de trabalhos acadêmicos ? como o apresentado na prestigiosa Thunderbird Escola de Negócios, dos Estados Unidos. Nada mal para um personagem que está fora de cena desde o final da década de 1990 e cuja trajetória do apogeu ao ocaso durou ?apenas? quatro anos. Um período curto mas suficiente para que Arriortúa fizesse história. Afinal, o engenheiro nascido no país Basco (Espanha) foi o mentor de um sistema revolucionário de produção, o consórcio modular, usado na fábrica de caminhões e ônibus da Volkswagen em Resende (RJ). Ele também foi o pivô de um multibilionário escândalo de espionagem que colocou em lados opostos a General Motors (GM) e a Volkswagen. O armistício teria custado à Volks o pagamento de US$ 100 milhões, em indenização e o compromisso de gastar outro US$ 1 bilhão na compra de peças da rival. Considerado um executivo brilhante e dado a todo tipo de excentricidade, como usar o relógio no pulso direito, ele foi brindado com epítetos como Super- López e O Terrível. Na última vez em que falou à imprensa internacional, no começo de 2000, López ainda exibia um dos traços mais fortes de sua personalidade: a capacidade de fazer planos grandiosos. Na ocasião, ele queria espalhar fábricas de automóveis pelo mundo afora, nas quais seria produzido um carro compacto com a mesma filosofia do consórcio modular, no qual todos os fornecedores atuarim no chão de fábrica. Na quarta-feira 18, Iñaki (Ignacio, em basco) rompeu o longo silêncio e falou, por e-mail, com a DINHEIRO. (leia trechos da entrevista na página 70).
Aos 68 anos, o outrora todo-poderoso executivo leva uma vida frugal. Consome boa parte de seu tempo trabalhando no pomar da fazenda da família no interior de Vizcaya ? um enclave basco situado na Espanha. Lá, ele planta laranjas, maçãs e peras.
SEMPRE POLÊMICO E MARQUETEIRO: o executivo que comandava as maiores montadoras do mundo, era assunto constante da mídia e convivia com poderosos, também era capaz de interromper o trabalho para jogar uma partida de futebol com os funcionários da fábrica
O lazer se resume a assistir pela tevê, os jogos do Athletic de Bilbao, sua segunda maior paixão depois dos automóveis. Também acompanha o noticiário, em especial os fatos relacionadas à indústria automotiva. Uma vez por mês ele despacha com Willem Admiraal, presidente do Grupo López Arriortúa, a consultoria especializada em gestão de compras para empresas, fundada em 1997. ?A crise que arrastou as montadoras americanas é fruto de uma gestão inadequada. Se elas não fizerem mudanças imediatas nas áreas de compras, design e na gestão irão à falência rapidamente?, dispara. O veterano executivo fala com conhecimento de causa. Sua ascensão no setor aconteceu exatamente nos Estados Unidos, quando assumiu o departamento de compras da então combalida GM.
Dono de uma incrível capacidade de negociação, ele conseguiu uma economia de US$ 4 bilhões em apenas um ano. O rompimento com o seu mentor John (Jack) Smith Jr., presidente da GM, e o consequente pedido de demissão, caiu como uma bomba sobre o quartelgeneral da montadora em Detroit, em 15 de março de 1993.
Um grupo de executivos de vários escalões fez uma romaria à casa de Arriortúa para pedir que ele continuasse no cargo. Smith Jr. lhe prometeu a presidência da divisão América do Norte. Em vão. O rebelde basco simplesmente limpou as gavetas e nem sequer disse adeus aos companheiros. ?Deixei a GM porque Smith Jr. descumpriu a promessa de erguer uma fábrica em Amoribieta, minha cidade natal?, resume.
Ao que parece, ele não guarda mágoa do ex-chefe. ?A solução para o problema da GM, da Ford e da Chrysler passa pela contratação, o quanto antes, de alguém do porte de Smith Jr., o melhor presidente da história da GM?, aponta. Convidado para se unir à Volkswagen, Arriortúa exigiu que a montadora alemã instalasse uma unidade em sua cidade natal. Foi demitido no final de 1996 sem ver a promessa cumprida. A carreira de Arriortúa foi abreviada pela acusação de roubo de segredos industriais da GM. Fato que acabou causando sua demissão da Volks. Movido pelo sonho de produzir um carro em sua cidade natal, Arriortúa assumiu a linha de frente deste projeto. Em 1999, ele deu uma parada na carreira de consultor e após se recuperar de um acidente grave de carro criou a Loar (junção das primeiras sílabas de López e Arriortúa). Gastou US$ 3,7 milhões no desenho de quatro modelos e um protótipo, batizado de Carmen e inspirado no Audi A3 e no Golf. A ideia era montar uma rede de fábricas na Espanha, em Portugal, na Índia e no Brasil que operariam no sistema de consórcio modular. Cada uma delas com capacidade para produzir 300 mil unidades por ano. O investimento de US$ 554 milhões, em cada uma, e o montante sairiam integralmente do bolso dos parceiros. Animado com o projeto, ele procurou amigos na Europa, nos Estados Unidos e até no Brasil, onde se reuniu com o então ministro da Indústria e do Comércio, Francisco Dornelles. ?O plano era mirabolante demais para dar certo. Ninguém quis colocar dinheiro naquela aventura?, analisa um executivo brasileiro que atuou na Volks.
Até hoje Arriortúa demonstra uma enorme satisfação ao falar do Brasil. ?Trata-se de um país bonito com um povo excepcional?, derrete-se. Sua experiência na implantação da fábrica de motores em São Carlos (SP) e da unidade de Resende (RJ) da Volks foi de fato marcante. Por aqui ele exerceu toda a sua capacidade de sedução e a verve de marqueteiro. Com o lema ?tudo es possible? (tudo é possível) ele injetava ânimo na equipe. Isso incluía, inclusive, jogar futebol com os funcionários. Na função de goleiro, ele já chegava avisando que quem fizesse gol nele perderia o emprego. ?Iñaki tinha uma enorme capacidade de incentivar as pessoas e extrair delas o melhor?, diz um ex-colaborador da Volks. Obcecado por prazos, Arriortúa vinha ao Brasil a cada dez dias para ver o progresso na implantação das fábricas. Quando tinha uma folga visitava a namorada secreta que arranjou em Resende. Certa vez ele desembarcou de jatinho na cidade, acompanhado de quatro sujeitos mal encarados que ficaram em um canto, enquanto ele fazia uma reunião de trabalho. O que eles vieram fazer por aqui? Bem, o quarteto era parceiro de um jogo de truco que o velho Iñaki se recusou a interromper.
?Nunca tirei nada da GM, muito menos segredos industriais?
Apesar de viver praticamente recluso em Vizcaya, José Ignacio López de Arriortúa se mantém como um observador arguto do que acontece na indústria automotiva global. Para ele, o futuro pertence ao carro elétrico. ?Nossos filhos verão apenas carros elétricos nas ruas?, diz. A seguir os principais trechos da entrevista concedida, por e-mail, à DINHEIRO:
DINHEIRO ? Como o sr. analisa os problemas vividos pelas montadoras americanas General Motors, Chrysler e Ford?
JOSÉ IGNACIO LÓPEZ DE ARRIORTÚA ? A situação delas é delicada e a única solução possível é uma mudança radical na gestão, incluindo as áreas de compras e design. Se isso não for feito rapidamente, a General Motors, a Chrysler e a Ford irão falir.
Qual a sua avaliação sobre o Nano, o carro criado pela indiana Tata Motors?
Ao contrário do que dizem, não creio tratar-se de um projeto viável apenas nos países emergentes. Fiquei impressionado especialmente com o desenho deste veículo.
O sr. acredita que no futuro a indústria automotiva será controlada pelos chineses?
Pode ser. Mas eu ainda acredito na capacidade de as montadoras americanas darem a volta por cima. Basta que adotem mudanças em sua filosofia de gestão. Ao contrário da General Motors e da Ford, a Volkswagen e suas subsidiárias Skoda e Seat têm seu futuro assegurado.
Inúmeras companhias, inclusive de pequeno porte, estão tentando viabilizar o carro elétrico. 1Qual a sua opinião sobre essa tecnologia?
O carro elétrico representa o futuro. Nossos filhos não verão outra coisa nas ruas senão veículos elétricos. Trata-se de uma solução interessante para as crises cíclicas do petróleo e também para ajudar a reduzir o aquecimento global.
O sr. ainda acompanha o que acontece no setor automotivo brasileiro?
O Brasil mora no meu coração. Trabalhei por quatro anos no País, como executivo da Volkswagen, e aprendi a amar este país. Trata-se do melhor povo do mundo, que tem a sorte de viver no mais belo país do planeta. É claro que minhas atenções estão voltadas para a maior empresa do setor, que é a Volks.
E sobre a fábrica de caminhões e ônibus da Volkswagen que o sr. ajudou a montar, em Resende?
Como eu disse anteriormente, eu tenho uma ligação sentimental muito forte com o Brasil. A Volkswagen é como se fosse a minha mãe e a fábrica da Volkswagen em Resende é uma filha. Eu me sinto orgulhoso de ter sido o criador, em 1996, do consórcio modular, um conceito que até hoje permanece único no Brasil e no mundo
Como engenheiro, como o sr. analisa o trabalho de seus colegas brasileiros?
Trata-se de uma mão de obra que está entre as melhores do mundo. O time ideal de engenheiros seria aquele composto de profissionais vindos do Brasil, da Alemanha e da Espanha.
Que outros aspectos chamam sua atenção em relação ao Brasil?
As minhas melhores recordações do seu país se referem a dois aspectos: as pessoas, as me-lhores do mundo, e também as belezas naturais.
O sr. voltou ao Brasil desde sua última passagem, no final de 1999?
Infelizmente, não. Meu sonho é viajar pelo Brasil ou até mesmo me mudar para lá. Trata-se de uma nação apaixonante.
Seu antigo colega de Volkswagen, Miguel Jorge, se tornou ministro da Indústria e do Comércio. O sr. tem falado com ele?
Miguel era um dos mais próximos colaboradores que tive na época em que trabalhei na Volks. Ele é um profissional de ótimo nível e um grande homem.
O sr. ainda é lembrado como o executivo que teria roubado segredos da GM. Isso o incomoda?
Eu nunca tirei nada da GM, muito menos segredos industriais. Também nunca assinei nenhum acordo para encerrar o caso.
O que motivou o sr. a abrir uma consultoria?
Essa empresa foi criada em 1997, mas hoje estou afastado do dia a dia da companhia. Mas acompanho o negócio e vejo que meus sócios estão fazendo um grande trabalho.
Em que consiste a sua rotina, agora que o sr. está aposentado?
Eu trabalho apenas em minha casa, em Vizcaya, onde me dedico a mexer com a terra. A minha casa em Vizcaya tem um pomar composto de pés de laranja, maçã e pera. Estou muito feliz de trabalhar na atividade básica da humanidade que é a agricultura.
Quanto sua empresa, o Grupo López Arriortúa, gera de receita anual?
Obrigado por ter me procurado e lembre-se de que você trabalha no País mais lindo do mundo.