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A Argentina tem muito a aprender com o Brasil e com a gestão de Armínio Fraga

 

 

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“Falar em governo antibancos foi um ato estúpido de Duhalde”

 

 

DINHEIRO ? O governo de Duhalde tomou as decisões corretas para tirar o país da crise?
RICARDO HAUSMANN ? Na verdade, eu diria que o novo governo argentino falhou. Eles não conseguiram adotar um plano coerente. Ao abandonar a conversibilidade, seria preciso criar mecanismos para ancorar as expectativas de inflação. Esse mecanismo teria que ser uma política monetária com credibilidade, executada pelo Banco Central, como no Brasil. Agora, eles estão experimentando múltiplas taxas de câmbio, o que complica a criação de qualquer política monetária. É uma situação difícil tanto do ponto de vista econômico como político.

DINHEIRO ? Mas eles adotaram as suas idéias a respeito da pesificação da economia?
HAUSMANN ? No início, a pesificação foi feita apenas para empréstimos e não depósitos. Isso enfraqueceu drasticamente o sistema bancário. Com os bancos fracos, as pessoas não iriam querer deixar o dinheiro lá. Ao mesmo tempo, não seria possível descongelar os depósitos, porque a população correria para sacar seu dinheiro.

 

DINHEIRO ? Mas o ministro Jorge Lenicov agora anuncia que os depósitos também serão convertidos em pesos…
HAUSMANN ? Finalmente, eles caminharam na direção correta. Sem a pesificação dos depósitos, o dinheiro ficaria bloqueado muito mais tempo, talvez até 2003. Mas com o dinheiro convertido em pesos, mesmo valendo menos, as pessoas poderão sacá-lo mais rapidamente. Acho que as pessoas até preferem isso.
Dos males, o menor.

DINHEIRO ? A desvalorização vai reativar a economia?
HAUSMANN ? Eu acho que é um erro a Argentina fixar a taxa de câmbio. Não acredito que exista algum lugar em que um dólar esteja valendo um peso e 40, exceto o determinado pelo governo. A realidade está em outro nível. A Argentina precisa aprender
com a experiência brasileira, mexicana e chilena. Uma vez que a taxa de câmbio começou a flutuar, não se pode fixá-la. O exemplo brasileiro é muito bom. São países bem parecidos, com economias bem fechadas, histórias ruins de inflação e problemas de balanço de pagamento. A Argentina poderia tirar boas lições do que aconteceu no Brasil em 1999 e da forma como Armínio Fraga conduziu a desvalorização. Quando um sistema entra em colapso, é preciso criar um substituto, com regras sólidas. Foi o que Armínio fez. É isso o que falta hoje na Argentina.

DINHEIRO ? Hoje, a principal pressão vem do setor bancário. Como resolver o problema sem quebrar o sistema financeiro?
HAUSMANN ? A Argentina tinha o mais forte sistema bancário da América Latina. Era extremamente capitalizado, bem supervisionado e muito prudente. Na verdade, o capital dos bancos foi expropriado pelo governo. Primeiro, eles foram forçados a comprar papéis do governo, por conta da operação de troca que Domingo Cavallo organizou, e depois o próprio governo deu o calote. Depois, os bancos foram forçados a converter os empréstimos em pesos, mas não foi permitida a conversão dos depósitos ? só agora eles começaram a perceber o erro. Duhalde e o povo argentino precisam perceber que é fundamental ter um sistema bancário forte. Só assim os argentinos vão deixar o dinheiro em Buenos Aires. Caso contrário, não. Isso é fundamental para reativar a economia. Mas hoje, com o congelamento dos depósitos, não é possível recuperar a demanda e também não se pode aquecer a economia por meio de empréstimos. Duhalde precisa restabelecer um sistema bancário com credibilidade o mais cedo possível. E essa coisa que ele disse de que o seu governo seria ?antibancos? é uma das coisas mais estúpidas que um presidente disse na história da humanidade.

 

DINHEIRO ? Qual a saída?
HAUSMANN ? É impossível usar o dinheiro público, já que o governo está quebrado. O caminho para capitalizar os bancos é reduzir o valor dos depósitos na mesma proporção da desvalorização. É o que eles pretendem fazer agora.

DINHEIRO ? Mas isso é também extremamente impopular…
HAUSMANN ? Não tinha outro jeito. As pessoas estão preferindo a alternativa de ter seu dinheiro livre em pesos do que continuar a ter os depósitos congelados até 2003. Na minha tese original, os depósitos seriam convertidos em pesos e indexados à inflação, como o ministro Jorge Lenicov agora propõe. A população não perde o poder de compra. Na meia desvalorização de antes, os que tinham depósitos em dólares ficariam mais ricos. Ao mesmo tempo que aqueles que fizeram empréstimos em dólares ficaram mais pobres. A transferência de riqueza entre emprestadores e depositantes é inviável.

DINHEIRO ? O povo da Argentina terá que pagar a conta?
HAUSMANN ? Vão pagar pela realidade em que eles vivem.

DINHEIRO ? Duhalde não menciona em nenhum momento um aperto de política fiscal…
HAUSMANN ? Não há espaço para isso. O problema é um colapso na arrecadação de impostos por causa do congelamento dos depósitos. Em dezembro, depois do bloqueio, houve uma queda de 30% na arrecadação. Há uma completa e insustentável situação do plano fiscal. Acho que a Argentina deveria adotar uma política de não mais tomar emprestado de ninguém e de nenhum lugar. Eles deram uma moratória e não deveriam criar novas dívidas para o futuro.

DINHEIRO ? O Fundo Monetário Internacional deve ajudar a Argentina com novos recursos?
HAUSMANN ? Acho que a Argentina terá um programa do FMI, entre outras razões porque, sem isso, não conseguirá pagar o próprio FMI. A questão é saber se haverá recursos para gastar ou apenas para pagar o FMI. Isso vai depender da credibilidade do programa econômico. Mas não acho que os recursos do FMI sejam tão cruciais. Dinheiro do FMI com más políticas não funcionam.

DINHEIRO ? O FMI vai insistir novamente na política de déficit zero?
HAUSMANN ? Não acho que a ênfase do FMI será colocada na política fiscal. Mas não há alternativas para a Argentina. O país tem que manter uma política fiscal apertada porque não tem recursos. Eles têm que cortar despesas não porque o FMI quer, mas porque não têm dinheiro.

DINHEIRO ? Quanto tempo a Argentina vai demorar para recuperar a economia?
HAUSMANN ? Menos de um ano depois de adotarem políticas razoáveis, o que ainda não ocorreu. O mais importante é restabelecer a estabilidade monetária e financeira. Isso é fundamental para recuperar a economia. O regime cambial não
pode ser duplo, tem que ser único. Ou seja, uma verdadeira taxa
de câmbio flutuante. É preciso também ancorar expectativas para ter uma política monetária com credibilidade e um BC independente.

 

DINHEIRO ? Como o sr. avalia o presidente Duhalde?
HAUSMANN ? Ele é a única solução para a Argentina. E é preciso que ele funcione. É o quinto presidente em menos de dois meses. Duhalde foi escolhido até dezembro de 2003. É fundamental que ele consiga resolver a situação da Argentina. Todos têm de ajudá-lo. Ele é o presidente e é importante que ele cumpra seu mandato.

DINHEIRO ? A experiência argentina traz riscos de volta do populismo na América Latina?
HAUSMANN ? É muito cedo para dizer isso. Não gostaria de classificar as políticas de Duhalde como populistas. Mas acho que em um mês ou dois a realidade forçará o novo presidente a tomar certas decisões e escolhas, que vão mudar drasticamente a imagem dele perante a população. Duhalde será obrigado a abandonar qualquer intenção populista.

DINHEIRO ? Em 2001, o Brasil sofreu os impactos da crise argentina. O sr. acredita que hoje o mercado financeiro consegue diferenciar os dois países?
HAUSMANN ? As diferenças são enormes e a situação parece que é bem melhor agora. O Brasil terá um período difícil pela frente, em particular, com a instabilidade associada às eleições. Mas eu acho que os investidores internacionais estão extremamente positivos em relação ao Brasil. E é importante não desapontá-los.

DINHEIRO ? O fortalecimento do Mercosul poderia ajudar a Argentina a se recuperar?
HAUSMANN ? O Mercosul se tornou muito mais viável agora, porque os regimes monetários da Argentina e Brasil se tornaram mais compatíveis. É muito importante que a Argentina leve o Mercosul mais a sério. Também é preciso avançar para uma abertura entre o Mercosul e a Área de Livre Comércio das Américas. Não é hora para a Argentina se fechar com políticas protecionistas.

DINHEIRO ? E a moeda única? Faz sentido?
HAUSMANN ? Não acho que seja uma boa hora para se
pensar em uma moeda única no Mercosul. Tanto Brasil e Argentina precisam se tornar economias mais estáveis, antes de terem
moedas entrelaçadas. Senão seria um risco muito alto para as
duas economias.

DINHEIRO ? Quando era economista-chefe do BID, o sr. defendia o regime de conversibilidade. Por que mudou de idéia?
HAUSMANN ? Eu mudei de idéia quando percebi que a Argentina seria incapaz de restabelecer o acesso aos mercados financeiros internacionais. Quando eu defendia o regime de conversibilidade, eu nunca imaginei que um país como a Argentina perderia completamente o acesso aos mercados. Nos últimos tempos, acho que os mercados financeiros para os países emergentes não têm operado bem.

DINHEIRO ? O sr. foi o primeiro economista influente a propor a pesificação da economia argentina. Depois disso, uma série de analistas começou a reproduzir suas idéias. Ter sido o pioneiro lhe traz orgulho?
HAUSMANN ? Eu acho que era inevitável. Eles têm um sistema monetário em colapso. Ou seja, era uma coisa que ia acontecer de qualquer forma. Também não acho que tenha sido uma livre escolha. O ideal seria não se interferir nos contratos do setor privado. Se as pessoas decidiram depositar seu dinheiro em dólar e os bancos concordaram, o governo não deveria interferir. Isso só se faz em momentos de crise, e não em circunstâncias normais. Eu não gostaria de fazer um julgamento sobre o paciente que está na UTI. Ainda é prematuro chegar a um veredito. Eles ainda não
encontraram uma saída definitiva para o problema, mas estão
mais perto de uma solução.