Durante 13 anos, Valter Joaquim Caldini pagou religiosamente seu seguro de vida da Cosesp, Companhia de Seguros do Estado de São Paulo. Aos 66 anos, o aposentado da Cetesb se viu, de repente, excluído do plano. ?Não houve sequer uma tentativa de negociação?, indigna-se ele. ?Com a minha idade, não consigo ser aceito por nenhuma outra companhia.?Assim como Caldini, milhares de segurados estão sendo surpreendidos por uma nova regulamentação da Superintendência de Seguros Privados (Susep) ? Circular número 303 ?, válida a partir de junho deste ano. Ela acabou com a renovação automática dos seguros de vida, determinando que a vigência dos contratos seja de um ano, podendo ser renovado ou não pela companhia. Sob o eufemismo de ?readequação?, as seguradoras vêm seguindo à risca a determinação da Susep, livrando-se de todos os contratos que não lhes interessam mais. Quem optar pelos ?produtos novos e mais modernos? pode desembolsar até o triplo do valor da contribuição mensal paga anteriormente.

Em nota de esclarecimento sobre a nova regulamentação dos seguros de pessoas, a Susep alega que os planos de seguro de vida em grupo, elaborados até setembro de 2005, eram estruturados no regime financeiro de repartição simples ? ou seja, que os valores arrecadados pelo grupo não correspondiam à acumulação individual de cada segurado. Isso representaria, em tese, risco à saúde financeira da companhia. ?Em muitos planos, pessoas com 50 anos de idade pagavam como se tivessem 20?, afirma Paulo Piza, advogado do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro. ?As seguradoras perceberam que teriam um déficit grande pela frente e que, desse jeito, seria impossível continuar no negócio.? Mas por que, então, as empresas não previram esse gargalo? Piza explica que as condições econômicas dos anos de hiperinflação cobriam uma eventual defasagem no preço dos seguros. As seguradoras não precisavam se preocupar com esse detalhe, já que os recursos eram aplicados no overnight. Hoje, além da estabilidade econômica, as seguradoras têm se deparado com o envelhecimento da população. É por isso que, para permanecerem em atividade no mercado, as companhias de seguro precisam se adaptar aos novos tempos.

Os órgãos de defesa do consumidor têm um entendimento bem diferente em relação à questão. Para eles, a regulamentação da Susep deixou o segurado à mercê das companhias. ?As seguradoras estão promovendo uma migração forçada dos consumidores que detinham antigos seguros de vida para os novos produtos, e quem está sendo mais prejudicado nessa história são os idosos?, afirma Marli Aparecida Sampaio, diretora executiva da Fundação Procon-SP. ?As normas impostas pela Susep ferem o direito adquirido, promovendo, na prática, uma quebra de contrato.? Depois de esgotadas as tentativas de negociação com as seguradoras, o Procon-SP e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) ajuizaram, no último dia 18, ação civil pública pedindo a anulação dos normativos da Susep.
As seguradoras se atêm à circular da Susep para comprovar a legalidade das novas exigências impostas aos segurados. ?Não existe direito adquirido, uma vez que os contratos sempre tiveram validade de um ano?, justifica Piza, do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro. ?A diferença é que, agora, eles não poderão ser mais renovados automaticamente, como prevê o novo Código Civil.? Para o Procon, está havendo uma interpretação equivocada do artigo 774 do Código Civil. ?Uma coisa é proibir a renovação automática do seguro de um veículo, por exemplo, que pode sofrer depreciação com o tempo? observa Marli. ?A vida de uma pessoa não deixa de valer mais ou menos.? A advogada Regina Pinto Vendeiro lembra, ainda, que as seguradoras estão ferindo o Estatuto do Idoso, discriminando os segurados em função de sua idade.

Antes mesmo que as causas sejam julgadas, Regina tem conseguido tutelas para que os segurados permaneçam com os antigos planos. Para quem está passando por esse problema e ainda não ingressou na Justiça, a recomendação é continuar pagando as mensalidades do seguro, ainda que em juízo. Caso as sentenças não sejam favoráveis aos segurados, resta a eles morrer em tempo hábil.