24/02/2005 - 7:00
Números costumam ser gelados, e nem sempre descem redondos. Aos 28 anos de idade, o empresário Adriano Schincariol acaba de inverter essas máximas. À frente da cervejaria da família, ele está extraindo resultados efervescentes dos freezers e, sem ironia, jura que considera doce a bebida de sabor amargo. Não é para menos. Depois de ganhar mercado em razão de uma agressiva ? e milionária ? campanha de marketing, a Nova Schin, carro-chefe da empresa, consolidou-se no topo das grandes. Nesta sexta-feira 25, a companhia inaugura sua sétima fábrica própria, em Igrejinha, no Rio Grande do Sul. Até o final do ano, com unidades novas no Mato Grosso do Sul e no Pará, estará plantada em nove endereços estratégicos, capazes de produzir 3 bilhões de litros de cerveja por ano. Com esta máquina, a empresa se sente pronta a ameaçar a rival AmBev na ultrapassagem em vendas sobre as marcas Antarctica e Brahma. Não há indícios de blefe neste repto. A Schin reverteu um prejuízo de R$ 12,2 milhões em 2003 para um saldo positivo de R$ 82,9 milhões em 2004. O faturamento pulou de R$ 1,61 bilhão para R$ 2,54 bilhões. As vendas das cervejas da empresa — Primus e Glacial, além da Nova Schin — cresceram 84,8%. ?Estamos em ascensão e não vamos parar tão cedo?, diz Adriano.
Num investimento que revela as ambições da companhia, os recursos na instalação de novas fábricas cresceram 443%, chegando a R$ 294,4 milhões. Todo esse movimento gerou o recolhimento de R$ 1,16 bilhão em impostos. Apoiados num minucioso estudo fiscal, executivos da Schin procuraram a Receita Federal e o Ministério da Fazenda para mostrar que, da maneira como é feita hoje, a tributação alivia quem cobra mais do consumidor, pune as marcas de preço médio e estimula a sonegação entre as mais baratas. Eles defendem a cobrança de valores fixos diferenciados por classe de produto, como acontece com os cigarros. Hoje, entre IPI, Cofins e PIS a marca Nova Schin recolhe à União 46,93% do total de suas vendas, enquanto, pelo mesmo estudo, a Brahma e a Skol pagam 34,53% e a Antarctica, 36,19%. Elas praticam preços mais altos e se beneficiam do sistema de cobrança por valor fixo sobre cada unidade. O estudo da Schin assegura que a União está perdendo mais de R$ 1 bilhão por ano com o sistema — e que a AmBev economiza esse mesmo bilhão.
Taxas à parte, o crescimento da Schincariol já desperta sede no mercado internacional. Representantes de bancos de investimento procuraram o líder da empresa com propostas de formação de joint-ventures e parcerias com grupos estrangeiros. Em vão. Outra questão fechada dentro do grupo é a de não abrir o capital na bolsa de valores. Seus executivos consideram que o fluxo de caixa é suficiente para fazer frente a novos investimentos e, também, ao pagamento de dívidas já contratadas. Na concorrente AmBev vigora um cálculo semelhante. A holding Inbev lançou na semana passada uma oferta pública para a compra de ações em poder do mercado. O gesto visa o fechamento de seu capital no Brasil e tornar a companhia, em defi-nitivo, uma multinacional belga.
Na Schin com 100% de capital nacional, a gigante AmBev vai sendo cutucada em vários lados. Em dezembro, a empresa de Itu lançou a long neck NS 2, com sabor de tequila. Com preço mais alto, de R$ 3 em média, foi direcionada para casas noturnas. O resultado surpreendeu à maior, a ponto de a Schincariol precisar importar às pressas o triplo da quantidade de garrafas que havia calculado inicialmente. A AmBev retrucou. ?Cerveja não se mistura?, prega a peça publicitária na tevê. O pessoal da Schin desdenha. ?Eles sabem que temos um sucesso na mão. Nós é que não sabemos como eles virão nos enfrentar depois de ironizar o nosso produto?, diverte-se o diretor José Rosan.
Do portão para dentro, a companhia profissionalizou seus quadros diretivos, mas ainda mantém costumes do tempo em que o chefe era o falecido Nelson Schincariol. Em todas as fábricas, o contigente de 6,7 mil funcionários almoça todos os dias pelo preço de um centavo por mês. Os parceiros de mercado parecem satisfeitos. ?A Schin promove quem trabalha direito?, diz Barreto Góes, presidente da Associação dos Distribuidores Schincariol no Nordeste. Ali, a marca Nova Schin ocupa a liderança do mercado em praças como Salvador e Recife. Em abril, os distribuidores nordestinos se reunirão em Aracaju para unificar seus planos. Durante o encontro do ano passado, que atraiu os fornecedores, eles compraram em conjunto 80 caminhões e 400 motocicletas para ampliar seus negócios. ?Se lideramos no Nordeste, por que não podemos chegar ao primeiro lugar no Brasil??, pergunta o publicitário Eduardo Fischer, pai da campanha ?Experimenta?, que abriu o mercado jovem ao produto. Sinal de crescimento em áreas antes fechadas, 500 mil latas de Nova Schin foram vendidas no sambódromo do Rio de Janeiro, no Carnaval.
Nos bastidores do negócio, o criador da fórmula da Nova Schin tem cabelos brancos, 56 anos e, alemão de nascimento, forte sotaque germânico. É o mestre cervejeiro Peter Ehrhardt, um dos mais respeitados em ação no País. Fã de cerveja mais escura, corpo denso, sabor amargo e servida a 8 graus de temperatura, criou um produto translúcido, leve, quase adocicado e para ser servido próximo a zero grau. ?Obedeci as pesquisas?, justifica. ?Se fizesse uma cerveja para o meu gosto, teria um fracasso de vendas?. Mas o mestre Ehrhardt não sofre. Cada fábrica da Schincariol tem dois mestres cervejeiros. A diversão deles é criar fórmulas únicas para ficarem trocando experiências entre si. Quando uma dessas cervejas empolga, começa a pressão interna sobre o chefe Adriano para elevar o produto à escala industrial. ?Temos novas cartas para baixar?, garante o mestre alemão. É melhor acreditar. Afinal, quem apostou que a Nova Schin era apenas um sonho de verão, já perdeu.
?A AMBEV É DESLEAL COM O MERCADO?
DINHEIRO ? Muitas brigas no mercado?
Adriano Schincariol ? Infelizmente, sim. Há muita deslealdade. A AmBev continua forçando vendas casadas, coagindo revendedores e até oferecendo dinheiro para que nosso produto fique fora de bares. Estamos tomando as providências jurídicas. A mim não interessa mais saber quem é ou não é o número um. O que me interessa são vendas e faturamento. E isso tudo, aqui, está em ascensão.
Em que números em que o sr. acredita?
A Nova Schin deve ter, neste momento, 16% do mercado nacional. Isso é muito próximo da Antarctica e da Brahma. Acho perfeitamente possível passar as duas este ano ou no próximo, e ficar atrás apenas da Skol.
Qual é o problema na tributação do setor de cervejas?
Ele é desigual. Com um valor fixo, sem considerar a classificação do produto, quem cobra mais caro do consumidor paga menos imposto. Temos provas de que, com este sistema, o governo perde 1 bilhão de reais por ano em arrecadação. E a AmBev, na mesma medida, economiza esse bilhão de reais.