19/02/2009 - 7:00
AO LONGO DE SÉCULOS, A ARTE recebeu um estímulo determinante do poder econômico. Em muitos momentos da história, ela dependeu dele. Foi assim em Florença, Itália, na época dos Médici. Foi assim no Brasil, com a iniciativa de Assis Chateaubriand em criar o Museu de Arte de São Paulo e dotá-lo com o principal acervo de arte da América Latina. E continua sendo assim. Desde a última quinta-feira 12 e até 5 de abril, os paulistanos podem conhecer um exemplo desse casamento entre arte e mundo corporativo. A exposição Latitudes: Mestres Latino-americanos, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, apresenta 41 pinturas da Coleção Femsa, um acervo de mais mil obras de arte pertencentes, como diz o nome, à mexicana Femsa, a maior engarrafadora de Coca-Cola do mundo. Com sede em Monterrey, no México, a Coleção é um museu mantido pela empresa e aberto ao público, inteiramente voltado para a produção latino-americana das mais variadas vertentes das artes plásticas: pinturas, esculturas, fotografias, desenho, entre outras.
TRAÇO INCONFUNDÍVEL: na tela Santa Rosa de Lima, o colombiano Fernando Botero mistura a temática religiosa com sua marca registrada, os gordinhos
O acervo começou a ser formado em meados da década de 70, quando uma crise colocou em risco a sobrevivência de diversos museus mexicanos. Para evitar que as obras deixassem o país, adquiridas por investidores e colecionadores estrangeiros, a Femsa passou a comprá-las. Era o embrião de uma política de apoio à arte que se mantém até hoje, com frequentes aquisições da produção de artistas de 17 países do continente latino-americano. De tempos em tempos, parte desse conjunto é transformada em exposições específicas que correm diversos países do continente. Com Latitudes: Mestres Latino-americanos, o Brasil entre pela primeira vez nesse circuito. Trata-se de um breve painel das mais variadas vertentes da pintura latino-americana das últimas décadas. Ali, é possível, por exemplo, identificar influências do cubismo nos artistas da região e a tímida presença do surrealismo por aqui. Assim, os visitantes têm oportunidade de ver obras como El Grande de España, do mexicano Diego Rivera, que fez fama com seus imensos murais de temática social e sua militância política pelo comunismo. Ao lado está Vestido Cuelga Aqui, de Frida Kahlo, a pintora mexicana que viveu com Rivera e se tornou mais conhecida no Brasil devido ao filme Frida, estrelado por Salma Hayek, do que por sua produção artística. O quadro possui traços surrealistas, embora ela renegasse esse tipo de rótulo. Os brasileiros estão representados por dois artistas da segunda metade do século 20, o gaúcho Iberê Camargo e o paulista Arcangelo Ianelli. Os quadros que ilustram esta reportagem fazem parte da mostra Latitudes.
A exposição reservará espaço para atividades educacionais, como visitas guiadas para grupos previamente agendados e oficinas de pintura, escultura, vídeo, literatura, teoria literária, entre outras. “O principal objetivo das exposições da Femsa é a educação”, afirma Paulo Macedo, diretor de relações externas da Femsa Mercosul. “Por isso, incentivamos escolas a organizarem visitas à exposição e investimos para que o acesso fosse gratuito.” Trata-se de um modelo de apoio à arte pouco utilizado no Brasil. Por aqui, grandes organizações empresariais, como o Banco Itaú e a BM&FBovespa, montaram ao longo de anos preciosos acervos artísticos com ênfase na produção brasileira. No entanto, essas obras raramente vêm a público e sua principal função é decorar salas de diretores dessas empresas. Em alguns casos, os interessados só têm acesso a essas coleções por intermédio de livros editados por essas instituições. Nos EUA, por exemplo, é relativamente comum que grandes empresários criem museus com suas coleções particulares, como a Frick Collection, de Nova York, fundado pelo magnata da siderurgia Henry Clay Frick. Grandes museus, a exemplo do Metropolitan, também de Nova York, possuem alas exclusivas para os acervos montados por homens de negócios e doados para a instituição. O México, talvez em função de sua proximidade com os EUA, parece ter começado a incorporar esse espírito. Lá, além da Coleção Femsa, o bilionário Carlos Slim, dono do grupo telefônico Telmex, mantém o Museo Soumaya (nome de sua esposa), um impressionante acervo de arte moderna de todo o mundo.
SANTÍSSIMA TRINDADE: ao lado de Siqueiros e Rivera, Jose Clemente Orozco, autor de El Alanceado, foi um dos protagonistas do muralismo mexicano