Cédric Grolet, o enfant terrible da pâtisserie francesa, entra na table du chef, uma pequena sala privada, dona de uma vista privilegiada para a cozinha do hotel Le Meurice, com um prato na mão. Ele traz uma de suas principais criações: uma sobremesa batizada de “Le Citron”. Em qualquer outro lugar, a apresentação de um doce seria um ato corriqueiro, nada de mais. No Le Meurice, sobretudo no caso de Grolet, é como se um artista estivesse revelando sua obra-prima em uma avant première exclusiva. E o Le Citron faz jus à fama.

O chef patissier de 30 anos demorou mais de seis meses pesquisando e desenvolvendo uma iguaria que salta aos olhos e desperta uma explosão de sensações ao paladar. Ele conseguiu reproduzir a imagem de um limão só que a casca nada mais é do que chocolate branco e o seu interior é uma combinação de mousse, geleia, raspas de limão e algumas sementes da fruta. O exemplo do trabalho de Grolet, um obcecado pelos detalhes, é apenas um dentre tantos outros que surgem ao olhos de quem se hospeda em um dos hotéis da rede Dorchester Collection.

Com apenas dez unidades espalhadas em Paris, Milão, Genebra, Londres e Estados Unidos, a pequena cadeia, que ostenta marcas como Plaza Athénée, Le Meurice, Principe di Savoia, 45 Park Lane, entre outros, é o símbolo máximo do savoir faire, da arte de hospedar. “Damos muita atenção aos detalhes”, diz François Delahaye, chief operating officer (COO) do grupo. O homem que comanda a qualidade de todos os hotéis da rede Dorchester parece repetir a máxima do arquiteto alemão Mies van der Rohe (1886-1969), o mestre da Bauhaus, que costumava dizer que “Deus está nos detalhes”.

Por menores que pareçam, são eles que fazem a diferença entre um hotel cinco-estrelas e um hotel que dispensa apresentação. O Le Meurice e o Plata Athénée se encaixam nessa segunda categoria. Fundado em 1815, o Le Meurice se adapta perfeitamente ao termo cunhado para designar os principais berços do bem-viver de Paris. Chamado de hotel-palácio, com diárias entre 800 euros e 18 mil euros, ele já serviu de hospedagem para as grandes dinastias do globo – vão da rainha Victoria, que esteve por lá em 1855, passando pelo ícone da música clássica Peter Tchaikovsky, o presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt, e por um dos mais célebres hóspedes, o artista surrealista Salvador Dalí.

O pintor espanhol, aliás, era um contumaz cliente. Conhecido pelos funcionários, passava longas temporadas no hotel pousado na Rue du Rivoli 228, em frente ao Jardin des Tuileries e a poucos passos da Place Vendôme. O que ele buscava era a excelência em seu estado mais sublime. Não é à toa que um de seus restaurantes leva o nome do mestre do surrealismo. O Le Dalí foi recentemente repaginado por Ara Starck, filha do designer francês Philippe Starck, e traz elementos que lembram a arte de Dalí.

O teto, por exemplo, é decorado com um tapete que dá a impressão de distorcer a realidade. É ali que as refeições mais frugais são realizadas. Logo ao lado, encontra-se o restaurante Le Meurice Alain Ducasse, duas estrelas no guia Michelin. Inspirado no Salon de la Paix, do Chateau de Versailles, o restaurante é o representante da tradição francesa em todos os sentidos: arquitetura, gastronomia e serviço. Um menu degustação, com cinco pratos harmonizados com vinho, sai por cerca de 700 euros. Toda a decoração, dos restaurantes, do bar e dos quartos, remonta ao século XVIII.

Os mais de 400 funcionários, que atendem 160 quartos, trabalham para que o hóspede não precise sequer levantar o dedo. Basta um olhar e já há alguém ao seu lado pronto para servi-lo. Os quartos, com vista para o Jardin des Tuileries, sempre climatizados e arrumados. Nada fora do lugar. O banheiro é um capítulo a parte. Com luz natural, eles são todos revestidos de mármore italiano arabescato. O ruído das ruas, por mais que insista, não consegue atravessar as janelas das suítes. Se estivesse vivo, o escritor Mark Twain (1835-1910) teria tranquilidade para escrever um de seus livros em um quarto de alguns dos hotéis da rede Dorchester. Não é exagero.

Twain dedicava a um bom quarto de hotel o mesmo carinho com que cuidava de sua própria casa, e afirmava que somente em um bom quarto de hotel tinha calma para escrever. Parafraseava São Francisco de Assis com frequência. Dizia que “todos os santos podem fazer milagres, mas poucos podem manter um hotel em ordem”. O Plaza Athénée, mais conhecido como o “Plazá”, é um dos que consegue manter a aura de sofisticação há mais de um século, faz milagres todos os dias. Localizado na Avenue Montaigne 25, com diárias que variam entre 990 euros e 28 mil euros, ele é o representante de um luxo clássico, mas constantemente renovado.

E, literalmente, exala um aroma de charme e de estilo com um perfume sentido em todos os seus ambientes. Bem próximo da torre Eiffel – as janelas dos quartos parecem molduras para a vista – o Plaza é a casa do mundo fashion. Nas temporadas de alta costura da capital francesa, o hotel vira a morada de top models e designers das principais Maisons que buscam o conforto da casa conhecida por oferecer até um menu de travesseiros. A ligação com a moda é antiga. Em 1947, o estilista Christian Dior estabeleceu sua Maison bem ao lado do Plaza Athénée e costumava usar as dependências do hotel para expor suas criações.

Hoje, as referências a Dior estão espalhadas em todos os cantos do hotel – desde croquis de vestidos emoldurados até cartas do estilista. Mas o maior símbolo da ligação de Dior com o Plaza Athénée é representado pelo spa do hotel. O Dior Instut conta com seis salas de tratamento e foi inspirado em Christian Dior. Outro representante do luxo francês também onipresente em todos os hotéis da Dorchester Collection é o chef de cozinha Alain Ducasse, dono de um império gastronômico de 22 restaurantes espalhados pelo mundo, que movimentam 150 milhões de euros por ano, e de uma portentosa coleção de 19 estrelas do Guia Michelin.

O hóspede que chega ao hotel costuma receber uma garrafa de champanhe assinada pelo chef e também uma caixa com um chocolate que traz a imagem de seu signo do zodíaco. Cada hotel do grupo tem uma identidade única. “O Dorchester criou um portfólio de ícones”, diz Carlos Ferreirinha, diretor da MCF Consultoria & Conhecimento. “Isso é raríssimo.” O Plaza, diferente do Le Meurice, busca se descolar do estilo clássico para também arrebatar a preferência do público mais jovem. Para isso, recentemente mudou a cara do concorrido Le Bar.

Convocou os designers Patrick Jouin e Sanjit Manku para criar um estilo contemporâneo com uma decoração que mescla cores e tons sóbrios, móveis vintage com peças modernas. Até o copo foi inspirado nos modelos da rede americana de cafeterias Starbucks. Cada drink vem com uma tampa comestível de marshmallow com o nome da pessoa que pediu. Quem prefere as preciosidades francesas das regiões de Bordeaux, Borgonha e Champagne não tem do que reclamar. A adega é um paraíso para os amantes de Baco. São 35 mil garrafas, entre elas relíquias como um Romanée Conti 1989 de 30 mil euros.

Com 570 funcionários para atender 208 quartos, o Plaza consegue oferecer um serviço de excelência e, mesmo durante as crises econômicas e as baixas do setor, não reduz o número de pessoas prontas para mimar os clientes. Os brasileiros, por exemplo, representam 12% do total de hóspedes. “É um público muito importante para nós”, diz Delahaye, do grupo Dorchester. Mas a ocupação caiu desde que atentados passaram a aterrorizar a França. “Perdemos 25% dos nossos negócios por conta disso”, diz Delahaye.

A favor do grupo, cujo faturamento anual é estimado em 300 milhões de libras esterlinas (US$ 390 milhões), conta com um investidor de peso, que não precisa recorrer a capital no mercado para manter o serviço em alto nível. O controlador do Dorchester Collection é o sultão de Brunei, dono de uma das maiores fortunas do planeta, com mais de US$ 30 bilhões em investimentos ao redor do globo. Ele, ao que parece, também liga para os detalhes e não mede esforços – e muito menos dinheiro – para manter seus hotéis no topo.