Nos últimos anos, a aviação comercial brasileira viveu entre dois extremos. No lado positivo, o cenário foi de céu de brigadeiro, marcado por um crescimento a taxas de dois dígitos por mais de cinco anos. No sentido oposto, passou a enfrentar turbulências com a alta do dólar – que pressionou os custos operacionais, especialmente os combustíveis e os investimentos na renovação de frota. Mesmo diante desse sobe-e-desce, a Azul Linhas Aéreas, fundada pelo brasileiro-americano David Neeleman, conseguiu cruzar as adversidades sem maiores percalços. Sua participação no mercado doméstico decolou de 7,36%, em 2006, para 17% no ano passado, graças, em boa parte, à incorporação da Trip, adquirida em 2012. Em volume de passageiros transportados, o aumento foi de 15% em 2013, mais do que o dobro de um mercado que cresceu pouco mais de 6%. O cenário de forte expansão, no entanto, ficou para trás, segundo o presidente-executivo da holding Azul, José Mário Caprioli. Segundo ele, a empresa não desistiu de abrir o capital e pode fazê-lo até nos Estados Unidos. “Ainda não definimos isso”, diz o executivo. Leia, a seguir, sua entrevista:


DINHEIRO – Quais serão os maiores desafios da Azul em um período de tantas incertezas na aviação comercial brasileira?

JOSÉ MÁRIO CAPRIOLI – Temos desafios institucionais importantes no mercado, principalmente neste ano, com a Copa do Mundo. Teremos muitos itens na infraestrutura que vão exigir uma atenção mais concentrada da companhia. Os terminais em que atuamos, por exemplo, estão passando por reformas. Viracopos, em Campinas, que é o nosso maior hub, vai ser entregue um mês antes da abertura da Copa. Temos de criar um plano estratégico em conjunto com as autoridades para atender os passageiros da melhor forma. Tenho certeza de que nesse novo desenho melhoraremos a eficácia da companhia de uma maneira mais compatível com a estatura que conquistamos. 

 

DINHEIRO – A atuação da Azul será política, então?

CAPRIOLI – Vamos pensar um pouco mais no micro, não só no macro. A ideia é que seja uma atuação que passará pelo governo e também pela Abear, a associação do nosso setor, porque há uma agenda convergente. O governo e a Abear estão sempre dialogando para planejar o transporte aéreo no País. Temos o Plano de Aviação Regional que ainda não decolou. Trata-se de um projeto fundamental para o setor e essencial para a Azul, que tem seu planejamento estratégico focado nos aeroportos menores. O plano prevê investimentos para melhorar a infraestrutura de 270 aeroportos. Queremos ter uma participação importante nesse projeto. São terminais em cidades que passam por nosso radar. Há também uma expectativa de reduzir as tarifas aeroportuárias em aeroportos do interior. Isso vai incentivar ainda mais a aviação regional. Além disso, há a ampliação da concorrência em Congonhas, em São Paulo, hoje um dos maiores aeroportos do País, onde temos uma atuação ainda muito tímida. 

 

DINHEIRO – Como será a atuação da Azul no Plano de Aviação Regional? A empresa poderá atuar como operadora?

CAPRIOLI – Não, não é essa a ideia. Até porque, como companhia aérea, não podemos também operar aeroportos. Há conflito de interesses.

 

DINHEIRO – Mas o fundador da companhia, David Neeleman, já informou a intenção de participar dessas concessões… 

CAPRIOLI – Sim, mas não como empresa aérea. Essa decisão pode ser como sócio de outra companhia, mas não como Azul. É importante ter um interlocutor nesse momento justamente para isso: analisar todo o projeto e ver qual é a melhor maneira de cooperar. No caso da Azul, a atuação mais importante é justamente começando a operar nesses aeroportos. Nosso plano estratégico passa mais fortemente pela aviação regional. E ter regras mais claras e infraestrutura adequada é importante para o nosso crescimento. 

 

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Movimentação de passageiros no aeroporto de Viracopos

 

DINHEIRO – O País passou por um período de crescimento chinês na aviação comercial, com taxas de dois dígitos por pelo menos cinco anos seguidos. Agora, parece que há uma acomodação. Como o sr. avalia esse sobe-e-desce?

CAPRIOLI – O Brasil tem suas peculiaridades. Ainda temos, como parte da indústria, desafios importantes, principalmente em relação ao câmbio. O combustível é cotado pela moeda americana. É um custo que impacta demais o caixa das companhias. Em uma empresa aérea, esse item equivale a 40% das despesas operacionais. Por conta disso, elas tiveram de se ajustar diminuindo, muitas vezes, a oferta. Ocorreu o que chamamos de uma calibração do mercado, um ajuste entre a oferta e a demanda. O fato é que a aviação brasileira, a partir de agora, não crescerá como antes. Retornaremos ao um curso normal de expansão, com o aumento da demanda em torno de duas a três vezes o PIB, algo comum em quase todos os países. 

 

DINHEIRO – Neste ano, mesmo com a Copa, o mercado terá um crescimento fraco? 

CAPRIOLI – Não sabemos ainda quanto o câmbio vai impactar nos custos das companhias neste ano. A Copa vai trazer uma demanda de tráfego intensa, sim. Mas os ajustes que teremos de fazer também serão importantes. O maior legado da Copa não será o volume de passageiros, mas a infraestrutura que se criará para o evento. Isso, sim, pode impactar positivamente a nossa atividade. Afinal, vai melhorar a nossa operação no decorrer dos anos e os passageiros serão mais bem atendidos. Esse é o legado que vai ficar com a Copa, não a busca por market share a qualquer custo, como vimos há alguns anos no setor. Por ter certeza de que não veremos aviões operando em rotas não lucrativas ou em horários pouco procurados.

 

DINHEIRO – A decisão de limitar o preço das passagens a R$ 999 na Copa não compromete os resultados deste ano?

CAPRIOLI – Não. Tomamos essa decisão para estimular a demanda de passageiros, proporcionando aos brasileiros, um povo tão apaixonado por futebol, a oportunidade de participar das competições esportivas no País. Por esse motivo, ficamos duplamente felizes, pois muitos irão se beneficiar com essa ação.

 

DINHEIRO – Mas o faturamento tende a ser menor, certo?

CAPRIOLI – A companhia está muito bem. Esperamos um crescimento de cerca de 15% no volume de passageiros, mas não fechamos os dados ainda. É o primeiro ano que operamos com as duas companhias, a Azul e a Trip, depois da fusão, em maio de 2012. Amplia­mos a nossa capilaridade, o que garantiu um crescimento expressivo à Azul. Mas nem por isso deixamos o passageiro de lado. Se­­gundo uma pesquisa da Agência Nacio­nal de Aviação Civil, fomos a empresa com o melhor índice de satisfação do cliente. Estamos em mais de 100 aeroportos, com cerca de 900 voos diários.

 

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Obras de modernização e ampliação dos aeroportos, previstas para serem concluídas

antes da Copa do Mundo

 

DINHEIRO – O que mudou depois da fusão?

CAPRIOLI – A fusão com a Trip levou a Azul a mudar um pouco o seu foco. Nosso planejamento estratégico é operar rotas para cidades de pequeno e médio porte. Estamos inaugurando uma frequência para Araraquara, no interior de São Paulo, e Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul. Como parte dessa estratégia, está em estudo a entrada em mais duas cidades. O plano é operarmos uma rota para essas cidades diretamente de Campinas e de lá distribuir os voos para todo o Brasil. 

 

DINHEIRO – Qual é a taxa de ocupação média da companhia?

CAPRIOLI – Nossas aeronaves voam com uma taxa de ocupação entre 80% e 82%. A média do mercado é de 75%. Temos uma operação bem ajustada com a nossa demanda. Nossa frota é dimensionada para essa operação. No geral, não temos rotas em que nossos aviões voam vazios, porque trabalhamos com a perspectiva de taxas de ocupação altas. Temos uma frota de 130 aviões, entre jatos da Embraer e turbo-hélices da ATR.

 

DINHEIRO – Para uma operação que tende a crescer com a entrada em pequenas e médias cidades, qual é o plano de expansão de frota?

CAPRIOLI – Não divulgamos o nosso plano de frota, mas posso adiantar que vamos trocar os aviões menores por aeronaves maiores. Vamos passar dos Embraer 175 para os Embraer 195 e dos ATR 42 para os ATR 72. Isso vai melhorar a eficiência da nossa operação, além de reduzir os custos com a manutenção. 

 

DINHEIRO – Quantos aviões se enquadram nesse padrão, na frota atual? 

CAPRIOLI – Nós temos nove ATR 42, que transportam até 50 passageiros, e cinco E175, com capacidade para até 90 pessoas. Ao longo de 2014 vamos devolver esses aviões, receber as novas aeronaves e padronizar a nossa frota. 

 

DINHEIRO – E os planos para iniciar voos internacionais? A Azul postergou esse projeto?

CAPRIOLI – Temos equipamentos para realizar voos para a América do Sul, mas não é o foco da companhia. Vamos crescer no Brasil primeiro. Há ainda 104 cidades no País que têm demanda para atender ao planejamento estratégico da companhia. Voar para o Exterior ficou em segundo plano, mas não está fora do nosso radar, não é nossa prioridade agora. 

 

DINHEIRO – No ano passado, a Azul teve seu pedido de abertura de capital na Bovespa negado pela CVM. A estreia na bolsa foi cancelada?

CAPRIOLI – A empresa está pronta para a abertura de capital. Continuamos com essa agenda, mas quem vai ditar o andamento do processo é o mercado. Hoje, a situação não é favorável a esse movimento. Talvez, ainda neste ano, isso possa voltar à pauta. Até porque esperamos um crescimento do PIB entre 2% e 3% em 2014 e melhora no ambiente macroeconômico. Tudo vai depender do mercado. 

 

DINHEIRO – Diante da negativa da CVM, existe a possibilidade de a Azul abrir capital na Nyse, a bolsa de Nova York?

CAPRIOLI – É uma opção, mas ainda não definimos isso. Estamos acompanhando de perto o mercado de capitais para determinar qual é o melhor momento.