20/11/2002 - 8:00
Lou Gerstner entrou na IBM pelas portas dos fundos. O ano era 1993 e a maior fabricante de computadores do planeta estava afundada em uma crise sem precedentes. Encabeçando a lista de elefantes em vias de extinção, vítima de seu exagerado tamanho e pouca mobilidade, a companhia tinha que cortar 73 mil empregos para estancar uma sangria de US$ 8 bilhões. Gerstner, então executivo do setor de biscoitos, parecia ter sido convocado para acabar de vez com o sofrimento. Teria que dar o tiro final de uma estratégia que já estava em curso, dissolvendo a corporação em uma dezena de unidades de negócios. Cem dias depois, o executivo surge quixotesco. E anuncia as linhas da nova administração: reduzir a dependência em computadores, focar em corte de preços e, mais importante, manter a gigante ainda mais unida. Quase dez anos se passaram. E Gerstner deixa a IBM no final deste ano pelas portas da frente. Festejado no hall dos maiores executivos do planeta, ao lado de Lee Iacocca, Donald Trump e Jack Welch, Gerstner está prestes a se transformar também em um best-seller. Na última terça-feira, essas e outras histórias da saga de um engenheiro discreto no comando da Big Blue foram publicadas. Who Says Elephants Can’t Dance? ? Inside IBM’s Historic Turnaround (Quem disse que os elefantes não podem dançar? Por dentro da virada histórica da IBM) é uma espécie de prestação de contas que ele resolveu fazer aos amigos, críticos e funcionários. Mais do que isso. Em 324 páginas, oferece um manual prático de lições que aprendeu no comando da companhia. ?E que poderiam ser aplicadas para qualquer empresa de qualquer setor?, diz o executivo.
O que costura os capítulos da obra é a estratégia de salvação da IBM. O trabalho número um, afirma Gerstner, foi criar uma estratégia para manter a corporação intacta e começar a implementá-la no dia seguinte. ?Percebi que o problema não era falta de estratégia, mas como fazer para que as pessoas se engajassem?, comenta. Na prática, ele descobriu também que uma cultura enraizada é contrária a mudanças. Os problemas começaram a aparecer cedo. Por exemplo, quando decidiu reduzir a independência das filiais e fazer com que todos os executivos respondessem mais aos negócios globais que aos seus próprios mercados. Grande parte dessa história já foi contada. Inédito, no entanto, são algumas passagens da trajetória deste executivo. Um dos quatro filhos de uma família católica, Gerstner conta com orgulho como os pais refinanciavam a casa da família, a cada quatro anos, para poder continuar pagando a escola das crianças. Lembra também o primeiro dia de trabalho na IBM. Um motorista da empresa foi buscá-lo em casa. Quando subiu no veículo, ele percebeu que alguém já estava sentado no banco traseiro. Era Thomas Watson Junior, filho do fundador da IBM. ?Ele disse que eu deveria virar a empresa de ponta-cabeça?, revela.
Mas não espere um livro inocente. Em muitos momentos, Gerstner ? que abocanhou US$ 4 milhões para escrever a obra e promete doar esta soma a instituições de caridade ? joga lama na indústria que trabalhou nos últimos dez anos. Ele ainda garante ficar chocado com a forma de se fazer negócios: ?Se tivesse contado neste livro um décimo do que ouvi de executivos, meus advogados estariam loucos tendo que armar minha defesa.? Em um capítulo específico do livro, ele distila veneno contra Wall Street e faz uma sentença de morte. ?A Microsoft é a empresa mais vulnerável do momento. É a IBM no começo dos anos 90?, ataca. Isso porque, segundo ele, a era da internet tem os dias contados. A lavagem de roupa suja pára por aí. Mas a rica experiência à frente da IBM acaba sendo melhor que um livro de fofocas.