10/05/2006 - 7:00
Adolf Hitler era um esteta. Pintava aquarelas, comovia-se com a música clássica, esboçava edifícios que seus arquitetos, depois, aperfeiçoavam. Mas Adolf Hitler era também um verdugo sinistro que mandou executar doentes e socialistas, que ordenou a morte de ciganos e judeus, mulheres e crianças, aos milhões. Arquitetura da Destruição, o documentário de 1992 que acaba de ser lançado em DVD pela Versátil, tenta traçar uma ponte entre essas duas criaturas, o artista e o monstro. Dirigido pelo sueco Peter Cohen, o filme defende a tese de que a estética nazista caminhava ombro a ombro com a ética nazista. Sustenta que as tropas que marchavam sob a suástica queriam embelezar o mundo ? ainda que sua concepção de beleza fosse tão restrita, tão deformada pelo racismo, que a única maneira de impô-la era através da morte e da destruição. Não por acaso, Hitler foi o pivô da Segunda Guerra, a mesma que devastou a Europa e ceifou a vida de 50 milhões de pessoas.
Para defender sua tese, Cohen mergulha na história nazistas. Dali, emerge com duas horas de imagens poderosas e um punhado de informações desconcertantes. Ao demonstrar a conexão entre o nazismo e as idéias de aprimoramento da raça, que resultou na execução de milhares de deficientes, o filme exibe uma estatística implacável: mais da metade dos médicos alemães era filiada ao partido nazista. Desse grupo partiu a legitimação para teses que se propunham ?a limpar o corpo da sociedade alemã? de invasores debilitantes como os judeus e mestiços. Se a medicina forneceu o esteio ?científico? do nazismo, a arte foi a sua forma favorita de expressão. Na arquitetura grandiloqüente e na escultura heróica o regime tentou eternizar-se. O ditador e Albert Speer, seu arquiteto favorito, sonhavam com edifícios sem estruturas de ferro, capazes de se desfazer, com o passar dos séculos, em ruínas aprazíveis como as gregas. Em sua arrogância, os nazistas julgavam-se eternos.
Cohen mostra que o gosto desses assassinos nas artes era reacionário e banal. Nazistas influentes como Joseph Goebbels, principal propagandista do regime, preocuparam-se em atacar e destruir a ?arte degenerada? que campeava na Europa. Paul Klee e Pablo Picasso, para mencionar dois monumentos da modernidade, foram banidos. Em seu lugar, propunham-se nulidades como Adolph Ziegler, um nazista especializado em retratar saudáveis arianas peladas. Um dos quadros de Ziegler, Os quatro elementos, foi comprado por Hitler e colocado acima da lareira do seu refúgio rural. Virou um clássico. O ditador, aliás, era um colecionador voraz, sobretudo de paisagens alpinas. Entre 1940 e o fim da guerra, em 1945, seu regime promoveu uma exposição anual de arte e Hitler chegou a comprar metade das obras. Ao resgatar imagens da época, Cohen exibe a espantosa mediocridade que passava por arte entre os nazista: cenas de guerra, nostálgicas composições rurais, nus atléticos e claro, imagens da mitologia germânica. Tudo falsamente naturalista, tudo didático, tudo sombriamente harmonioso. Enquanto as tropas nazistas devastavam a Europa e roubavam milhões de vidas, a elite alemã se comprazia em celebrar uma arte bucólica e bocejante, que tinha por finalidade preparar o advento do novo homem alemão. Cohen, com seu filme brilhante, consegue nos lembrar de como a derrota dessa gente foi importante.