03/10/2007 - 7:00
Bernanke reduziu os juros para evitar a recessão. Provavelmente conseguirá
“O Meirelles foi conservador: o investment grade pode vir em até 12 meses”
DINHEIRO ? O Fed reduziu os juros americanos pela primeira vez em quatro anos. Comparado com Alan Greenspan, Ben Bernanke foi mais ousado do que se esperava?
PAULO LEME ? A mudança (dos juros) foi preventiva, tomada para facilitar o reordenamento dos mercados financeiros e de crédito. O Greenspan é uma referência muito importante e a comparação entre eles é inevitável. Mas não há dúvida da capacidade intelectual, da formação técnica extremamente sólida e da experiência de Bernanke. São conjunturas diferentes, com pessoas diferentes e mudanças importantes dentro do próprio FOMC (o comitê de política monetária do Fed). Mas não tem muito o que inventar. As receitas e os remédios são os mesmos, o que muda é a combinação. Não surpreende que uma pessoa preparada e inteligente como o Bernanke vá acertar com o tempo.
DINHEIRO ? O que de fato está acontecendo com a economia dos Estados Unidos?
LEME ? O consumo privado está arrefecendo. Há um desequilíbrio externo causado pelo excesso de despesas das famílias em relação à sua renda. A economia está se ajustando. O crédito diminuiu, ficou mais caro e as pessoas vão reduzir o consumo. O déficit em transações correntes deve cair e o resultado será uma diminuição do crescimento econômico.
DINHEIRO ? No fundo, o Fed não está tentando evitar uma recessão? LEME ? O Fed não reduziu os juros porque a economia já está em recessão. Provavelmente, a recessão poderá ser evitada. Para isso é que existe medicamento e medicina preventiva. Não se recomenda cortisona a quem está saudável. Mas é tolice não usar um bom remédio quando necessário. A utilização responsável de um instrumento de política monetária evita um agravamento de uma situação que pode ser remediada. Se o mercado continuasse a desalavancar de forma desordenada e precipitada, como ocorreu em agosto, poderia levar a uma destruição muito maior da atividade de crédito, muito maior do que o necessário. Aí, sim, poderia haver recessão.
DINHEIRO ? Quais são as previsões da Goldman, Sachs para o crescimento do PIB dos EUA?
LEME ? O ciclo de queda do preço de imóveis e o reordenamento do mercado imobiliário americano ainda não foram totalmente digeridos. Isso acontecerá nos próximos três trimestres. As estimativas são de crescimento de 2% em 2007. Para 2008, rebaixamos recentemente a previsão de 2,4% para 1,8%. O crescimento anualizado nos próximos três trimestres deve ficar entre 1% e 1,5%, com uma aceleração na segunda metade de 2008. Comparando- se com os mesmos trimestres do ano anterior e excluindo-se os fatores sazonais, há crescimento.
DINHEIRO ? Quais serão os impactos da desaceleração americana na economia brasileira?
LEME ? Os resultados são bastante animadores, independentemente do que ocorrer nos EUA e na economia mundial. O tamanho relativo da economia americana diminuiu e a desaceleração global será muito pequena. Reduzimos a projeção de crescimento da economia mundial de 4,5% para 4,2% em 2008. Este é um nível acima da média histórica. É como um avião 747 que perdeu um pouco de força no motor americano, mas ainda tem outras três turbinas aceleradas, que são a Europa, a Ásia e os emergentes. Economias como a da China vão continuar crescendo próximo a 11%. A Índia, 8%. O Brasil, 4,5%. Os emergentes como um todo, quase 8%. Com esse nível de crescimento, a escassez de matérias-primas como petróleo, metais e alimentos é tão grande que a estrutura de custo marginal é que vai determinar o preço, e não a demanda. As exportações do Brasil não vão arrefecer em volume e o País poderá inclusive exportar a maiores preços. Há outra questão. Como o Brasil é extremamente fechado ao comércio internacional, a economia está menos exposta aos ciclos no Exterior do que países mais abertos, como o México. No Brasil, o que determina o crescimento é a demanda doméstica e a produtividade. A bola está com o presidente Lula. Cabe a Brasília a decisão de implementar reformas, medidas que possam aumentar a produtividade e o aumento da taxa de crescimento.
DINHEIRO ? Quer dizer que o fato de a economia brasileira ser muito fechada foi uma coisa boa nesse momento de crise?
LEME ? Essa é a ironia. É uma das poucas ocasiões, talvez seja a única, em que ser quase autárquico tem benefício. Não recomendaria essa política para os próximos governos. É a mesma coisa que dizer que os arquitetos vão construir casas com portas de um metro e meio de altura. Vamos fumar e beber e não crescer para ter o benefício de não precisar agachar para entrar nas casas?
DINHEIRO ? Quais reformas o Brasil precisa fazer?
LEME ? Reformas que dêem mais gás, espaço e recursos para o setor privado, como a tributária e a da previdência. E fortes cortes de gastos do governo, especialmente os correntes. São medidas necessárias para liberar recursos que são drenados por uma carga tributária crescente e que impendem maiores investimentos em infra-estrutura pelo governo e pelo setor privado, que aumentariam o crescimento econômico. Tem toda uma gama de reformas que aumentam a produtividade, como a trabalhista e a da infraestrutura. As agências regulatórias e a confiabilidade das estruturas de preços de serviços públicos são necessárias para atrair investimentos privados em transportes públicos, estradas, aeroportos. A crise do setor aéreo é um bom exemplo de destruição de valor. Um bom gerenciamento de vários setores, inclusive o aeronáutico, pode desenvolver a atividade econômica. Quando se fala de reformas, sempre parece que precisa amputar o braço direito, arrancar a perna esquerda. Não precisa. Há muitas micromedidas que o Marcos Lisboa deixou no Ministério da Fazenda e podem ser retomadas a qualquer momento.
DINHEIRO ? Já está ocorrendo aumento da atividade econômica, aumento da produção industrial, aumento de renda, redução da pobreza. O Brasil está ?bombando?, apesar de não ter uma taxa de crescimento chinesa. Isso, apesar de todos os gargalos.
LEME ? Sem dúvida. O cidadão brasileiro está vendo agora os benefícios de todos os sacrifícios nos últimos dez anos em reformas e estabilização econômica. São os dividendos de ter uma inflação baixa e estável, ancorada próximo à meta de 4,5%, de haver superávit no balanço de pagamento e o pré-pagamento da dívida externa. Outro fator é a conjuntura extraordinária da economia mundial. O crescimento acelerado na Ásia suga matérias-primas, o que aumenta os volumes e os preços das exportações brasileiras. Esse aumento da riqueza e da renda brasileiras explica o maior crescimento. Mas com essas condições, será que esse é o melhor que poderíamos alcançar? A resposta é não. É como ter uma Ferrari correndo contra um Fusca na Linha Vermelha (no Rio de Janeiro). A Ferrari pode ir a 150 km/h em terceira marcha e o Fusca a 100 km/h, em quarta. Isso é bom, mas a Ferrari poderia estar correndo a 250 km/h em sétima marcha. Essa é a situação da economia brasileira. Dados os dotes de recursos naturais, o estoque de capital e de capital humano, a capacidade de gerenciamento do setor privado, o Brasil poderia andar mais rápido, mas os pneus não deixam.
DINHEIRO ? Um dos obstáculos é a carga tributária crescente. O ministro Guido Mantega (Fazenda) diz que isso ocorre porque a economia está crescendo. Mas o fato é que a carga tributária está crescendo na proporção do PIB.
LEME ? Não sei se a aritmética mudou nos últimos 30 anos, mas quando estudei razões e proporções, se o numerador crescia à mesma taxa do denominador, a razão se mantinha constante (risos). Esta é a questão: por que a carga tributária cresce a essa magnitude, indo a 40% do PIB? A razão é muito simples: é a ineficiência e o inchamento do Estado brasileiro, que é assistencialista.
Para financiar esse aparato, tem que aumentar a carga tributária, o que desvia recursos para o governo, um agente menos eficiente que o setor privado. Por isso, o PIB cai, a geração de emprego é menor do que poderia ser, o crescimento da massa salarial real é menor e a mobilidade social também. O bolo seria muito maior se o setor privado fosse encarregado de fazê-lo.
DINHEIRO ? Além do aumento real do salário mínimo, o impacto do Bolsa Família é muito grande. O governo diz que está aumentando a classe média e aumentando a massa de consumidores. Como sair dessa política assistencialista?
LEME ? É muito simples. É só não continuar a inchar a máquina pública. Hoje tem um gasto corrente que não é o gasto assistencialista, é o emprego no setor público, que cresce muito mais rápido que o PIB nominal. A reforma da Previdência e a simplificação da estrutura tributária devolveriam recursos ao setor privado. Talvez fosse melhor o governo investir na educação primária e secundária do que ter um subsídio à classe média alta através de universidades públicas. Teria um impacto maior sobre a produtividade do trabalho.
DINHEIRO ? A eventual prorrogação da CPMF deverá manter a gorda receita de R$ 36 bilhões. Isso não torna a reforma tributária mais difícil de sair?
LEME ? Não, é uma situação fácil de sair. Tudo depende de vontades e de objetivos. A rota mais fácil é manter o que foi implementado em governos anteriores, como é o caso da CPMF. Mas é um péssimo imposto, gera distorções enormes. Para cortar impostos, a primeira coisa a fazer é parar de aumentar o gasto. A primeira coisa a fazer é pisar no freio.
DINHEIRO ? O Brasil alcançou o tão sonhado crescimento sustentável? LEME ? Sim. Mas a questão é: a que taxa? O Brasil, em condições normais da economia mundial, pode crescer por um longo período a taxas próximas a 4% ao ano. Com seus recursos naturais, seu estoque de capital físico e humano e sua produtividade, pode crescer mais. Com algum esforço de mudança, a economia brasileira poderia estar crescendo acima de 5%, entre 5% e 5,5%. Seria uma taxa compatível.
DINHEIRO ? Quando o Brasil será promovido a grau de investimento pelas agências de rating?
LEME ? Logo. O presidente do Banco Central (Henrique) Meirelles foi muito conservador em dar dois anos de prazo. Acho que pode ser nos próximos 12 meses ou até antes, se as reservas continuarem crescendo e ficarem idênticas ao estoque da dívida externa bruta, que é de US$ 180 bilhões. Faltam cerca de US$ 20 bilhões.