02/04/2008 - 7:00
DINHEIRO ? Nos últimos meses, o controle de diversas grifes trocou de mãos. Um movimento que em muito se assemelha ao de bolhas surgidas no mercado em outras épocas. O que o sr. acha?
GIULIANO DONINI ? Já tivemos algumas sinalizações da perda de fôlego das empresas que entraram nesse segmento. O mundo da moda não vive apenas de louros. Ele tem potencialidades, mas também fragilidades. Um setor em que a imagem é um ativo muito forte, obviamente é mais suscetível a perdas. Mas acho que ainda teremos movimentos importantes nesse sentido.
DINHEIRO ? E que fatores poderiam desencadear o estouro dessa bolha?
DONINI ? Existem hoje três grupos distintos de investidores nesse setor. Os profissionais oriundos do mercado financeiro, que esperam fazer dinheiro no mundo da moda a curto prazo; as empresas do setor, como a Marisol, que pretendem ampliar sua gama de atuação; e os conglomerados empresariais, que querem agregar valor ao negócio com a compra de uma grife. Esse cenário está gerando uma valorização excessiva de ativos em um segmento cuja expectativa de retorno se dá em um prazo bastante longo.
DINHEIRO ? E que papel a Marisol pretende desempenhar nesse novo cenário?
DONINI ? A empresa tem se mostrado bastante inovadora e continuará seguindo essa tendência. Fomos os primeiros a operar como gestora de marcas, no início da década, um modelo que só entrou em evidência no final de 2007.
DINHEIRO ? Apesar do pioneirismo, a Marisol não avançou nesse campo. Prova disso é que a última aquisição foi a Rosa Chá, em 2006. Falta fôlego à empresa?
DONINI ? Não se trata disso. É inegável que o mercado como um todo mudou. E a Marisol vem tocando inúmeros projetos que ainda não se consolidaram. Além da gestão de marcas, nós entramos em novos segmentos, como a produção de calçados, meias e peças em tricô, sem contar a rede de franquia multimarca One Store. Hoje, temos 140 lojas Lilica Ripilica e Tigor T. Tigre, 23 operações da Rosa Chá e 19 da One Store. Nossa meta é abrir mais 50 pontos-de-venda das diversas bandeiras até o final do ano.
DINHEIRO ? Isso indica que a companhia, ao contrário dos concorrentes, vai apostar no crescimento orgânico em vez de adquirir novas marcas?
DONINI ? Não exatamente. Continuamos interessados em comprar marcas que agreguem valor à empresa. Nosso planejamento estratégico prevê a incorporação de pelo menos duas novas grifes ao portfólio. Contudo, nossa prioridade é consolidar os investimentos feitos até agora.
DINHEIRO ? A carreira internacional da Marisol será seu maior desafio à frente da empresa?
DONINI ? Não vou focar meu trabalho apenas no Exterior. Creio que o Brasil faz parte de uma economia globalizada e entendo que as políticas defensivas, por meio da manutenção da liderança em segmentos importantes no mercado local, nos garantem a musculatura necessária para enfrentar os desafios no Exterior.
DINHEIRO ? A receita da Marisol encolheu 4,3% para R$ 420,4 milhões em um ano de forte crescimento da economia. Aonde a empresa errou?
DONINI ? Nós não fizemos a lição de casa. A diversificação fez com que a empresa ficasse pesada. Manobrar um transatlântico é mais difícil que uma lancha. Por conta disso, ao longo de 2007, fizemos uma série de mudanças na estrutura de produção e adotamos outras medidas que culminaram na sucessão da presidência. Também reduzimos de sete para cinco o número de diretorias. Com isso, queremos ganhar agilidade no processo decisório e cobrar resultados.
DINHEIRO ? E os resultados vão aparecer neste ano?
DONINI ? Nosso grande objetivo é efetivar a meta de crescer 19%. A partir daí, iremos preparar a Marisol para um processo de crescimento mais acelerado nos próximos anos. A meta para 2008 é desafiadora, mas o que queremos, na verdade, é colocar a empresa em um novo patamar.
DINHEIRO ? A China é uma ameaça para quem faz moda ou somente para quem produz commodities?
DONINI ? A China ou qualquer outro país do Sudeste Asiático irão sempre representar uma forte concorrência. A indústria do vestuário sempre foi nômade porque demanda mão-de-obra intensiva. A tecnologia é importante. Porém, jamais substituirá a costureira. A China representa uma concorrência porque se mostrou um país que focou a indústria de vestuário como um importante setor da economia. Ao contrário do que acontece no Brasil.
DINHEIRO ? Por que isso acontece?
DONINI ? O governo brasileiro fez opções e dentre elas não incluiu os fabricantes de roupas e calçados na lista de prioridades.
DINHEIRO ? A carga tributária também atrapalha?
DONINI ? Sem dúvida. A carga fiscal gira em torno de 46%. Trata-se de um patamar muito elevado. Sem contar que os custos de contratação de mãode- obra são proibitivos. As políticas fiscal e industrial não são indutoras do processo de crescimento do setor.
DINHEIRO ? O que fazer para mudar essa situação?
DONINI ? O que precisamos é de uma política que enxergue o País a médio e longo prazo, permitindo a consolidação das empresas do setor. Não falamos em reduzir os tributos à metade. A idéia é desonerar a produção e focar a cobrança dos impostos na ponta do consumo. É preciso também desonerar os encargos sociais. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil propõe reduzir, em 50%, os impostos sobre a contratação de pessoal, revertendo uma parte disso para o trabalhador. Isso ajudaria a manter a economia aquecida
DINHEIRO ? O que mais?
DONINI ? Faltam também políticas mais agressivas de exportação e de importação. Quando analisamos países de menor porte, como Guatemala, vemos que eles conseguiram construir mais de seis acordos bilaterais, cada um, no setor têxtil. O Brasil, apesar de seu peso na economia global, não tem uma parceria sequer nesse campo. Não vemos a importação como um problema para o setor, mas é preciso que as regras sejam claras. Não defendo que a indústria têxtil seja protegida. O marco regulatório não pode ser nunca a taxação. O ideal é a competitividade. E isso passa pela desoneração tributária e por um controle mais rigoroso do que entra no País.
DINHEIRO ? O Brasil jamais conseguiu criar grifes de moda desejadas em termos globais. O que falta para atingirmos esse patamar?
DONINI ? Estamos vivendo um momento interessante. O Brasil está na moda, mas a moda brasileira não. Existem várias maneiras de se conseguir isso. A Marisol optou por um caminho diferenciado. Em vez de a empresa se tornar um ator global, nossa ambição é apostar na competitividade de nossas marcas em mercados-chave, como Estados Unidos, Portugal, Espanha e Itália, além dos países da América Latina. Não vamos ser apenas um exportador, mas sim uma empresa competitiva em cada um desses locais. O empresário brasileiro, em geral, tem uma cultura de ansiedade e quer construir resultados de uma maneira muito rápida.
DINHEIRO ? Isso explica o fracasso de algumas grifes no mercado internacional?
DONINI ? Sem dúvida. Podemos entender moda de dois jeitos. A forma popular de arte, expressão e provocação ou como um negócio. Eu acho que a grande lição que devemos aprender em relação ao mercado italiano é a mentalidade. As grifes daquele país conseguem entender a relevância da moda dentro do contexto no ambiente de negócios, ao contrário das empresas brasileiras. Grifes como a Marisol estão se dispondo a construir esse caminho de um novo jeito.
DINHEIRO ? Que outras empresas, além da Marisol, vêem a moda como negócio no sentido amplo da palavra?
DONINI ? A Colcci e a Sommer (controladas pela AMC Têxtil), além da Iodice, são administradas com a visão de que não apenas o desfile mas também o respeito ao prazo de entrega e à cultura do cliente são elementos importantes para viabilizar uma carreira internacional.
DINHEIRO ? O sr. acha que falta uma ação mais organizada do governo brasileiro em relação à marca Brasil?
DONINI ? O governo tem de liderar esse processo, mas não deve atuar sozinho. As associações empresariais têm de assumir o seu papel. Um dos grandes impeditivos é a cultura absurdamente imediatista do empresário brasileiro de um modo geral. Temos vários exemplos de empresas que vão para o Exterior, quebram a cara por dois anos seguidos e desistem. É preciso persistir. Não dá para abraçar o mundo, por isso é preciso identificar os melhores mercados a operar.