06/07/2012 - 5:30
DINHEIRO ? A economia vai crescer menos do que se previa. E agora?
EDEMIR PINTO ? Havia uma expectativa no início deste ano de que cresceríamos entre 4% e 5%, mas agora a torcida é para chegar aos 2%. O governo está tomando medidas paliativas para aquecer o consumo. Poder fazer isso é um diferencial muito importante do Brasil, mas provoca impactos negativos na economia.
DINHEIRO ? Mesmo com os juros em queda?
PINTO ? Sim. Já podemos bater no peito e dizer que temos uma taxa civilizada, mas a queda dos juros não é uma bala de prata. O custo Brasil impede que os juros mais baixos resolvam os problemas sozinhos. Falta resolver a questão da tributação e a dos encargos trabalhistas. Além disso, a sensação é de que o governo está mais intervencionista. Isso é ruim, pois afasta os investidores internacionais, que ainda são muito importantes para o País, em face da ausência de poupança interna.
DINHEIRO ? Como isso afeta as cotações?
PINTO ? Um investidor manifesta sua discordância com os rumos da empresa vendendo as ações. Essa é a forma de o investidor protestar. Atualmente, olhando os papéis de empresas que têm controle acionário do governo, vemos perdas expressivas de valor. Isso é um sinal para os gestores e para os controladores da companhia de que algo está errado.
DINHEIRO ? Isso também provoca mais volatilidade, como no caso da OGX?
PINTO ? Volatilidade é algo inerente ao mercado de capitais, mas casos como o que ocorreu recentemente com a OGX são raros. Eu nunca assisti a uma das dez ações mais negociadas da bolsa perder quase 50% de seu valor de mercado em dois dias. Os investidores estão dando um recado para o controlador e para os gestores. É uma empresa que não tem histórico, e isso acentuou a venda das ações.
DINHEIRO ? Esse cenário prejudica as aberturas de capital?
PINTO ? Sim. No início do ano esperávamos realizar de 40 a 45 lançamentos de ações, mas foram só sete no primeiro semestre. Agora, se conseguirmos realizar a metade de nossa projeção inicial, está de bom tamanho. Sofremos com a crise internacional. A eleição na Grécia, a mudança de governo na França, a redução da classificação de risco dos bancos, tudo isso afetou o mercado. Esperávamos que tudo estivesse resolvido no fim do primeiro semestre, mas agora vemos que a solução vai levar mais tempo. E há outro problema: as aberturas de capital pararam em todo o mundo. Se o interesse voltar, vamos enfrentar concorrentes de diversos países.
DINHEIRO ? Falando em concorrência, a bolsa está preparada para ter competidores no Brasil?
PINTO ? Já temos vários concorrentes. No Brasil, temos a Cetip, que negocia títulos de renda fixa. No Exterior há a bolsa de Nova York, na qual são negociados American Depositary Receipts de ações brasileiras. Em Chicago há negócios com café e com açúcar. O mercado de balcão americano para derivativos financeiros é imenso. O que não nos falta é concorrência.
Eleição na Grécia: maior risco prejudicou o humor do mercado.
DINHEIRO ? No fim de junho, a CVM divulgou relatório de uma consultoria internacional defendendo a concorrência para reduzir custos para o investidor, o que foi muito criticado pela bolsa. O que desagradou?
PINTO ? A CVM contratou uma consultoria britânica, a Oxera. Essa empresa trabalha para organismos internacionais, como o Banco Mundial e o Federal Reserve, e para diversos governos. Nós não a conhecíamos e fomos conhecê-la. Inicialmente ficamos muito bem impressionados com a qualificação e com a qualidade dos profissionais. Porém, ficamos frustrados com o relatório que foi divulgado. Pontos importantes, que vão nortear a decisão do regulador e definir estratégias para todo o mercado, foram tratados de maneira superficial.
DINHEIRO ? Quais?
PINTO ? Os custos, por exemplo. O relatório comparou quanto custa para um investidor brasileiro negociar uma ação na bolsa brasileira, com o que gasta um investidor dos Estados Unidos para negociar uma ação em uma bolsa americana. Esses dois valores não são comparáveis, pois as situações são completamente diferentes. A bolsa não é apenas um local de transações. Há as etapas posteriores à negociação, o chamado pós-trading, que são os serviços de liquidação financeira das operações, a custódia dos papéis e o trabalho de clearing, que gerencia os riscos do mercado. No caso do Brasil, todos esses serviços são executados por nós. Nos Estados Unidos, a bolsa só cuida da transação e os demais serviços são realizados por outras empresas. Então, comparar os preços sem incluir os mesmos serviços é incorreto. Bolsa é diferente de fábrica de bolachas. É algo mais complexo, que administra riscos sistêmicos que envolvem todo o sistema financeiro. Não dá para comparar custo de bolsa como se compara custo de uma fábrica de bolacha, que foi quase o que eles fizeram.
DINHEIRO ? A CVM pode obrigar a bolsa a ceder sua clearing para outros participantes?
PINTO ? Não. Quando a bolsa se tornou uma companhia aberta, em 2008, a CVM normatizou esse mercado. Uma das regras tratava da clearing. O que está previsto é que, se houver uma nova empresa desse tipo, a bolsa tem de garantir que haja comunicação entre elas.
DINHEIRO ? Quem defende a vinda de mais pregões diz que os investidores ganhariam com a diversificação, pois a bolsa tem uma margem muito elevada.
PINTO ? Essa é outra avaliação superficial. Quando o mercado é fragmentado, os participantes locais têm de se conectar a mais de uma plataforma. As corretoras teriam de ter os sistemas da BM&FBovespa e os sistemas das concorrentes. Tudo isso custa dinheiro, e as despesas de um participante adicional no mercado não foram estimadas. Basta olhar o exemplo da Austrália, que fomos conhecer pessoalmente. O regulador australiano permitiu a concorrência, mas, segundo corretores e administradores locais de recursos, o custo acabou sendo socializado para todos, enquanto os benefícios retornaram para pouquíssimos participantes.
Pregão em Wall Street: estrutura de mercado diferente.
DINHEIRO ? Outro argumento em favor da concorrência é o aumento da liquidez, pois ela permitiria operações de arbitragem (ganhos sobre diferenças de preços de um mesmo ativo entre duas bolsas)…
PINTO ? O argumento é válido, mas é preciso avaliar se essa liquidez traz benefícios para o mercado, se os mortais podem se aproveitar disso.
DINHEIRO ? Como assim, mortais?
PINTO ? Eu vou diferenciar os investidores mortais dos investidores da alta frequência, que é o ambiente de negociação dominado por computadores. Os profissionais desse mercado criam modelos de computador e buscam aproveitar pequenas distorções de preço por meio de milhares de negociações muito rápidas, de milissegundos. Quando há uma pequena diferença entre a compra e a venda, o computador entra no meio e ganha com isso. Assim, qualquer oportunidade de ganho é dominada pela alta frequência. A arbitragem cria um volume espetacular, mas isso agrega valor para o mercado? Muito pouco. Traz novos participantes? Traz, mas são outros operadores de alta frequência, o que não é necessariamente benéfico para o investidor e o empresário que procura recursos para sua empresa.
DINHEIRO ? Como a maior abertura do mercado afetaria os ganhos da bolsa, que tem boas margens de lucro?
PINTO ? Já estamos nos preparando para isso. No passado, já ganhamos eficiência e reduzimos custos com a fusão entre a Bovespa e a BM&F. No fim de 2011, iniciamos uma nova fase, que visa melhorar a escala e dividir os ganhos com o mercado e com os investidores. Estamos investindo R$ 1,1 bilhão na melhoria do sistema e as mudanças beneficiam o cliente e as corretoras. Por exemplo, se houver um crescimento no mercado futuro de índice Bovespa, parte dos ganhos que a bolsa teria será revertida para a corretora que trouxer o cliente e para o cliente em si.
DINHEIRO ? No dia 25 de junho os sistemas da bolsa travaram. Não foi a primeira falha. O que acontece com a bolsa?
PINTO ? Falhas sempre vão ocorrer. Nesse dia específico, nós havíamos feito algumas alterações no sistema Megabolsa durante o fim de semana. Na segunda feira, quando o mercado abriu, o sistema travou e algumas corretoras não estavam recebendo o sinal. Não tivemos de interromper os negócios, mas sistema indisponível é mortal para a nossa imagem. Isso ocorreu porque o Megabolsa foi desenvolvido pela bolsa de Nova York e não somos proprietários dele. Até o fim do ano vamos passar todos os negócios com ações para o sistema Puma, que está sendo desenvolvido por nós em parceria com a bolsa de Chicago. Se ocorrer algum problema, a solução estará dentro de casa.
DINHEIRO ? A bolsa mantém a meta de trazer 5 milhões de pessoas para o pregão?
PINTO ? Sim, mas em função da crise estendemos esse prazo para 2018. Isso vai exigir uma mudança de cultura, o que é demorado. Temos 1,5 milhão de pessoas em nossos simuladores.