O sobrenome de Raymundo Magliano Filho confunde-se com a história do mercado de capitais. A corretora de mesmo nome, fundada por seu pai, possuía a carta patente de número 1. O empresário presidiu a Bolsa de Valores de São Paulo por sete mandatos consecutivos, entre 2001 e 2008, até sua fusão com a Bolsa de Mercadorias & Futuros para criar a BM&FBovespa. Ao assumir a presidência, a Bolsa estava ameaçada de extinção, pelo cenário internacional adverso e pela migração de negócios para outras praças. Os prognósticos eram ruins: as transações haviam caído para R$ 495 milhões por dia.

Sete anos mais tarde, quando Magliano entregou o cargo, esse montante havia quase decuplicado para R$ 4,86 bilhões, valor não corrigido pela inflação. No ano anterior, o volume captado pelas aberturas de capital havia superado os empréstimos concedidos pelo BNDES. Parte desse florescer capitalista deveu-se a fatores independentes da Bolsa, como a conjugação da alta dos preços das commodities e um ambiente de farta liquidez internacional. Outra parte, porém, veio do trabalho de Magliano. Leitor assíduo de filosofia e admirador das obras do pensador italiano Norberto Bobbio, Magliano percebeu o que faltava para que o mercado de capitais deslanchasse no Brasil: representatividade perante a sociedade.

“A Bolsa era considerada um clube de elite, inacessível para o público”, disse ele à DINHEIRO na terça-feira 25. Ele buscou aproximar o mercado dos pequenos investidores e em 2008 havia cerca de 650 mil investidores ativos. Magliano não se anima com o cenário atual. “A Bolsa perdeu representatividade”, diz ele. “Ao deixar de ser uma sociedade sem fins lucrativos e se transformar em uma empresa, ela deixou de ter o esenvolvimento do mercado como uma de suas prioridades.” Prova disso, diz M­gliano, é uma decisão da Bolsa de retirar o selo de qualidade operacional das corretoras que empregarem agentes autônomos de investimento para atender investidores institucionais, como fundos de pensão.

Esses profissionais, determina a Bolsa, têm de ser contratados seguindo a legislação trabalhista. “A maioria das corretoras é de pequeno porte e não tem condições de arcar com esses custos”, diz Magliano. “Vai ficar difícil para elas atenderem clientes em cidades menores.” Para impedir a decisão, a Ancord, associação das corretoras, obteve, na quarta-feira 26, a suspensão temporária dessa medida pelo Judiciário. Procurada, a BM&FBovespa informou que não comenta processos em andamento.

Dificultar a vida das corretoras de menor porte seria ruim para o mercado. Impediria as casas independentes de atender clientes institucionais menores, como por exemplo os fundos de pensão dos servidores públicos municipais. Vale lembrar que, nas décadas de 1960 a 1980, as pequenas fundações de previdência americanas sustentaram a popularização do mercado. Só depois de atender os fundos de pensão, Wall Street aprendeu a servir bem os investidores individuais. A Bolsa se dedica – corretamente – a facilitar a vinda das empresas emergentes ao pregão. Por isso, não é sábio colocar pedras no caminho das corretoras, que funcionam como verdadeiras incubadoras de investidores.