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“O BC, de Meirelles, deve cortar juros e criar o melhor cenário em 20 anos”

 

 

 

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“A retomada da economia deve favorecer siderúrgicas, como a CSN”

 

 

 

DINHEIRO ? No final do ano passado, a Bolsa bateu o recorde desde a criação de seu índice, em 1968. Chegou a hora de cair?
ROBERTO NISHIKAWA ? Não é porque subiu tanto que chegou a hora de cair. Ainda há a perspectiva de subir mais. Muitos falam que o recorde foi batido. Era de 19 mil pontos, de meados do ano 2000. Mas, segundo os nossos estudos, ainda não alcançamos o patamar daquela época. É preciso atualizar os dados com a inflação de 2000 para cá ou outro indicador que se escolher. Pelas nossas contas,
se a correção for feita pela inflação (IPCA), o índice Bovespa, que mede o desempenho das ações, poderia saltar dos atuais 21 mil pontos para 26 mil pontos para se igualar ao recorde do ano 2000.
Se a correção for feita pelo crescimento do fluxo de caixa das empresas, o número seria ainda maior.

DINHEIRO ? Mas as ações ainda têm fôlego para subir?
NISHIKAWA ? Nossas projeções são de alta para o ano que vem. Nada parecido com o que houve em 2003, mas acreditamos que o índice pode chegar a 25 mil pontos em dezembro, o equivalente a uma alta de cerca de 35%. Tudo isso seria apenas uma correção da forte queda sofrida pela Bolsa nos dois últimos anos. Não é preciso um clima de euforia extrema para chegar a esse ponto. Basta manter o atual clima de confiança na economia. Além do mais, o ambiente é favorável para os investimentos em ações. Se tudo continuar no ritmo previsto, teremos dentro dos próximos dois anos o cenário mais favorável para a Bolsa de Valores em duas décadas.

DINHEIRO ? Como assim?
NISHIKAWA ? Uma das razões para a alta do índice é que os juros estão em queda. Hoje, os juros reais, já descontada a inflação, estão em cerca de 10%, o menor em cinco anos. Com a inflação sob controle, a tendência é que o governo reduza ainda mais as taxas. No ano que vem, podemos chegar a juros reais abaixo de 10%, o que não se via há mais de uma década. Se a tendência continuar, dentro de dois anos teremos o melhor cenário em duas décadas, com juros e inflação em baixa. Numa situação como essa, o investimento tende a migrar. Quando os juros estavam altos, o investidor aplicava em renda fixa e ganhava 1,3% ou 1,5% ao mês sem correr maiores riscos. Com os juros em queda, deve procurar novas alternativas de investimento. Foi o que aconteceu na Espanha.

DINHEIRO ? Como é o exemplo espanhol?
NISHIKAWA ? Antes de entrar para o mercado do euro, a moeda comum européia, a Espanha também pagava juros na casa de dois dígitos. A participação dos fundos de ações na indústria geral de fundos ficava em torno de 5%. São números muito parecidos com os do Brasil hoje em dia. Quando os juros começaram a cair na Espanha, o dinheiro migrou. A participação dos fundos de ações no total da indústria subiu de 5% para 23%. Foi essa alta que capitalizou as empresas espanholas e lhes deu condições para buscar novos mercados, principalmente na América Latina. Esse tipo de tendência também pode acontecer no Brasil.

DINHEIRO ? Muitos brasileiros comuns temem a Bolsa porque perderam dinheiro em outras ondas de otimismo. Por que desta vez seria diferente? Não é mais uma bolha especulativa?
NISHIKAWA ? É claro que sempre existem muitos riscos no meio do caminho. Nos últimos anos, vimos como a integração mundial pode espalhar crises rapidamente. Pode haver uma alta de juros nos EUA, um atentado terrorista ou outro evento internacional que interrompa a recuperação brasileira. Podemos também gerar nossas próprias crises. Um evento como esses pode mudar completamente o cenário e quem investe na Bolsa precisa estar consciente das oscilações do mercado. Nosso cenário se baseia nos dados que temos hoje e, para nós, não se trata de uma bolha especulativa. Os fundamentos melhoraram. Na época do real, os juros eram muito altos. Existia muita incerteza sobre o que poderia ocorrer. Hoje, os juros estão em queda, a inflação está sob controle e o câmbio é livre. Os indicadores mostram a consistência da recuperação.

DINHEIRO ? Mas quais os fundamentos para uma nova alta?
NISHIKAWA ? São dois momentos distintos. O que vimos no segundo semestre deste ano foi uma mudança de percepção por parte dos investidores, principalmente dos estrangeiros. No ano passado, eles tiraram recursos do mercado na época das eleições. Como todo aquele medo que tinham não se provou verdadeiro, começaram a voltar. Por enquanto, os investidores estrangeiros alocaram apenas uma pequena parte de seus recursos para o Brasil. Isso foi o suficiente para o índice subir rapidamente e bater recorde. Nos últimos dias, está ocorrendo outro movimento. O que vemos é uma antecipação do cenário do ano que vem, com inflação e juros em baixa e crescimento econômico. Em todas nossas visitas a investidores estrangeiros nos EUA e Europa, só temos ouvido comentários otimistas sobre o Brasil. Os fundos de investimento globais continuam trazendo dinheiro para o País para aproveitar
esse bom momento da economia. Contra o fluxo de recursos na
Bolsa não há argumento, é muito difícil apostar contra.

DINHEIRO ? E o investimento das pessoas físicas na Bolsa?
NISHIKAWA ? Houve um crescimento muito grande nos últimos meses. Esse movimento foi puxado pelas compras de ações pela internet, negócio conhecido como homebroker. Esse tipo de opera-
ção facilitou o acesso de investidores comuns à Bolsa. Mas, embora tenha crescido muito, a participação das pessoas físicas está longe de seu potencial. Hoje, cerca de 120 mil investidores individuais têm ações na Bolsa (em custódia). O público com potencial de investimento no Brasil é muito maior, por volta de sete milhões de pessoas. Outro exemplo do potencial de crescimento são os fundos de ações. Há anos, representam apenas de 5% a 8% da indústria de fundos, com patrimônio total de R$ 450 bilhões. Portanto, há muito espaço para crescer nos próximos anos. Esse pode ser outro motor para a Bolsa daqui para a frente.

DINHEIRO ? A corretora tem uma
equipe especializada em analisar
empresas. Como está a situação
das companhias brasileiras?
NISHIKAWA ? As empresas passaram por tempos difíceis nos últimos anos, com juros e inflação em alta e queda na demanda. Mas superaram as dificuldades e agora estão bem. Nossos analistas avaliam cerca de 50 companhias, em variados setores e de tamanhos diferentes. Em geral, as empresas estão bem capitalizadas. Estão com o nível mais baixo de endividamento em cinco anos. Chegamos a essa conclusão ao comparar as dívidas com a geração de caixa, um dos principais indicadores do mercado financeiro. No auge da crise, esse indicador chegou a corresponder 1,8 vezes a geração de caixa das companhias. Agora, está em 1,3. Nesse período, as companhias reestruturam suas dívidas e aumentaram sua capacidade de levantar empréstimos no exterior com juros mais baixos. Com menos dívidas, têm condições bem melhores para crescer daqui para a frente.

DINHEIRO ? E os lucros?
NISHIKAWA ? Esse é outro indicador em que aparecem resultados muito positivos. As 50 empresas que analisamos lucraram R$ 11 bilhões em 1999 (lucro líquido depois do Imposto de Rrenda). Em 2002, as mesmas empresas ganharam R$ 32 bilhões. Nossa estimativa é de R$ 57 bilhões em 2003 e R$ 64 bilhões em 2004. Ou seja, em dois anos, os lucros terão dobrado. E vale observar que os resultados foram alcançados num período de crises na economia. Essa é uma evidência da rápida capacidade de adaptação das empresas. Reestruturam suas dívidas, buscaram novos mercados e, quem pode, aproveitou o real fraco para exportar. Daqui para a frente, as perspectivas são ainda melhores.

DINHEIRO ? Quais as empresas mais promissoras para 2004?
NISHIKAWA ? Os analistas da corretora fizeram uma seleção de setores e de companhias com maior perspectiva de crescimento
nos próximos seis meses. São ações com potencial de alta de 30%
a 40% acima da média de mercado. Nossas recomendações privi-
legiam setores com potencial de aumento de receita, redução de dívidas e ganhos com a regulação de suas atividades. É o caso
do setor elétrico, da telefonia e da siderurgia, além de vários exemplos isolados de empresas.

DINHEIRO ? Por que o setor de energia se destaca?
NISHIKAWA ? As empresas de energia começaram a se recuperar no final de 2003 e têm boas chances de se beneficiar do novo marco regulatório. Acreditamos que a nova regulamentação vai atrair investimentos públicos e privados para o setor. A melhor opção nesse campo é a Cemig, de Minas Gerais, empresa bem administrada e com boa relação entre risco e retorno. Outra opção é a Transmissão Paulista. Além de ter baixo risco, é uma empresa que paga dividendos acima da média. Esse é um indicador importante de menos risco para a ação. Por fim, a Eletrobrás deve se beneficiar da nova regulação porque os preços da geração de energia devem subir.

DINHEIRO ? E as de telefonia?
NISHIKAWA ? As ações do setor ainda estão baratas e devem ser beneficiadas pelo crescimento econômico. Nos últimos anos, os brasileiros compraram muitos celulares e, com a retomada da economia, devem usar mais suas linhas e, com isso, as empresas
vão arrecadar mais. Apostamos em empresas como a Tmar 5, a holding da Telemar, com potencial de dobrar de preço. Nossa maior recomendação é Telesp Celular, que cobre São Paulo, região muito sensível à retomada da economia. Além disso, terá benefício muito grande em 2004 ao incorporar subsidiárias como a CRTP-5, a
Teleleste Celular e a Telesudeste. A Telesp Celular vai dobrar de tamanho com as incorporações.

DINHEIRO ? As empresas de siderurgia já foram as estrelas da
Bolsa em 2003. Por que voltariam a subir?
NISHIKAWA ? Empresas como CSN e Usiminas têm bons fundamentos. Reduziram suas dívidas, pagam dividendos acima de 10% dos lucros e têm flexibilidade para se adaptar a diferentes cenários. Quando o mercado interno está ruim, exportam mais. Quando as vendas no Brasil se recuperam, aproveitam a melhora
do mercado doméstico. Em 2004, devem continuar exportando e aproveitar a retomada da economia. Também acreditamos que a
Belgo Mineira deve ser beneficiada pelo crescimento econômico.

DINHEIRO ? Quais outros exemplos, fora dos três setores?
NISHIKAWA ? Recomendamos empresas que podem se beneficiar do aumento do consumo, como Ripasa (papel e celulose), AmBev (bebidas) e Perdigão (alimentos). A Sabesp caiu muito em antecipação a um racionamento de água em São Paulo, mas acreditamos que o impacto será menor do que o imaginado. Portanto, tem fôlego para subir. Um dos melhores papéis deve ser o da indústria química Braskem. Pode-se dizer que todos os sacos de compra do Brasil são produzidos pela Braskem, além de fazer vários outros produtos de plástico. O crescimento econômico tem um efeito grande na empresa e vai ajudar a reduzir a dívida. Se não houver surpresa, quase todos devem se beneficiar de um bom ano na economia.