31/07/2025 - 17:05
Acelerado envelhecimento da população vai pondo em xeque promessa do governo alemão de não aumentar idade para aposentadoria.Para a ministra da Economia alemã, Katherina Reiche, há uma solução simples para o sistema previdenciário do país: “Precisamos trabalhar mais e por mais tempo”, disse no fim de julho, em entrevista ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine. A declaração acendeu um novo debate em torno de velhas questões.
O envelhecimento da população alemã é apontado há anos como um problema. A idade mediana no país – 46,7 anos – é a oitava mais alta do mundo e a terceira mais alta entre as grandes economias, atrás apenas do Japão e da Itália. Até 2040, espera-se que um quarto da população tenha 67 anos ou mais.
No início da década de 1960, havia seis trabalhadores com contribuição ativa para cada aposentado – essa proporção hoje é de dois para um, e está caindo. Em 2025, dois terços do orçamento do Ministério do Trabalho da Alemanha serão destinados ao sistema previdenciário, um total de 121 bilhões de euros (R$ 768 bilhões).
“Não pode ser sustentável a longo prazo que trabalhemos apenas dois terços da nossa vida adulta e passemos um terço na aposentadoria”, disse Reiche. “Infelizmente, por tempo demais, muitas pessoas se recusaram a aceitar a realidade demográfica.”
As falas de Reiche provocaram uma reação imediata de seus colegas de gabinete de centro-esquerda. Lars Klingbeil, ministro das Finanças e líder do Partido Social-Democrata (SPD), que tradicionalmente se coloca como representante da classe trabalhadora, classificou a fala de Reiche como um “tapa na cara” de muitos trabalhadores.
“É fácil dizer isso quando se está sentado confortavelmente em uma cadeira em Berlim”, disse Klingbeil ao portal ntv. “Mas é preciso ir falar com as pessoas no país, com quem trabalha como telhadista, como enfermeiro, como professor, que estão se esgotando e que já têm dificuldade para chegar aos 67.”
Sindicatos disseram que o plano de Reiche nada mais é do que uma nova forma de cortar aposentadorias: muitos trabalhadores não conseguirão trabalhar até uma idade mais avançada por questões de saúde, sendo forçados a se aposentar mais cedo e aceitar descontos que reduzem permanentemente suas aposentadorias.
Disputa sobre a aposentadoria
O contrato firmado entre os partidos que formam a coalizão de governo – a conservadora União Democrata Cristã (CDU), de Reiche, juntamente com sua legenda-irmã União Social Cristã (CSU) e o SPD – prometia que a idade atual de aposentadoria na Alemanha não seria aumentada. Reiche argumenta, contudo, que as promessas feitas por seu governo no início do ano não são sustentáveis.
No acordo de coalizão, abriu-se uma brecha para algumas mudanças num texto que diz: “Queremos mais flexibilidade na transição do trabalho para a aposentadoria.” Na prática, “flexibilidade” significa oferecer incentivos para que as pessoas trabalhem além da idade legal de aposentadoria. Isso incluiria medidas como a chamada “Aktivrente” (aposentadoria ativa), pela qual qualquer renda de até 2 mil euros (R$ 12.706) mensais é isenta de impostos para quem está acima da idade legal de aposentadoria.
Jan Scharpenberg, especialista em previdência da consultoria financeira Finanztip, está convencido de que o sistema de aposentadorias alemão precisa urgentemente de reformas, mas acredita que o debate em torno dele se tornou cansativo.
“A duração da vida laboral é apenas uma das alavancas que podem ser ajustadas para reformar o sistema previdenciário alemão e lidar com a transformação demográfica”, disse à DW. “E, sendo bem honesto, acho um pouco exaustivo que, há anos e décadas, os mesmos argumentos a favor e contra sejam repetidos, sem que nenhuma reforma real seja implementada.”
“Uma reforma do sistema só será eficaz se combinar e acionar várias alavancas ao mesmo tempo”, concluiu.
Como funciona o sistema previdenciário alemão
No complexo sistema previdenciário alemão, a idade legal de aposentadoria é de 65 anos, mas está programada para subir para 67 até 2031.
No entanto, essa idade varia de acordo com o ano de nascimento e o tempo de contribuição ao sistema. Aqueles que nasceram a partir de 1964, terão que completar 67 anos para terem direito a aposentadoria integral. Para quem nasceu antes, a idade mínima cresce gradualmente, dependendo do ano de nascimento, de 65 a 67 anos.
Há exceções: pessoas com deficiência ou que contribuíram por 45 anos, por exemplo, podem se aposentar antes.
Uma contribuição de 18,6% do salário bruto mensal do trabalhador vai para o fundo estatal de aposentadoria, sendo metade paga pelo empregado e metade pelo empregador. O governo espera que essa taxa suba para 22,3% até 2035, permanecendo estável até 2045.
Johannes Geyer, pesquisador em economia pública do instituto econômico alemão DIW, apontou que o motivo pelo qual a questão da idade para aposentadoria é tão controversa é que ela afeta os trabalhadores de maneiras diferentes. “Há muitas pessoas que não conseguem imaginar trabalhar além dos 67 anos”, disse. “Mas alguns, talvez aqueles em empregos mais bem pagos, podem conseguir.”
Soluções para além do corte de aposentadorias
Especialistas afirmam que limitar a reforma da revidência a mudanças na idade de aposentadoria é contraproducente, já que há diversas maneiras de aumentar as contribuições ao sistema.
Uma medida, por exemplo, seria melhorar as estruturas de cuidados infantis, para que mais mães e pais solteiros possam trabalhar em tempo integral e, assim, contribuir mais para o sistema previdenciário. Outra solução seria facilitar e tornar mais atrativa a imigração de trabalhadores para a Alemanha. Também há propostas para aumentar o número de contribuintes ao sistema público, incluindo autônomos e funcionários públicos.
Do lado das despesas, algumas medidas mais amargas podem ser implementadas para equilibrar as contas, além de aumentar a idade de aposentadoria, como ampliar o tempo de contribuição exigido, ou reduzir o índice de reajuste anual dos benefícios.
O aumento das aposentadorias é calculado com base na evolução dos salários brutos na Alemanha e está previsto para ser de 3,74% em 2025.
No acordo de coalizão, o SPD garantiu que o valor padrão da aposentadoria seria de 48% em relação à renda média no país (antes dos impostos), até 2031 – o que tem sido considerado insustentável por muitos analistas.
Para Scharpenberg, um conjunto de medidas precisa ser implementado. No entanto, o especialista defende que o debate político precisa considerar essas soluções em conjunto, não apenas apontar para uma solução única.
Comparação internacional
O sistema previdenciário alemão é estruturado de forma muito diferente do de outros países europeus. Na Dinamarca, por exemplo, a idade de aposentadoria está vinculada à expectativa de vida do país, de modo que aumenta automaticamente à medida que as pessoas vivem mais.
Na Suécia, as contribuições individuais são investidas em vários mercados financeiros, e os lucros são pagos quando a pessoa se aposenta.
“Isso ajuda a diversificar o risco”, disse Geyer. “Eles não dependem tanto do envelhecimento da própria população.” No sistema alemão, por outro lado, as contribuições dos trabalhadores vão para um fundo comum, que é usado para financiar as aposentadorias atuais.
Geyer argumenta que, ao contrário de outros países europeus, a Alemanha falhou em desenvolver opções de previdência privada que complementem a aposentadoria pública e beneficiem toda a população, e não apenas os mais ricos.
“Outros países fizeram isso muito melhor”, disse ele. “O Reino Unido, a Holanda, a Dinamarca, a Suécia – todos têm sistemas de seguro obrigatório com custos relativamente baixos e bons retornos. Isso está faltando aqui.”