Sempre é um prazer conversar com Jeane Tsutsui. Desde que assumiu o cargo de CEO do Grupo Fleury, em abril de 2021, fiz três entrevistas com ela. Em todas, ficam evidentes e explícitas duas características: sua clareza de pensamento, sua paixão pelo universo da saúde. Aquele papo de ‘o paciente no centro da estratégia’ não é uma assinatura criada pela última consultoria da vez. Pelo menos não com ela. Com Jeane, o papo é outro. “Sempre fui muito conectada com o propósito da saúde de uma maneira geral, indo muito além daquele específico de cuidar do paciente no dia a dia no consultório”, disse à DINHEIRO. Essa visão holística pautou sua carreira de 22 anos na companhia que hoje preside.

Jeane ingressou no grupo em janeiro de 2001 como cardiologista. Fazia parte do corpo clínico. E estava numa posição confortável. Seu currículo incluía não apenas a formação e a residência na sua especialidade, mas também um doutorado em cardiologia e um pós-doutorado no exterior. Já era uma livre-docente e pesquisadora com publicações relevantes quando decidiu atuar na gestão. Carreira que começou na área de Pesquisa e Desenvolvimento, unidade estratégica e que chegou a dirigir dentro do Fleury.

Essa inata curiosidade e a busca incessante por conhecimento e formação técnica consistente explicam uma parte de sua jornada. A outra parte tem a ver com uma obsessão. “Tenho uma visão da complexidade do ecossistema. Seja o ecossistema do organismo humano, no tratamento do paciente, seja o ecossistema da saúde como um todo.” Esse olhar para o todo, e não apenas para sua área de formação, a fez crescer no Fleury. Depois de comandar Pesquisa & Desenvolvimento, se tornou diretora-executiva da área Médica e diretora-executiva de Desenvolvimento de Negócios. E CEO.

Falar de um prêmio de Empreendedores para quem ocupa cargo executivo pode parecer desvio de finalidade. Mas no caso de Jeane isso não cabe. A cada minuto ela olha para a saúde do paciente ou a sustentabilidade do negócio com a mesma intensidade e o mesmo ponto focal: o que vem pela frente. Ela se define uma pessoa que busca continuamente o conhecimento. E por isso não teme apontar fragilidades. “Pessoas da liderança precisam continuar se aprimorando e buscando conhecimento o tempo todo.” As ondas de transformação e inovação, diz, serão cotidianas.

Descendente de japoneses, ela não foge a estereótipos atribuídos à cultura oriental. “Tenho algumas características, e talvez nem seja tão atenta a isso, de ser disciplinada.” Muito vem de sua trajetória familiar. E ela é bem reservada a respeito. Os pais ainda vivem no interior de São Paulo e Jeane tem um irmão mais velho, que é veterinário. Esse composto nuclear passa por sua formação inicial em Ribeirão Preto (SP), num ambiente em que a preocupação com a comunidade se assemelha com sua visão de mundo hoje. E que ela busca imprimir no Fleury. “A conexão que trago com minha origem é o propósito de promover saúde”, disse. “Como médica eu impactava muitas pessoas. Como gestora, impacto um número muito maior.”

OLHAR SISTÊMICO Esse senso de responsabilidade com o todo, e todos, explica muito de sua ascensão profissional. Um “olhar sistêmico”, para usar expressão que Jeane sempre traz. À frente do Fleury ela terá uma missão e tanto. No Investor Day do grupo, que aconteceu dia 12 de dezembro, a empresa definiu sua ambição em cinco anos — “tornar-se um dos principais players da saúde, reforçando sua posição nessa cadeia de valor e liderando a coordenação de cuidados integrados na jornada”.Jornada aqui envolve o ecossistema completo. De fornecedores a profissionais médicos, de seguradoras a pacientes. O organismo inteiro precisa estar conectado, funcional e saudável. “Eu me sinto privilegiada por estar numa organização que permite, né?”

Para realizar a meta, ela acredita firmemente que os soft skills farão a diferença nas corporações, nos cargos de gestão e para quem pensa como empreendedor. “Porque cada vez mais o mundo é de incertezas.” Segundo ela, esse cenário vai exigir diversidade, inclusão, colaboração… Um aprendizado que Jeane afirma ser decisivo às organizações. Para encerrar nossa conversa, perguntei se algo havia ficado escondido, ou não dito. “Não como sushi, nem sashimi.” Talvez tenha sido uma maneira elegante de dizer, sim, sou descendente de japoneses, mas também somos todos muito mais complexos e não cabemos em definições simplistas.