Nas duas últimas décadas, qualquer expansão a taxas muito acima da média é imediatamente batizada de “crescimento chinês”. A comparação refere-se ao ritmo acelerado do Produto Interno Bruto (PIB) da China, que se expandiu ao redor dos dois dígitos anuais entre 1990 e 2010. Apesar da desaceleração econômica, o mercado acionário local tem mantido o pique nos últimos tempos. Nos 12 meses findos na quarta-feira 27, o índice da Bolsa de Shangai subiu 143%, maior alta para um mercado acionário relevante nesse período no mundo. No entanto, na quinta-feira 28 o índice caiu 6,5%, a segunda maior baixa diária em dois anos.

A retração foi provocada principalmente pela queda das ações dos bancos e lançou uma sombra de desconfiança sobre os investidores em países emergentes ao redor do mundo. Intrinsecamente instáveis, os mercado de ações costumam ser um indicador confiável das expectativas, boas ou ruins, do mundo real. Problemas na segunda maior economia do mundo, com 1,5 bilhão de consumidores em potencial cortejados por empresários de todas as latitudes, podem ter efeitos devastadores sobre o Brasil, que transformou a China em seu principal parceiro comercial há dois anos.

A turbulência nas bolsas na China é uma ameaça ao Brasil? Do ponto de vista do mercado financeiro, não diretamente. Mesmo fazendo parte dos BRICS, a relação entre os pregões brasileiro e chinês é nula. Apesar de a BM&FBovespa ter fechado acordos de cooperação com bancos chineses na missão que veio ao País em meados de maio para fechar acordos de comércio e de investimentos, nada saiu do papel ainda. No entanto, solavancos em qualquer país emergente desestimulam os investidores globais a apostar nos demais membros do grupo.

“Existe uma correlação entre os mercados do Brasil e da China, mas não uma relação direta de causalidade”, diz Fernando Aldabalde, engenheiro carioca e sócio da gestora de recursos Áquila, com R$ 2 bilhões sob administração. Segundo o executivo, uma piora do humor com relação às ações chinesas pode impedir a chegada de alguns dólares por aqui. E os prognósticos não são bons. “O mercado financeiro chinês é menos maduro do que o brasileiro, e isso o torna mais volátil e menos previsível”, diz Aldabalde. “Não é possível saber se a queda da quinta-feira é um ajuste ou o início de uma derrocada maior.”

O que disparou a baixa da quinta-feira foi uma decisão do Banco do Povo, o banco central chinês, de apertar as regras de concessão de crédito por parte dos bancos locais. Das cinco ações mais negociadas no pregão de Shangai, quatro são de bancos. Atualmente, as instituições financeiras chinesas estão entre as maiores e mais alavancadas do mundo, e sua política de concessão de créditos tem sido muito agressiva. Muitas delas emprestam dinheiro às corretoras de ações, que financiam compras alavancadas de seus clientes, turbinando a alta das cotações. “Isso inflou os ativos e pode ter provocado um princípio de bolha especulativa”, diz Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da corretora paulista TOV.

“Nos últimos 12 meses, as cotações chinesas dispararam, ao passo que os índices globais permaneceram estáveis.” O maior problema, porém, passa longe dos solavancos dos mercados. Olhando-se apenas para os números do governo central, a China é um exemplo de prudência e poupança. Sua dívida pública é de apenas 30% do PIB, cerca de metade do percentual brasileiro e um terço do americano. No entanto, o governo chinês está consolidando trilhões de dólares em dívidas das províncias, que captaram recursos descontroladamente para financiar obras de infraestrutura. “Essa consolidação vai elevar a dívida para 230% do PIB chinês”, diz Silveira.

Com dívidas tão elevadas, o governo perderá a capacidade de adotar programas de estímulo econômico e terá de contrair o crédito, provocando uma desaceleração ainda maior da economia, avalia ele. A efetividade de acordos comerciais como os fechados em maio também fica reduzida. O impacto disso para o investidor brasileiro poderá ser sentido principalmente nas ações de empresas de commodities, especificamente mineradoras, como a Vale, e empresas de alimentos, como a BRF. “O que ocorre na China tem um impacto imediato sobre os preços das commodities”, diz Aldabalde. “E a baixa previsibilidade da economia chinesa deverá elevar a turbulência do mercado.”