DINHEIRO – O Iraque é uma boa opção de investimento para as empresas brasileiras?
JALAL JAMEL CHAYA – Com certeza, pois trata-se de um país que ficou 15 anos sem receber qualquer tipo de investimento, por conta do embargo econômico. O Iraque tem recursos para investir e sua população de 30 milhões de pessoas está carente de produtos e serviços.

DINHEIRO – E os empresários brasileiros estão sabendo tirar partido das oportunidades desse mercado?
CHAYA –
Infelizmente, não. Hoje, quem está liderando esse processo são Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Coréia do Sul, Egito e China.

DINHEIRO – O sr. diria que o Brasil ficou alijado porque não integrou a Força de Coalizão?
CHAYA –
Isso nunca teve qualquer influência. Basta dizer que a construtora Norberto Odebrecht começou a operar no país seis dias após a invasão, ocorrida em 2003. A China, que condenou o ataque, mantém um relacionamento muito estreito com o Iraque tanto no campo político quanto no econômico.

DINHEIRO – Como assim?
CHAYA –
Recentemente o governo chinês perdoou uma dívida do Iraque, no valor de US$ 3 bilhões, e ainda abriu uma linha de crédito para financiar a importação de produtos chineses. A estratégia de aproximação também inclui convites para que delegações do governo iraquiano conheçam o setor produtivo chinês. Sem contar os gestos de boa vontade como a doação de veículos para as forças de segurança. Com isso, os chineses estão conseguindo ocupar um lugar que já foi do Brasil, especialmente no setor da construção civil.

DINHEIRO – E o que deve ser feito, na sua avaliação, para recuperar esse espaço?
CHAYA –
É preciso que tanto o governo quanto os empresários brasileiros adotem uma postura mais agressiva na divulgação do potencial exportador do País. Além de promover a vinda de missões comerciais e diplomáticas, o Brasil deveria desengavetar o projeto de criação de uma linha de crédito de US$ 1 bilhão para financiar os importadores iraquianos. Tratase de uma proposta formulada na época do ministro Furlan (Luiz Fernando Furlan, ex-titular do Ministério do Desenvolvimento) que vamos tentar retomar com o ministro Miguel Jorge, atual titular da pasta.

DINHEIRO – E quais são as principais carências do Iraque?
CHAYA –
A lista é muito vasta, já que o setor produtivo, que já era incipiente, está totalmente sucateado. As sucessivas guerras também afetaram importantes instalações industriais pertencentes ao Estado. Em resumo, o Iraque precisa de tudo. E com a produção de petróleo a pleno vapor, empresas de diferentes países voltaram seus olhos para os petrodólares iraquianos.

DINHEIRO – Qual o orçamento deste ano para investimentos em infra-estrutura e outras áreas consideradas vitais?
CHAYA –
O governo estima gastar pelo menos US$ 50 bilhões. Boa parte disso será entregue à iniciativa privada, que hoje já responde por um terço da economia do país. Um quadro muito diferente da época de Saddam Hussein, quando o governo era o principal agente econômico com uma fatia de 95% do Produto Interno Bruto.

DINHEIRO – O motor da economia iraquiana é o petróleo, um segmento duramente atingido durante a invasão. As exportações de petróleo já se normalizaram?
CHAYA –
Hoje são processados 2,5 milhões de barris por dia. É um patamar 40% acima do verificado após a deposição do presidente Hussein, mas ainda é metade da capacidade, que é de cinco milhões de barris por dia.

DINHEIRO – Ainda levará muito tempo para resgatar a posição de um dos maiores produtores mundiais?
CHAYA –
Creio que não. O parlamento iraquiano acaba de aprovar a nova lei do petróleo que disciplina a atuação das empresas internacionais nas áreas de exploração, refino e distribuição. E isso deve impulsionar ainda mais o setor. Outro ponto positivo foi a definição do rateio, entre todas as províncias, dos ganhos gerados com as exportações. Na era Saddam a verba não era repartida de forma justa.

DINHEIRO – O seqüestro e morte do engenheiro brasileiro João José de Vasconcellos Júnior (da construtora Norberto Odebrecht) teve um grande impacto por aqui. A insegurança não seria o grande inibidor das empresas brasileiras que desejam apostar no Iraque?
CHAYA –
Trata-se de uma realidade que afeta companhias de qualquer nacionalidade. Contudo, é preciso observar que a maioria dos casos de violência ocorrem na região central, em torno da capital Bagdá. Nas províncias do norte e do sul do país a situação é mais tranqüila, com nível de criminalidade semelhante ao de cidades como São Paulo.

DINHEIRO – E como anda a atividade econômica nas regiões pacificadas?
CHAYA –
Uma área de grande efervescência econômica é o Curdistão, província que concentra cerca de sete milhões de habitantes e goza de estabilidade. Prova disso é que redes hoteleiras de prestígio mundial, como a Sheraton e a Meliá, construíram empreendimentos de alto padrão por lá. O objetivo é atender ao grande fluxo de viajantes que se utilizam dos dois aeroportos da região – situados na capital, Erbil, e em Suleimanya -, nas ligações semanais com grandes cidades européias. O motor desse crescimento foi a decisão do parlamento iraquiano que destinou uma verba anual de US$ 12 bilhões para investimentos na província. Trata-se de um resgate histórico, já que, apesar de responder por 25% da produção de petróleo, o local era alijado do rateio por questões étnicas e religiosas.

DINHEIRO – O que a Câmara Brasil Iraque está fazendo para ajudar os brasileiros a disputarem esse bolo?
CHAYA –
Estamos trabalhando para levar um grande número de companhias à Feira Internacional de Erbil, que começa em 26 de outubro próximo. Além de divulgar o evento, vamos negociar com a Agência de Promoção de Exportações (Apex), do Brasil, uma forma de o governo daqui bancar parte dos custos de participação dos brasileiros na feira.

DINHEIRO – O sr. acredita que eventos desse tipo podem viabilizar a ampliação das exportações do Brasil para o Iraque?
CHAYA –
Sem dúvida. Desde a fundação da câmara, em 2003, as vendas brasileiras vêm crescendo na proporção de 300% a cada ano. Atingimos o patamar de US$ 150 milhões em 2006 e a expectativa é bater, até o final de 2009, a marca histórica de US$ 630 milhões obtida em 1985. Na época, as vedetes eram frango, carne bovina e açúcar. Também havia uma grande participação dos setores de serviços (obras públicas) e de material bélico, sem contar os automóveis (basicamente o Passat, da Volkswagen), que fizeram muito sucesso por lá. Hoje, o Brasil tem muito mais produtos a oferecer ao Iraque.

DINHEIRO – Apesar disso, a pauta de exportação ainda está muito centrada em commodities. O Iraque tem condições de absorver itens mais nobres feitos no Brasil?
CHAYA –
Dinheiro não falta. A pauta limitada se deve ao desconhecimento, por parte dos importadores e do governo iraquiano, da capacidade da indústria brasileira. E a participação em eventos, como feiras e exposições, ajudam a ampliar a visibilidade dos produtos brasileiros naquele país. Mas devo ressaltar que mesmo timidamente já são vendidos artigos com maior grau de industrialização, como aparelhos de raio X, manômetros e transformadores.

DINHEIRO – Não seria o caso, então, de as empresas brasileiras montarem filiais no Iraque?
CHAYA –
Essa pode ser uma boa opção, já que as oportunidades, de fato, existem. O governo do Curdistão é um dos que estão dispostos a dar incentivos fiscais para atrair companhias de fora. Especialmente no setor de material de transportes (ônibus, caminhões, etc.), para o qual está sendo definido um pacote para viabilizar, por exemplo, a formação de joint-ventures com empresas locais. Creio que até o final deste mês teremos novidades a esse respeito.

DINHEIRO – E qual a vantagem de produzir localmente?
CHAYA –
A principal é a redução de custo fixo, com a eliminação do frete marítimo, e a possibilidade de cobrir todo o país. Além, é claro, de gerar uma empatia com os consumidores, que veriam essas marcas como indutoras do desenvolvimento do Iraque. Quem entra primeiro sempre tem mais chances de conquistar um mercado sedento de tudo.

DINHEIRO – Existe mão-de-obra especializada para dar conta de tarefas que exijam alto grau de especialização?
CHAYA –
Estou certo que sim. A taxa de analfabetismo do país é zero. O único legado da era Saddam Hussein foi a cultura. A educação era obrigatória e o governo bancava desde o ensino fundamental até a pós-graduação. Na construção civil, por exemplo, os engenheiros e os operários iraquianos são reconhecidos mundialmente.

DINHEIRO – Além do Curdistão, alguma outra região do Iraque apresenta potencial semelhante?
CHAYA –
As perspectivas são boas também no sul do país. Em Najaf está sendo erguido o maior aeroporto do Oriente Médio. O objetivo é criar uma estrutura para dar suporte ao turismo religioso da segunda mais importante cidade sagrada para os muçulmanos. A primeira é Meca (Arábia Saudita). Os peregrinos representam um fantástico contingente de consumidores.

DINHEIRO – Pode-se dizer que as relações diplomáticas entre o Brasil e o Iraque são harmônicas?
CHAYA –
Com certeza. O povo iraquiano sempre elogiou a neutralidade dos brasileiros nos conflitos vividos por aquele país. A “marca Brasil”, seja pelo futebol, seja pelos produtos que o País já exporta para lá, sempre foi muito bem vista pela população.

DINHEIRO – E qual o balanço da atuação da Câmara de Comércio e Indústria Brasil Iraque?
CHAYA –
Nos últimos três anos já promovemos a vinda de seis missões comerciais iraquianas ao Brasil. Também montamos uma feira comercial em Amã (Jordânia), em setembro de 2005, que reuniu 47 expositores brasileiros e recebeu 1,8 mil visitantes. A Jordânia é um país-chave quando o assunto é o Iraque, porque ele concentra cerca de três milhões de expatriados iraquianos, muitos dos quais são empresários. Foram eles que abasteceram o Iraque durante os anos de embargo econômico e hoje continuam a ter um peso importante nas vendas ao Iraque.