DINHEIRO ? Como surgiu a idéia de dedicar uma sondagem de opinião sobre a China?
FLÁVIO CASTELO BRANCO ?
Nós fazemos trimestralmente uma sondagem especial da indústria, sempre temática. Escolhemos um assunto e o aprofundamos. Nesta primeira sondagem de 2007 decidimos pela China, obviamente pela crescente importância do país nos mercados internacionais. A pesquisa aborda duas visões: a concorrência das mercadorias brasileiras com os produtos chineses no Exterior e também no mercado brasileiro.

DINHEIRO ? Não houve, então, uma demanda por parte de empresários interessados no tema?
CASTELO BRANCO ?
De certo modo. Estávamos muito preocupados com a China, mas a sugestão que deu início à pesquisa partiu da Federação das Indústrias de Santa Catarina, o Estado que tem setores muito afetados pela concorrência, como a indústria têxtil, de vestuário, a moveleira e também de eletro-eletrônicos.

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“Três em cada quatro empresas têxteis estão perdendo espaço internamente”

 

 

DINHEIRO ? Se é possível resumir, qual foi a principal conclusão da sondagem especial sobre a China?
CASTELO BRANCO ?
A concorrência é crescente. Ela se intensifica não apenas internamente, mas também nos terceiros mercados. As empresas brasileiras que exportam sofrem com a concorrência dos produtos chineses. E já se verifica perda da participação relativa das empresas brasileiras tanto lá fora como no Brasil.

DINHEIRO ? No mercado doméstico, quais são os setores que mais sofrem? A indústria de brinquedos faz parte da lista?
CASTELO BRANCO ?
A concorrência é crescente, mas bastante localizada nos setores têxtil, de vestuário e de calçados. Três em cada quatro empresas têxteis registram queda na participação de vendas no mercado interno. E 60% das empresas de calçados também foram atingidas. Os fabricantes de brinquedos não estão incluídos porque a sondagem obedece a classificação de atividades econômicas do IBGE. Precisaríamos descer a filtros menores para identificar o setor. Mas certamente a concorrência no segmento também é forte.

DINHEIRO ? O que as empresas brasileiras podem fazer para enfrentar a ameaça chinesa?
CASTELO BRANCO ?
Há duas linhas de ação. Primeiro, reduzir custos. Uma das principais características do produto chinês é o baixo custo. Assim, para 48% das empresas ouvidas, a primeira forma de enfrentar a concorrência é trabalhar este ponto. No caso das grandes empresas, o percentual de respostas nessa direção é de 61%. Outra linha é a mudança na qualidade do produto. O pensamento é: já que não vou conseguir enfrentar o chinês no campo dele, no custo, tenho que encontrar outra frente. Melhorar a qualidade e criar um novo mix de produtos. Enfim , me diferenciar do produto chinês. São estratégias complementares.

 

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“A Embraer tem fábrica na China e é um exemplo a ser seguido pelas empresas”

 

DINHEIRO ? Quais são as ações mais freqüentes para reduzir os custos?
CASTELO BRANCO ?
Pode-se aumentar a produtividade, buscando novas tecnologias. Também eliminar ineficiências. Mas há um limite. Isso depende da capacidade de reação de cada empresa. Num mesmo setor vamos encontrar grupo com capacidade de reação e outros sem. Ou porque não percebem rapidamente a concorrência ou porque não conseguem dar a resposta adequada.

DINHEIRO ? Há notícia de empresas nacionais que desistiram do negócio devido ao aumento da concorrência chinesa?
CASTELO BRANCO ?
Muitas empresas escolheram outros caminhos para deixar de concorrer com produtos chineses. Algumas deixaram de exportar.

DINHEIRO ? Temos condições de competir em termos de qualidade, de design e de diferenciação da marca?
CASTELO BRANCO ?
Sim, um caminho é se diferenciar da concorrência. Porém, é preciso tomar cuidado com a mística de que o produto chinês é de má qualidade. Hoje, grandes empresas como a Ericsson, a Honda e a Volkswagen produzem na China. Na área de calçados, a Mizuno e a Nike estão lá. Claro que também existe muito produto de péssima qualidade. Mas não podemos misturar as coisas. O que nos ameaça hoje não são esses produtos. Não se trata mais de bugigangas. É exatamente o produto com boa qualidade que compete com custos mais favoráveis do que o nosso.

DINHEIRO ? Na divulgação da sondagem foi ressaltado que reserva de mercado e salvaguardas não são suficientes para atacar o problema. O que fazer, então?
CASTELO BRANCO
? Se existe fraude, cópias piratas, por exemplo, é um problema específico e existem meios para combatê-la. É uma questão de polícia alfandegária. Se há competição desleal, vamos usar os mecanismos de defesa comercial, as salvaguardas, os mecanismos antidumping. Precisamos de uma estratégia de competição não só com a China, mas principalmente com este país que é o grande competidor que emerge no mercado internacional. Precisamos adequar as condições de concorrência do produto brasileiro a esse ambiente internacional mais competitivo.

DINHEIRO ? E quais são esses fatores desfavoráveis?
CASTELO BRANCO ?
Um caso típico é o sistema de relações de trabalho antiquado. É claro que não vamos implantar um sistema chinês, porém não podemos continuar com um sistema tão pouco flexível. Já é tempo de desonerar a produção e, com isso, ter capacidade de utilizar melhor os nossos recursos. Um segundo ponto: nossa logística é péssima. É um problema diagnosticado há muito tempo, mas os avanços são pequenos. Mesmo no mercado interno, há problemas para transportar mercadorias. Outro entrave é o custo de capital. O nosso sistema financeiro tem sofisticação, mas o nosso custo é muito mais alto do que o chinês. O BNDES, por exemplo, foca seus empréstimos em grandes empresas e poderia adotar uma política de crédito mais horizontal. Deve-se pensar na democratização do acesso ao crédito, em termos de garantias e custo de transação.

DINHEIRO ? E temos também uma carga tributária recorde.
CASTELO BRANCO ?
Não há termo de comparação entre a carga tributária brasileira e a de países que concorrem conosco, como China e Índia. Não é que a deles seja muito baixa, a nossa que é muito alta. Temos uma estrutura de relações de trabalho herdada de sistemas europeus do passado, sem estruturas tão eficientes quanto a desses países. Carregamos os defeitos e não as vantagens. E aí, na competição com os países emergentes, entramos em desvantagem.

DINHEIRO ? Não é de hoje que esses temas estão em discussão. Mas pouco se avança.
CASTELO BRANCO ?
Essa agenda tem andado de forma lenta. Não é questão de mapear os problemas. Isso já foi feito há muito tempo. É questão de ter uma estratégia de enfrentamento, de superação para adaptar a economia brasileira a esse tempo de concorrência. As mudanças no mundo são rápidas e a capacidade de adaptação também deve ser. Um exemplo: desde 1995 o Brasil discute a reforma tributária. Tivemos todo o governo Fernando Henrique e o primeiro mandato do governo Lula, e nada. Melhorou alguma coisa, mas em outros aspectos só piorou. A carga tributária aumentou. Tem a CPMF, um imposto distorcido. O Cofins, idem. E lá se vão 12 anos discutindo a reforma. Em resumo, a economia não se adequou às mudanças que o País enfrenta ao se tornar cada vez mais integrado à economia mundial.

DINHEIRO ? E a concorrência com a China no mercado externo é tão forte quanto no mercado doméstico?
CASTELO BRANCO ?
Sim, 58% das empresas brasileiras que concorrem com os chineses em terceiros mercados já perceberam redução nas vendas. Uma parcela pequena já parou de exportar, 7%. Como último recurso, algumas empresas começaram a produzir na China. Isso já se observa no caso dos eletrônicos, de vestuário e calçados.

DINHEIRO ? A iniciativa de produzir na China, para se manter competitivo, interessa à economia brasileira?
CASTELO BRANCO ?
Se for uma transferência de produção doméstica para lá, com certeza não. Agora, se é uma forma de a empresa brasileira se manter competitiva no mercado internacional, a iniciativa é positiva. A companhia estará atuando como uma multinacional. Isso é bom. Mas se as atividades dela aqui começam a definhar em troca do aumento da presença na China, aí seria uma perda para o País. Um exemplo positivo é o da Embraer: montou uma fábrica na China para atender ao mercado local, mas em benefício de suas operações no Brasil.

DINHEIRO ? Também perdemos espaço para a Índia?
CASTELO BRANCO ?
Pode ser. Não temos um mapeamento que nos permita afirmar com certeza. A Índia tem uma presença mais forte em serviços, e não em produtos.

DINHEIRO ? O Brasil, em suma, tem de pensar numa estratégia para enfrentar a concorrência no mercado internacional.
CASTELO BRANCO ?
Ações de defesa comercial são necessárias e o País deve lançar mão delas sempre que for o caso. Deve-se também combater a concorrência desleal. Mas o problema com a China é mais amplo do que isso. Salvaguardas atenderiam às necessidades da concorrência no mercado doméstico, mas não no internacional. Outro fator é que as ações de defesa comercial têm prazo limitado e foco específico. Hoje os chineses são muito fortes em apenas alguns setores, mas estão crescendo rápido e de forma diversificada. E aí temos de adequar o nosso ambiente de competitividade aos padrões internacionais e ao padrão chinês. A agenda das nossas transformações passa pelo custo de capital, regulação, burocracia, relações de trabalho, logística, etc.

DINHEIRO ? Até que ponto a apreciação do câmbio também é um fator negativo?
CASTELO BRANCO ?
Esse é um problema além da China. Na verdade, a China também tem um câmbio extremamente valorizado e sustenta isso por um longo período. Nós, ao contrário, tivemos nos últimos três anos um aprofundamento da valorização da moeda. O que intensifica a competição. Todo mundo se valorizou em relação ao dólar. Mas nós nos valorizamos mais. O câmbio, porém, é uma circunstância. Já a concorrência com a China é uma realidade que veio para ficar.

DINHEIRO ? A decisão da China de crescer menos nos próximos anos nos tranqüiliza?
CASTELO BRANCO ?
Crescimento menor em termos. Passar de 10% para 8% ao ano não é muito diferente.