DINHEIRO ? O governo tem demonstrado preocupação com a rápida expansão dos financiamentos no País. Por isso, ora estimula o crédito, ora restringe. Como fica a indústria nesse vaivém?   

CLAUDIO ROSA JUNIOR ? Nos planejamos sempre para o longo prazo. Essas oscilações afetam, mas estamos de olho no Brasil a daqui alguns anos. No mês passado, o governo anunciou medidas para segurar o financiamento de longo prazo. Recebi o anúncio de restrição ao crédito muito fácil com bons olhos. É realmente importante evitar a criação de bolhas. O mercado não pode ser artificial, e mudar de uma hora para outra. 
 

DINHEIRO ? Mas grande parte da indústria não gostou das medidas.

ROSA JR. ? Acho que para as empresas que são reconhecidamente sólidas no mercado brasileiro a questão do crédito impacta menos. Se olhamos para o desempenho de vendas da Honda, a líder do mercado de motocicletas no País, percebemos que as vendas aumentaram. O market share da Honda subiu de 71% para 78%. O mercado caiu, mas ela cresceu. Nós, da Kasinski, também atingimos recorde de vendas, apesar do crédito mais restrito. O custo do financiamento subiu, é verdade. Mas crescemos mesmo assim. Foi nosso melhor mês tanto em emplacamento quanto em vendas.
 

DINHEIRO ? O setor de motos está se recuperando mais lentamente do que os demais. Por quê?

ROSA JR. ? Além do impacto do crédito, tivemos isenção de PIS e Cofins, que representa apenas 3,65% do preço. Não pagamos IPI em Manaus, onde produzimos na Zona Franca. Quando o crédito começou a retomar, as financeiras priorizavam o financiamento de automóvel, mais seguro em caso de inadimplência. A cada R$ 100, R$ 98 iam para automóvel e R$ 2 eram direcionadas para motos. Depois eles começaram a aumentar o volume de crédito para motos, mas de forma muito mais seletiva. Por isso, a recuperação é mais lenta. 

 

 

DINHEIRO ? O crédito já está normalizado?


ROSA JR. ? No caso do volume de crédito para o setor, está próximo dos níveis pré-crise. Essa questão do crédito era tema de quase todas as perguntas dos executivos chineses da Zongshen, dona de 50% da Kasinski. Nós acertamos ao investir no pior momento da crise. Quando houve a retomada, estávamos preparados. Como podíamos em meio à crise investir tanto? Nós somos fabricantes de motocicletas, e o Brasil é importante na estratégia da companhia. Sabemos que daqui a 15 anos ainda estaremos fazendo motos. Isso dá perenidade ao negócio e segurança às financeiras e concessionários. 

 

 

DINHEIRO ? E se o governo voltar a esfriar o consumo, restringindo ainda mais o crédito?


ROSA JR. ? Se houver restrições mais severas, os chineses estão preparados para intervir. A  China quer, e pode, financiar o consumo no Brasil via empresas chinesas. Qual instituição financeira não se interessa por um país que cobra uma taxa de juros de 2% a 2,3% por mês nos financiamentos? É uma taxa rentável e que interessa aos bancos chineses. Várias grandes instituições já nos procuraram para entrar no Brasil. Estamos conversando. Dessa forma, poderemos oferecer fi-nanciamento próprio, com dinheiro chinês, sem a necessidade de captar aqui no País.

 

 

DINHEIRO ? Sempre que se fala em investimento chinês no Brasil, os empresários locais se assustam. Como uma empresa chinesa como a Kasinski lida com isso?


ROSA JR. ? Aqui no mercado brasileiro de motos não existe fabricante nacional. Existem os japoneses, que estão no País há muitos anos. Sob o prisma dos japoneses, nós da CR Zongshen somos um bom concorrente. Produzimos no mesmo lugar, com condições semelhantes de custos, disputamos os mesmos consumidores e seguimos a mesma legislação tributária. No nosso caso, criticar apenas porque somos de capital misto chinês não faz sentido. 

 

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“O País tem uma moto para cada 14 habitantes. O mercado ainda pode dobrar”

Congestionamento de motos em rua do centro de São Paulo

 

 

DINHEIRO ? Seus concorrentes têm esse mesmo olhar?


ROSA JR. ? Há diversas formas de encarar. O chinês está realmente com muito apetite pelo Brasil. As metas sempre são superousadas. A China não vai medir esforços para conquistar o mercado brasileiro. Não se trata de apenas comprar e vender. Os chineses querem saber o que precisam fazer para ampliar rapidamente a participação no mercado. Do investimento em fábricas até a  expansão da estrutura da rede, passando pelo apoio ao financiamento das motocicletas. Os chineses estão trabalhando forte em vários segmentos para ampliar participação em todos os países. Por isso, existe tanto temor em relação a eles. Nunca é fácil competir com eles, mesmo em condições iguais de custos.

 

 

DINHEIRO ? As motos da Kasinski, embora fabricadas em Manaus, são chinesas. E, no Brasil, produto chinês é tido como produto de baixa qualidade. Como trabalhar esse obstáculo? 


ROSA JR. ? Não há muito mistério. Na China existem vários tipos de fabricantes. Existem produtos de baixa qualidade, mas também há muito produto de altíssima qualidade. Nós somos chineses, sim, mas estamos em linha com as demais fabricantes mundiais. Temos joint venture com a italiana Piaggio, que é referência em qualidade e design, e por intermédio dela entramos no mercado europeu. Faltava apenas um alfinete no mapa do continente americano. Espetamos um no Brasil. Afinal, somos um dos maiores grupos privados da China. 

 

 

DINHEIRO ? Para o consumidor, ser grande é ser bom?


ROSA JR. ? É garantia de solidez e prova de que sabemos como fazer. A Zongshen fabrica dois milhões de motos por ano no mundo, o equivalente à produção prevista para o Brasil em 2011. Mais de 90% dessa produção fica na China, mas temos unidade na Tailândia e no Brasil. Além disso, uma prova de que apostamos no nosso produto é a nossa estratégia para o País. Somos os primeiros a oferecer motocicleta com três anos de garantia. Isso avaliza a qualidade e a força de nosso grupo. No quesito roubo, decidimos fazer uma parceria com a Porto Seguro para oferecer um ano de seguro completo grátis, que inclui assistência 24 horas. Quem mais oferece isso? 

 

 

DINHEIRO ? Qual é a estratégia?

 

ROSA JR. ? Basicamente, variedade de produtos, assistência no pós-venda e confiabilidade. Quando a Zongshen chegou ao Brasil, tinha planos de lançar sete modelos no mercado local. Com a compra da Kasinski, não só lançamos os sete como também ampliamos com outros cinco modelos coreanos. Com esses 12 novos produtos, conseguimos registrar um crescimento de 308% em vendas e passar a japonesa Suzuki, assumindo a quarta posição.

 

 

DINHEIRO ? É a mesma estratégia usada no mercado chinês?


ROSA JR. ? O mercado chinês só produz  motos de até 250 cilindradas. Durante muito tempo a legislação chinesa proibia a comercialização de motos grandes, de alta cilindrada. Com esse empecilho, a China é um mercado gigantesco para motocicletas pequenas, mas o de alta cilindrada ainda é pequeno. Temos no Brasil um modelo certo de negócio. 

 

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“O Brasil tem uma matriz energética limpa, ideal para desenvolver motos elétricas”

Usina hidrelétrica no interior de São Paulo 

 

 

DINHEIRO ? Qual a razão desse crescimento tão rápido?


ROSA JR. ? De 2008 para cá, o mercado caiu. O principal vilão foi o crédito. Mesmo hoje, ainda não retornamos ao patamar de dois anos atrás. Está previsto para 2011 o mesmo patamar. E não era uma bolha. A média de crescimento do setor no País vinha dentro da média mundial. A tendência agora é voltar ao ritmo de crescimento.

 

 

DINHEIRO ? O mercado de motos já não está saturado?


ROSA JR. ? No Brasil há uma motocicleta para cada 14 habitantes. Existe espaço para chegar a uma relação de uma moto para cada sete. Isso mais do que dobraria o mercado. 

 

 

DINHEIRO ? O que diferencia o Brasil dos demais mercados?


ROSA JR. ? O Brasil já é um dos maiores mercados mundiais de motocicletas, atrás de China, Índia e Indonésia. A diferença entre eles é grande demais. O mercado chinês consome 27,5 milhões de unidades por ano, comparados a 8,4 milhões da Índia e 6,2 milhões do mercado indonésio. Embora o Brasil seja um mercado de dois milhões de motos por ano, na quarta posição do ranking, é importante mercado mundial. Mas existem,  peculiaridades no Brasil. A principal é que o consumidor aqui é muito mais exigente em termos de qualidade de produtos e serviços. 

 

 

DINHEIRO ? Quais são as outras características?


ROSA JR. ? Um ponto é a questão do financiamento. Só aqui há consórcio e financiamento de tão longo prazo. Isso é bom. Mas, de todas as características, uma que se destaca é o potencial para veículos elétricos, incluindo motos elétricas, que já produzimos. O Brasil tem uma matriz energética limpa. Se levarmos em conta que a eletricidade no País é gerada em hidrelétricas, não por meio da queima de combustíveis, chegaremos à conclusão de que, sob o ponto de vista ambiental, o Brasil é ideal para o desenvolvimento de motos elétricas. Estamos apostando nisso.