DINHEIRO ? Os dados mais recentes mostram que a economia chinesa está crescendo menos do que o esperado. Como a sra. avalia as perspectivas para a China em 2012?

ANITA FUNG ? É verdade que, se compararmos os números do primeiro trimestre de 2012 com o mesmo período do ano passado, vamos ver uma redução no ritmo de crescimento. As causas são muito fáceis de apontar. Houve uma desaceleração nas exportações e também na produção industrial, e isso ocorreu principalmente por causa da redução do ritmo de atividade econômica em mercados consumidores importantes para a China, como os Estados Unidos e a Europa. No entanto, se olharmos para um prazo mais longo, não é possível dizer que haverá uma queda abrupta nos resultados da economia do país, em 2012. Nos planos divulgados para este ano, a meta de crescimento estabelecida pelo governo foi de 7,5%. Isso não quer dizer que as autoridades econômicas em Pequim esperem um crescimento desse porte. Esse número funciona como o piso de uma banda de crescimento esperado. Somos mais otimistas. Na nossa avaliação, o crescimento deverá ser de 8,6% neste ano, o que é um resultado bastante sólido e em linha com os resultados recentes. 


DINHEIRO ? O que mudou, então, em relação aos anos anteriores?

FUNG ? O governo está deixando cada vez mais evidente sua preocupação com a inflação. As metas para 2012 são de um aumento de preços da ordem de 4%, o que significa uma vigilância mais estrita sobre os preços. A grande questão que está colocada para as autoridades em Pequim, então, é como evitar uma desaceleração abrupta, aquilo que tecnicamente é chamado de ?hard landing?, ao mesmo tempo que se cumprem as metas de inflação e se reorienta o funcionamento da economia para dar mais atenção ao mercado interno. A inflação está muito mais bem controlada atualmente, quando comparamos, por exemplo, com os resultados de 2010 e 2011. Por isso, na nossa avaliação, há bastante espaço para que o governo seja bem-sucedido nessa tarefa. 

 

DINHEIRO ? Por quê?

FUNG ? Mesmo com uma redução no crescimento, no início do ano, a situação do governo chinês é uma das mais confortáveis do mundo. Pequim mantém mais reservas em moeda forte do que qualquer outro país, e a situação fiscal permite muito espaço para promover políticas que estimulem o crescimento. Os instrumentos à disposição do governo chinês vão além da mera alteração das taxas de juros. Eles também passam pela possibilidade de realizar investimentos em infraestrutura e pela alternativa de alterar a orientação da economia de modo a privilegiar um pouco mais o crescimento do mercado interno. Outro ponto importante a considerar são as mudanças estratégicas divulgadas em 2011.

 

DINHEIRO ? Quais são elas?

FUNG ? No ano passado, a China divulgou o décimo segundo plano quinquenal, que determina como o governo vai gastar seus recursos e para onde vai direcionar a economia. A principal alteração em relação aos planos anteriores é uma mudança na estratégia de crescimento. Em vez de se dedicar apenas a uma expansão quantitativa da economia, o governo está mais preocupado com a qualidade desse crescimento. Ou seja, questões como melhorias na saúde pública, nos hospitais, na educação e na seguridade social ganharam importância na formulação das políticas públicas. 

 

DINHEIRO ? Não há riscos? Por exemplo, fala-se muito da situação dos bancos chineses.

FUNG ? Há alguns riscos, sim. Há desequilíbrios orçamentários nos governos provinciais e nos das maiores cidades. Há um mercado de terras não oficial que é bastante ativo e que pode provocar movimentações de dinheiro na economia. No entanto, esses problemas são pontuais, e o governo está atento a eles.

 

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Consumidora em Pequim aproveitando ofertas de liquidação em loja na capital.

 

DINHEIRO ? E com relação aos bancos?

FUNG ? Os bancos chineses estão em uma situação muito boa. Eles têm boas reservas de capital e não descartamos a hipótese de o governo promover um afrouxamento das exigências de capital dos bancos, o que dará às instituições financeiras mais espaço para emprestar. A boa situação fiscal do governo permite esse afrouxamento, e o destravamento do mercado de crédito é mais um elemento que estimula o crescimento econômico. Tudo isso representa uma mudança de abordagem nas estratégias de crescimento, e as implicações macroeconômicas são bastante profundas, e abrem enormes oportunidades de negócio no mundo todo.

 

DINHEIRO ? Como os empresários, em especial os brasileiros, poderão aproveitar essas oportunidades?

FUNG ? O fato de as empresas chinesas terem bastante espaço para crescer no mercado interno abre muito espaço para os empresários brasileiros. O Brasil é um dos parceiros mais relevantes para a economia chinesa. Nosso trabalho no banco é prospectar oportunidades de negócio para empresas chinesas que queiram operar por aqui e vice-versa. E notamos que a integração entre os dois países está cada vez mais profunda. Mais do que apenas vender matérias-primas, as empresas do Brasil podem buscar parcerias com contrapartes na China. Nesse aspecto, há um interesse crescente das empresas chinesas em se associar com companhias brasileiras para garantir o fornecimento de matérias-primas.

 

DINHEIRO ? E quanto aos investimentos em ativos brasileiros?

FUNG ? Aumentar a exposição a investimentos internacionais, tanto diretos quanto em portfólio, é claramente uma das prioridades do governo em Pequim. Boa parte desse movimento vem por meio das agências estatais de promoção e dos bancos, mas notamos uma mudança recente e muito significativa no mercado financeiro, que está muito mais aberto.

 

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Plantação de soja no Cerrado brasileiro.

 

DINHEIRO ? Em relação à emissão de títulos chineses?

FUNG ? Sim. Já há um mercado bastante ativo de títulos denominados na moeda chinesa, mas são transações realizadas fora da China, no mercado internacional. O que está ocorrendo agora é um crescimento acelerado das emissões no mercado doméstico chinês, ou seja, investidores comprando títulos chineses denominados no yuan. Nos últimos dois anos, as emissões que usaram bancos de Hong Kong para estruturar as operações chegaram a 230 bilhões de yuanes, o equivalente a US$ 36 bilhões. Na emissão mais recente de títulos do governo, notamos, pela primeira vez, que 60% dos investidores eram dos Estados Unidos, da Europa e, em menor escala, da América Latina. Ou seja, apenas 40% dos compradores desses papéis vieram da Ásia. Isso representa uma mudança muito grande em relação ao passado. Os títulos chineses entraram no radar dos investidores que querem diversificar suas aplicações.

 

DINHEIRO ? O que justifica essa demanda por papéis lastreados na moeda chinesa?

FUNG ? Em primeiro lugar, a solidez do devedor. A situação da China é sólida, e permite que o investidor compre os títulos sem temor. Em segundo lugar, o governo está promovendo uma modernização do mercado financeiro. Por meio de emissões, as autoridades estão construindo o que se chama de curva de juros (yield curve, em inglês), que permite ao investidor calcular adequadamente a relação entre o risco e o retorno de um determinado papel. Com tudo isso, os prognósticos são de uma demanda forte pelos títulos chineses.


DINHEIRO ? Mesmo com as restrições no mercado cambial? O yuan não é conversível e também há uma crítica de que a correção de sua depreciação em relação ao dólar vem sendo lenta demais. 

A sra. concorda?

FUNG ? Boa parte das dificuldades referentes à falta de conversibilidade da moeda chinesa já estão sendo resolvidas. A expectativa do mercado atualmente é de uma continuidade da apreciação do yuan em relação ao dólar. Em 2005, quando a China começou com sua política de tornar as taxas de câmbio mais flexíveis, a taxa de apreciação era de 1% ao ano. No ano passado foi de 4,5% e nos últimos cinco anos a correção é de 30%. Essa não é a única mudança. Recentemente, as autoridades ampliaram a flutuação máxima diária do yuan em relação ao dólar, que era de 1% e passou para 2%. Isso não quer dizer que haverá uma depreciação ou uma apreciação diária do yuan nesse porte, mas que o mercado poderá oscilar. Essa flexibilidade maior oferece mais conforto ao investidor e garante um bom funcionamento do mercado.