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Leonardo em Florença: ?Esse negócio está no DNA da família e na nossa história?

 

A Via Tornabuoni costuma ser apresentada pelos florentinos como a sala de visitas da sua linda cidade. Ali, em 500 metros de uma rua estreita, quase sinuosa, encontra-se a maior concentração de luxo e elegância do planeta. Gucci, Versace, Armani, Tiffany, Hermés… Ao todo são 26 grifes famosas alinhadas lado a lado, suas vitrines disputando a atenção dos turistas que percorrem as calçadas estreitas da capital dos Medici. Pois é na extremidade dessa rua célebre, num edifício renascentista de quatro andares com vista para o rio Arno, que se encontra a sede física e espiritual da mais importante casa de moda da Itália. Salvatore Ferragamo. E é desse mesmo local, o palácio Spini Ferroni, erguido em 1289, que a família Ferragamo lança seus olhos sobre o mercado mais importante da América Latina, o Brasil. A marca que faz os sapatos mais cobiçados do planeta desembarcou no País há poucos dias, com uma loja de 160 metros quadrados no Shopping Iguatemi de São Paulo. Também cogita em trazer para o Brasil a sua recente e bem-sucedida experiência no ramo de hotéis. E na semana passada, falando à DINHEIRO em seu gabinete do palácio Feroni, Leonardo Ferragamo sonhava em conquistar consumidores brasileiros para outro empreendimento da empresa, a construção de veleiros esportivos com a exclusiva marca finlandesa Nautor. ?Nós conhecemos bem os brasileiros e temos consumidores muito leais no País?, diz o financista da família e maestro dos novos negócios do Grupo. ?Sempre estamos abertos a novas oportunidades no Brasil.?

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Antes que alguém desdenhe o desembarque italiano como o de mais uma grife estrangeira chegando ao Brasil, é favor tomar nota de um fato: mais que uma marca, Ferragamo é uma lenda erguida em oito décadas de produção de artigos de luxo. E como toda lenda, essa tem origem num lugarejo remoto ? Bonito, a 100 quilômetros de Nápoles ? de onde o sapateiro Salvatore Ferragamo partiu aos 13 anos para conquistar a América, deixando para trás uma família de 14 irmãos. Corria o ano de 1911. Treze anos depois, o jovem peninsular já era dono da Hollywood Boot Shop, em Los Angeles, onde astros como Rodolfo Valentino e Mary Pickford encomendavam sapatos sob medida. Àquela altura Ferragamo já havia elevado o desenho e a fabricação manual de sapatos ao status de arte superior. Foi o primeiro a fazer sapatos abertos e sandálias para as mulheres. Lançou mão pela primeira vez de materiais inusitados como cortiça e nylon. Tratou conforto e durabilidade com intransigência religiosa, produzindo, ao final, os sapatos mais bonitos e duráveis que o dinheiro podia comprar.
?Meus sapatos têm de satisfazer inteiramente as pessoas para quem são desenhados?, dizia. ?A força do meu nome caminha em cada par de sapatos que eu vendo.? Ao morrer, em 1960, Salvatore havia voltado à Itália. Era ao mesmo tempo o Michelângelo dos sapatos e o Medici do renascimento florentino do pós-guerra, responsável por uma onda de glamour que fez de Florença um centro de peregrinação de consumo, visitada por personalidades como Sofia Loren, Greta Garbo e Audrey Hepburn.

 

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Salvatore em Hollywood: O fundador da dinastia dos sapatos imigrou para os EUA aos 13 anos

 

Na nova loja do Shopping Iguatemi, em São Paulo ? uma franquia administrada pelo mesmo grupo que detém as lojas Via Venetto, Brooksfield e Harry?s ? respira-se essa tradição, impregnada ao couro das bolsas e dos sapatos. Os preços são altos, como em qualquer loja do gênero, mas a clientela tem respondido bem. ?As vendas têm sido muito boas?, afirma Mariana Naffralla, administradora e sócia da franquia. Como em toda parte, parece haver entre os brasileiros uma disposição crescente em pagar pelos produtos de luxo. ?Na última década as pessoas se tornaram mais atentas às questões de qualidade e durabilidade, além da estética?, afirma Leonardo Ferragamo. Houve uma expansão brutal no topo da pirâmide de consumo, com a incorporação das classes médias e de novas regiões do planeta. A Ásia, por exemplo, foi responsável por 46% do faturamento do grupo no ano passado. É mais que toda a América (31%) e a Europa (22%). Ainda que momentos de incerteza econômica como o atual reduzam as vendas, a indústria da moda move-se num patamar inimaginável para seus fundadores. ?O mercado hoje é incomparável com aquele que meu pai conheceu?, diz Leonardo. No ano passado a família faturou cerca de US$ 650 milhões (80% com moda), empregou 6 mil pessoas e ofereceu seus produtos em uma rede global de 400 lojas. Dos sapatos femininos celebrizados por Salvatore a marca cresceu para acomodar toda espécie de roupas e acessórios, tanto masculinos quanto femininos, incluindo perfumes e óculos. Aprendeu a vestir seus clientes dos pés à cabeça. No processo comprou a Ungaro francesa e enveredou pela administração de hotéis de estilo ? são cinco, todos em Florença, entre eles o Savoy e o Lungardo. ?Temos tido muita satisfação com esse novo negócio?, diz Leonardo. Em 2001 os hotéis levaram nada menos que US$ 30 milhões aos cofres da família. ?Vamos expandi-lo.?

Bronzeado e simpático. Aos 49 anos, bronzeado e simpático, Leonardo Ferragamo é um dos responsáveis diretos pela atual fisionomia do grupo. Quarto dos seis filhos de Salvatore e Wanda Ferragamo, ele tinha apenas sete anos quando o pai morreu. Viu a mãe viúva tomar a rédea da empresa (que mantém até hoje) e a irmã mais velha, Fiamma, falecida em 1998, agigantar-se como estilista e administradora. Assim como os irmãos, cresceu nos corredores do palácio Ferroni e nas pequenas oficinas onde se projetavam e produziam os artigos da marca. Ao final do colégio mergulhou sem hesitação no negócio da família e presidiu sobre um dos períodos de transformação mais acelerada da companhia. Só teve tempo de matricular-se numa escola de administração suíça aos 27 anos. ?Foi um dos melhores períodos da minha vida?, lembra o empresário. ?Eu trabalhava muito, mas gosto muito de trabalhar.? O fato é que sob Leonardo a Ferragamo tornou-se uma marca e uma empresa internacional. E deixou de ser uma elegante fábrica de sapatos para converter-se numa gigantesca usina de moda.

 

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Gosto pelo mar: Leonardo e a família dividem a paixão pela vela

 

Na semana passada, sentado em um dos salões no primeiro andar do palácio Ferroni, cercado por gravuras originais do século XVI, o empresário falava do seu trabalho sem afetação ou soberba, em uma das poucas entrevistas que deu na vida: ?Esse negócio está no DNA da família?. Todos os seus irmãos e uma primeira geração de sobrinhos trabalham na empresa. Ainda não surgiu um Ferragamo médico ou engenheiro. O próprio Leonardo é um velejador apaixonado, amigo do brasileiro Torben Grael, que patrocina barcos nas regatas mais importantes do mundo. Tipicamente, porém, transformou essa paixão em negócio: comprou a empresa finlandesa Nautor, fabricante do mitológico veleiro Swann. A companhia estava numa maré de dificuldades e Leonardo resolveu ajudar, tomando o negócio para si depois de obter o sinal verde e uma pequena participação financeira dos irmãos. Desde então, diz a revista BusinessWeek, a Nautor vai de vento em popa. ?Esperto que o atual período de incerteza não afete demais as vendas?, comenta Leonardo.

Os barcos da Nautor podem sacolejar um pouco, mas é difícil imaginar que o transatlântico da Ferragamo tenha problemas. A empresa está firmemente ancorada no gosto do público de maior renda do mundo e na melhor tradição da cultura empresarial italiana ? que é sinônimo de família, comunidade e história. Embora fundada por um napolitano, a Ferragamo inventou a sua própria tradição e converteu-se nos últimos 80 anos na mais florentina das empresas. Sua identidade com a cidade e com a região da Toscana é total. Seu envolvimento com a comunidade é absoluto. A Ferragamo produz empregos, renda e orgulho para a região, além de patrocinar a cultura, as artes e os ofícios. ?Somos 100% italianos?, resume Leonardo. A qualidade induplicável da manufatura toscana, diz ele, é uma das razões do sucesso da marca. A outra é a profunda identificação com o estilo de vida de seus consumidores internacionais. Sendo ele mesmo um homem de negócios rico, esportivo e elegante, que se preocupa com sua aparência pessoal e parece desfrutar com naturalidade das coisas boas da vida, Leonardo Ferragamo está muito próximo daquilo que as pessoas gostariam de ser ou parecer quando adquirem um produto de grife. Em cada sapato da marca, em cada pasta ou gravata Ferragamo, vai um pouco do sucesso e do refinamento do clã. Não é à toa que seus produtos custam caro. E vendem tanto.

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Herança genética: Leonardo e Salvatore

?Sapato tem de ser bonito e tem de durar?

Herança genética: Leonardo e Salvatore
“Nós gostamos muito dos brasileiros. E-les são consumidores fiéis dos nossos produtos no mundo inteiro.”

“São Paulo é uma cidade fascinante. É um grande mercado. Nossa experiência com a Daslu tem sido muito boa e a loja no Shopping Iguatemi caminha bem.”

“Quando visitei São Paulo pela primeira vez, nos anos 80, me chamou a atenção a ausência de marcas internacionais. Agora as pessoas estão mais atentas à qualidade do que usam e à sua apresentação pessoal.”

“Estamos felizes com nossos cinco hotéis e pensamos ampliar o negócio para a área de resorts. Não há plano imediato para o Brasil mas estamos abertos a oportunidades e discutindo propostas.”

“Fomos afetados pelo 11 de setembro, mas quem faz produtos de alta qualidade e quem vende produtos baratos sofre menos. A crise atinge os produtos intermediários. “

“Quando se fabrica sapatos você não consegue enganar
as pessoas. Tem de ser bonito, tem de ser confortável, tem
de durar.”

“Não queremos diversificar demais a companhia. Nossos novos negócios têm relação com aquilo que entendemos bem ? elegância, estética, estilo de vida.”

“Eu me preocupo com a minha elegância pessoal, embora
dedique a ela menos tempo do que deveria, apenas os primeiros minutos do dia.”