24/02/2005 - 7:00
“O Meirelles faz a parte dele para domar a inflação. Nós temos que ajudá-lo”
“Não cabe a uma agência reguladora, como a Anatel, formular políticas públicas”
DINHEIRO ? O que o governo pretende fazer para evitar que as tarifas telefônicas pressionem a inflação?
EUNÍCIO OLIVEIRA ? Pode-se negociar o que está nos contratos, mas não se pode quebrá-los. O que dá para fazer é mudar os contratos futuros. A partir de março vamos nos sentar com as quatro teles fixas, Telemar, Telefônica, Brasil Telecom e Embratel, para negociar novos contratos. Eles vão vigorar por 20 anos, a partir de 2006. Vários ajustes serão feitos, incluindo o do índice de reajuste. O objetivo é aproveitar a renovação dos contratos e criar um novo índice exclusivo para o setor de telecomunicações.
DINHEIRO ? E como será esse índice?
EUNÍCIO ? Ora, hoje as tarifas são reajustadas pelo IGP-DI, que reflete inflação geral do País, de todos os setores, com as suas sazonalidades. Subiu o tomate porque teve aumento dos defensivos agrícolas? Subiu o feijão ou o chuchu porque choveu na época da colheita? Então também sobe o telefone. Mas o que o telefone tem a ver com cereais, frutas e legumes? Não dá mais para aceitar que a antológica inflação do chuchu influencie na telefonia. Da mesma forma que o setor da construção civil tem o INCC, vamos ter o Índice Setorial das Telecomunicações, IST, que reflita especificamente os custos das companhias telefônicas.
DINHEIRO ? E se alguma das telefônicas alegar quebra de contrato?
EUNÍCIO ? Não acredito que isso vá acontecer. Mas lembro que chegou a hora de renegociar um contrato, e são essas condições que vamos colocar na mesa. Temos que estabilizar o mercado e a principal a função do governo é defender o consumidor. O Antônio Palocci e o Henrique Meirelles estão fazendo a parte deles. Posso ajudá-los criando o índice de inflação do setor.
DINHEIRO ? A adesão das telefônicas poderá ser voluntária?
EUNÍCIO ? Na questão jurídica, o índice pode ser modificado pelo governo após sete anos de contrato. Mas vamos trabalhar para que haja acordo entre as partes. Neste momento, o ministério e a Anatel estão conversando sobre os parâmetros desse novo índice. O próximo passo é encomendar o estudo a uma consultoria, o IBGE ou a Getúlio Vargas, por exemplo. Na seqüência, a Anatel vai colocar o índice em consulta pública.
DINHEIRO ? Que outras novidades os contratos terão?
EUNÍCIO ? Outra questão importante são novas regras de interconexão que aumentem o acesso das classes C e D ao telefone. Está sendo discutido com as companhias o chamado AICE, Acesso Individual de Classe Especial. Neste momento, a tendência é criar um tipo de telefone com assinatura mais baixa, um serviço fixo com características do celular pré-pago. A Telemar já vem experimentando espontaneamente isso. O importante é prever nos novos contratos alguma boa saída para a universalização da telefonia. No caso dos celulares, nossa saída foi o pré-pago. Ano passado, esse setor cresceu nada menos que 47%. A tendência para os próximos anos é a inclusão de milhões de usuários de baixa renda também nos serviços fixos.
DINHEIRO ? Quando o governo vai utilizar nos projetos de inclusão social os R$ 3,3 bilhões já acumulados do Fust?
EUNÍCIO ? O imbróglio do Fust não foi criado nem neste governo nem por este governo. A confusão foi criada pelo Tribunal de Contas da União, no governo passado. O TCU não tem a função de interpretar leis; esse é um atributo do Supremo Tribunal Federal. Mas o TCU interpretou que o fundo só poderia ser aplicado em novos serviços, a serem implantados através de licitações. A Anatel está criando os novos Serviços de Comunicação Digital. O plano é dividir o Brasil em 11 regiões e licitar as concessões para 11 novas empresas. Mas esse processo é demorado e lento. Além disso, é provável que não se concretize.
DINHEIRO ? Por quê?
EUNÍCIO ? Porque tramita no Congresso a nova Lei das Agências Reguladoras, e por essa nova lei, os recursos do Fust terão aplicação múltipla, que independe de novas outorgas. Portanto, poderá ter aplicação imediata por quem formula as políticas públicas do setor, ou seja, o Ministério das Comunicações. O governo vai fazer um esforço para aprovar a lei ainda neste semestre.
DINHEIRO ? Essa nova lei tira poderes das agências reguladoras e dá ao governo. Afinal, o governo quer diminuir as agências?
EUNÍCIO ? É claro que não. O projeto não tira poderes das agências, mas apenas corrige algumas posições, colocando cada um no seu lugar. Pergunto: você acha natural que os conselheiros de uma agência não possam ser convocados pelo Congresso para prestar esclarecimentos? Ora, eu que sou ministro, posso ser convocado. Então por que um conselheiro também não pode? Também não é correto imaginar que um organismo de Estado formule políticas públicas, decidindo como e onde aplicar o dinheiro do Fust.
DINHEIRO ? Mas há investidores com medo de que as agências percam a independência.
EUNÍCIO ? Pelo contrário, estão sendo fortalecidas em suas atividades fim, que é o direito de regular e fiscalizar seus respectivos setores, ficando livres da tarefa de formular políticas públicas. Outro dia li uma reportagem dizendo que estamos indicando para as agências pessoas filiadas a partidos políticos. Mas quando as agências foram criadas, ninguém ofereceu as vagas de diretores e conselheiros para a oposição. Repito, a oposição não ocupou as primeiras vagas nas agências. No caso da Anatel, dois conselheiros foram indicados na minha gestão ao presidente Lula, Plínio Aguiar e Elifas Gurgel. Nunca pedi a ficha de filiação partidária a nenhum dos dois. O importante é critério de competência técnica.
DINHEIRO ? Qual dos dois será o presidente da Anatel?
EUNÍCIO ? Ainda não sei. É o presidente quem escolhe no momento em que ele achar oportuno.
DINHEIRO ? Por que Pedro Jaime Ziller caiu?
EUNÍCIO ? Pedro Jaime foi um bom presidente. Foi nomeado para um mandato de 12 meses, que terminou.
DINHEIRO ? Até que chegue a hora de tomar de volta o dinheiro do Fust, como o governo pretende aumentar a base de usuários de computadores?
EUNÍCIO ? Com recursos do Tesouro. Somente um de nossos programas de inclusão digital, o Governo Eletrônico, já beneficia diariamente 180 mil pessoas, que utilizam 20 mil máquinas ligadas com internet banda larga, em pontos via satélite. São 3 mil pontos em escolas, bibliotecas e locais onde nem o telefone fixo chega, como tabas de índios e quilombolas. Nos próximos 30 meses, vamos investir R$ 114 milhões para instalar mais 1.200 pontos e chegar a 4.200 pontos. Quando vier o dinheiro do Fust, vai dar para pensar em acelerar o processo. Só os R$ 3,3 bilhões acumulados, dá para atender a quase 50 milhões de brasileiros. O Fust arrecada em média R$ 350 milhões por ano.
DINHEIRO ? Quando a economia real poderá usufruir dos programas de inclusão digital?
EUNÍCIO ? É um processo muito longo e demorado; falar em prazo seria um chutômetro ou blefe. Há quanto tempo que o País tenta erradicar o analfabetismo? Temos 180 mil escolas públicas e 30 mil não têm sequer energia. Então não adianta ficar aqui anunciando que vamos colocar computadores em todas as escolas, porque isso não vai acontecer tão cedo. A inclusão digital é incipiente. Nada menos que 79% dos brasileiros nunca manusearam um computador e 89% nunca tiveram acesso à internet. O objetivo agora é utilizar os programas de inclusão digital para aumentar o acesso da classe C. Vai dar para contar, já este ano, com ajuda internacional.
DINHEIRO ? De quem?
EUNÍCIO ? Dias atrás, lá no Fórum Econômico em Davos, participei de uma reunião com um grupo de 200 executivos de companhias como Cisco, Intel e Philips. Elas formaram um grupo para financiar projetos pilotos de inclusão digital em países em desenvolvimento. Havia uma disputa entre Índia, China, Chile e Brasil pelo primeiro piloto. Vencemos. O Brasil vai abrir projetos de inclusão pelos próximos dez anos. E as empresas vão injetar dinheiro delas. US$ 10 milhões já estão disponíveis. Nos próximos dias chega uma comissão de executivos para discutir com o governo que projetos serão esses.
DINHEIRO ? Qual a tendência do mercado interno? Ainda há vendas, fusões ou incorporações em gestação?
EUNÍCIO ? Não chegou aos meus ouvidos, até o dia de hoje, nenhum novo projeto de fusão ou incorporação. Nem saída ou entrada de novas empresas no mercado. Mas pode haver num futuro próximo, talvez a partir de 2006, uma grande movimentação no setor com a chegada dos telefones celulares de terceira geração, os 3G, que têm o poder de transmitir sons e imagens de alta definição. Esses serviços já existem na Europa e na Ásia, logo vão chegar ao Brasil.
DINHEIRO ? O presidente Lula falou em transformar a Telebrás numa estatal de satélites. O governo vai ressuscitá-la?
EUNÍCIO ? A Telebrás está é em processo de extinção e não há dentro do governo nenhuma motivação para reativá-la. Como a Telebrás tem ações em bolsa, que fique claro que idéias trocadas dentro do governo não significam ações de governo. Uma questão em debate é se o governo vai ter ou não um satélite geoestacionário próprio. A orientação do presidente Lula foi não discutir isso em público.
DINHEIRO ? Com a fusão da Sky com a DirecTV, o empresário Rupert Murdoch virou dono de 95% do mercado brasileiro de TV via satélite. Não é demais?
EUNÍCIO ? A agência reguladora do setor, a Anatel, já está examinando a questão sob ponto de vista técnico. E obviamente a fusão terá que passar pelos órgãos de defesa da concorrência, o Ministério da Justiça e o Cade.
DINHEIRO ? Quando o Brasil terá a TV digital?
EUNÍCIO ? Contratamos 79 universidades para trabalhar no projeto de definição de um padrão brasileiro para a TV. Ainda não dá para arriscar dizer se teremos uma TV digital nacional. Espero que os pesquisadores tenham respostas até o final deste ano.
DINHEIRO ? Vai dar para atender ao desejo do presidente Lula de assistir à Copa do Mundo da Alemanha, de 2006, em TV digital?
EUNÍCIO ? Tenho pressa de fazer as coisas, só que não posso cometer o pecado de fazer promessas irresponsáveis. Mas acho que há boas chances do presidente assistir à próxima copa pela TV digital.