30/05/2014 - 20:00
No breve espaço de dez dias, dois membros do Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo deram duas declarações estarrecedoras. Primeiro foi o ex-jogador de futebol Ronaldo, campeão mundial nos Estados Unidos, em 1994, e no Japão/Coreia, em 2002. Ronaldo disse que tinha vergonha dos atrasos da Copa. “De repente chega aqui e é essa burocracia toda, uma confusão, um disse me disse, são os atrasos. É uma pena. Eu me sinto envergonhado, porque é o meu país, o país que eu amo, e a gente não podia estar passando essa imagem para fora.” E prosseguiu: “Os estádios, de uma maneira ou outra, vão estar prontos.
Agora, o legado que fica para a população mesmo – as obras de infraestrutura, de mobilidade urbana, aeroportos – é uma pena que tenham atrasado tanto.” Logo na sequência, foi a vez de Joana Havelange, filha do ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, e neta do ex-presidente da Fifa, João Havelange. Joana, assim como Ronaldo, é diretora do COL e compartilhou um post na internet, no qual mandava um recado ao povo brasileiro, que tem feito manifestações contra a realização da Copa do Mundo no Brasil. De acordo com ela, não era mais a hora de reclamar, pois “o que tinha que ser roubado já foi.”
As declarações, apesar de refletirem um sentimento geral da sociedade brasileira, são estarrecedoras pois foram ditas por pessoas que estavam em cargos chaves na organização da Copa do Mundo. E, em tal posição, deveriam usar de suas influências para combater os atrasos e a roubalheira. Choca ainda o fato de Ronaldo só deixar clara sua opinião contra a má organização a menos de um mês do começo do Mundial. Joana, por sua vez, usou um argumento estapafúrdio para tentar calar a voz das ruas. Mas são exatamente pelos motivos citados por Ronaldo e Joana que as pessoas se mobilizam e vão às ruas protestar no movimento #nãovaiterCopa.
Esse movimento reflete a sensação da população de que os serviços públicos deveriam ser melhorados com o dinheiro gasto para organizar o Mundial no Brasil. É justo que se reclame. Mais justo ainda que se proteste. Mas é preciso lembrar que os escândalos não estão restritos à esfera governamental. Veja o caso do cartel das cimenteiras, condenado a pagar multa de R$ 3 bilhões pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, em decisão tomada na quarta-feira 28. Durante décadas, o cartel controlou o preço de um dos principais insumos da construção civil no País e deu prejuízo de R$ 1 bilhão aos consumidores brasileiros, segundo o Cade.
Isso é tão ou mais escandaloso do que os atrasos da Copa. E o que dizer do cartel do metrô de São Paulo, que durante décadas uniu empresas como as alemãs Siemens e a francesa Alstom, para citar os nomes mais notórios desse esquema, para fraudar licitações no Estado. Qual o tamanho do prejuízo? Qual seria o preço justo da tarifa do metrô se as concorrências tivessem sido realizadas sem combinação de preço? Não custa lembrar que o estopim das manifestações de junho do ano passado foi a questão de mobilidade urbana. A Copa do Mundo, infelizmente, é um reflexo de todas as áreas do País. Parafraseando Macunaíma, de Mário de Andrade: “Ou o Brasil acaba com a corrupção ou a corrupção acaba com o Brasil”.