A empresária Maria Carolina Araújo Cintra acompanha o Big Brother Brasil a cada minuto. Ela não é uma aficionada por reality shows. É negócio. Sua empresa de internet, a KingoLabs, desenvolveu um aplicativo para mídias sociais capaz de informar, em tempo real, o que os usuários do Twitter falam sobre as marcas divulgadas no BBB. Na quinta-feira 13, um dos participantes usou um bronzeador Sundown e muitos espectadores comentaram. Foi o bastante para que as menções à marca nos 90 minutos seguintes se igualassem às citações de todo o mês de dezembro. 

 

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Bênção do anjo: Carol Araújo, da KingoLabs, recebeu R$ 300 mil de um

investidor-anjo e agora está em busca de mais capital

 

A KingoLabs vende ferramentas que permitem apurar informações como essas em tempo real e que valem (muito) dinheiro, por exemplo, para uma agência de propaganda interessada nas redes sociais. 

 

Carol, como é conhecida, é uma empreendedora de pequeno porte. Sua empresa possui apenas nove funcionários. Se o planejamento der certo, o faturamento de 2011 atingirá R$ 2 milhões e o balanço chegará no azul. A companhia não existiria sem uma bênção – nada mística. 

 

“Recebi um investimento de R$ 300 mil de um investidor-anjo, um empresário do setor industrial que apostou no negócio”, diz. Carol usou o dinheiro para recrutar pessoas para desenvolver os programas e quer mais. 

 

“Preciso de capital para contratar mais dois desenvolvedores, um executivo de vendas e outro para ajudar a gerir o negócio.” A fonte desses recursos será a mesma: um investidor de risco.

 

A participação desses capitalistas de tamanhos variados no financiamento de empresas de grande potencial vem crescendo a taxas de dois dígitos no Brasil, ocupando fatias crescentes de um espaço em que a bolsa de valores reinava sem contestação. 

 

Segundo uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgada no fim do ano passado, em 2009 eles tinham US$ 36,1 bilhões disponíveis para injetar em empresas brasileiras. 

 

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Recursos da intel: Marco Gomes vendeu 20% de sua empresa em 2010 e obteve, além do dinheiro, técnicas de gestão e contatos

 

Só para comparar, o total captado na BM&FBovespa em 2009 foi de US$ 27 bilhões. Essa é uma tendência internacional. Algumas das maiores iniciativas de tecnologia têm passado ao largo de Wall Street. 

 

Os alvos da cobiça desses investidores podem ser companhias pequenas, como a de Carol, ou grandes o suficiente para pensar em governança corporativa, sustentabilidade e expansão internacional. 

 

“Os números da pesquisa da FGV mostram um crescimento de 24% nos investimentos em 2009 em relação ao ano anterior”, diz Maria Luisa Campos Machado Leal, diretora da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e coordenadora do estudo. 

 

Só para comparar, o primeiro censo, divulgado em 2005, mostrava um estoque de apenas US$ 6 bilhões referentes a 2004 (o atraso dos dados ocorre porque, no universo sigiloso desses investimentos, as cifras são divulgadas bem depois de concretizadas).

 

Embora ainda não haja dados consolidados para 2010, os conhecedores afirmam sem hesitar que o ritmo se acelerou no ano passado e que 2011 pode ser o divisor de águas no mercado de capital de risco brasileiro. 

 

Pela primeira vez, os empreendedores vão experimentar uma combinação de dinheiro farto e investidores internacionais com apetite aguçado e disposição para trazer seus dólares para cá, cacifando iniciativas que prometem crescer de forma exuberante para depois revendê-las com muito lucro para um sócio estratégico ou na bolsa. 

 

Basta consultar Paulo Humberg, um dos pioneiros da internet comercial do Brasil. Fundador da Lokau, primeiro site de leilões da internet brasileira, e do canal de vendas shoptime.com, Humberg atualmente é um investidor em empresas de tecnologia, como o site de compras coletivas ClickOn. 

 

“O Brasil terá uma explosão de pequenos negócios de internet em 2011”, diz ele. “Até 2008, os investidores internacionais nem sequer olhavam para o mercado brasileiro, mas hoje meu telefone não para de tocar com gestores de recursos ligando em busca de oportunidades.” 

 

Em novembro do ano passado, Jawed Karim, cofundador do YouTube, esteve em São Paulo para procurar empresas iniciantes. “O Brasil é um excelente mercado para investir”, disse ele na ocasião. 

 

A animação não se arrefeceu no início deste ano. No dia 13 de janeiro, o site de compras Peixe Urbano anunciou ter recebido um valor não revelado do Benchmark Capital, fundo de capital de risco dos Estados Unidos que já investiu no Twitter e no eBay. 

 

Foi a primeira investida do fundo por aqui. “Nossa estratégia é escolher empresas com alto potencial e o Peixe Urbano tem todas as características que buscamos”, disse Matt Cohler, sócio do Benchmark Capital. 

 

Há vários exemplos de nomes consagrados no mundo do capital abrindo os cofres por aqui. A Intel Capital, braço de investimentos de risco vinculado à gigante de processadores americana, investiu US$ 10 bilhões nos últimos dez anos em 1.050 empresas espalhadas por 47 países. 

 

“O objetivo é investir em empresas que gerem um retorno não só financeiro como também estratégico, permitindo acelerar a inovação da Intel”, diz Fábio de Paula, diretor de investimentos da Intel Capital para a América Latina. 

 

Em 2010, eles injetaram um valor não revelado na Boo-Box, única companhia brasileira a receber dinheiro do fundo no ano passado. Fundada pelo programador Marco Gomes, a história da Boo-Box caberia bem nos documentários do Vale do Silício. 

 

Ela nasceu no quarto de Gomes e a ideia era desenvolver uma ferramenta que permitisse veicular publicidade em blogs. Em 2007, o fundo de venture capital brasileiro Monashees investiu US$ 300 mil. 

 

Gomes usou o dinheiro para mudar o foco da Boo-Box, ampliando sua atuação para as redes sociais. A novidade recebeu uma citação no ano passado em um dos mais conhecidos blogs de tecnologia americanos, o TechCrunch, o que atraiu a atenção dos investidores. 

 

Em novembro de 2010, a Intel Capital comprou uma participação. Gomes diz que o dinheiro é bom, mas não é tudo. “O investidor também precisa ser um parceiro estratégico, que ofereça conhecimento gerencial e contatos.”

 

Um bom exemplo do que um investidor de risco pode agregar é o caso da Devex Mining. Fundada há 13 anos em Minas Gerais, com 190 funcionários e R$ 30 milhões de faturamento em 2010, ela dedica-se à automação e ao controle de processos de empresas mineradoras. 

 

“Fornecemos programas que monitoram o trabalho de caminhões e escavadeiras, tanto em jazidas a céu aberto quanto subterrâneas”, diz Guilherme Bastos, principal executivo. Os negócios vão bem. 

 

A geração de caixa apresenta uma margem de 25%, capaz de sustentar o crescimento orgânico por muito tempo. Mesmo assim, em 2009 a empresa vendeu 20% de suas ações para o fundo de capital de risco Fir Capital por um valor não revelado. 

 

“Percebemos que o Brasil tem uma excelência no setor mineral e somos capazes de competir em outros mercados”, diz Bastos. “A Fir nos forneceu capital para aquisições internacionais e ajudou a melhorar nossa governança corporativa.” 

 

A Devex tem clientes na Austrália e em Angola e está estudando aquisições nesses países e no Canadá, na África do Sul, na Indonésia e na Rússia, boa parte fundeada pela Fir. Segundo Bastos, há ideias de abrir capital em bolsa, mas só no longo prazo. 

 

Em outras ocasiões, o que o empreendedor busca não é dinheiro, mas um parceiro que sirva como fiador do negócio. A empresa argentina DinheiroMail é um provedor de acesso para pequenos empresários que necessitam de meios de pagamento virtuais. Complicou? 

 

Ela facilita a empresas muito pequenas vender seus produtos pela internet e receber o dinheiro em conta. A própria DinheiroMail reconhece que não é muito fácil de entender. 

 

“É um conceito novo, que dá trabalho para explicar”, diz Marcos Bueno, diretor-geral no Brasil. Para poupar as explicações, especialmente para as bandeiras de cartão de crédito como Visa e MasterCard, a solução foi vender uma fatia da DinheiroMail por US$ 5 milhões para a International Finance Corporation (IFC), braço de investimentos do Banco Mundial, em 2008. 

 

“Mais do que o dinheiro em si, o aporte de capital forneceu uma chancela para a empresa”, diz Bueno. “Quando digo que recebemos recursos da IFC, economizo uma hora de explicações.” 

 

Atualmente, ele  processa os pagamentos de 30 mil comerciantes virtuais, desde os da companhia de cosméticos americana Mary Kay até os do site querofolia.com.br, que vende fantasias de Carnaval de escolas de samba paulistanas.

 

Todos esses negócios mostram que os investidores de risco estão assumindo um papel cada vez mais preponderante no financiamento aos empreendedores. “O mercado de capitais tradicional vem se concentrando em empresas mais maduras e previsíveis”, diz Álvaro Gonçalves, sócio da  Stratus. “Hoje há uma grande diversidade que não existia antes. Há mais alternativas estratégicas para investir.”

 

 

Longe de Wall Street

 

Há uma década, qualquer empreendedor de internet sonhava ver sua empresa na bolsa de Nova York ou na Nasdaq. Atualmente, os empresários cujas iniciativas virtuais fazem sucesso vêm mantendo distância das bolsas. “Lançar ações nos Estados Unidos está mais regulamentado e burocrático”, diz Álvaro Gonçalves, diretor do fundo brasileiro de participação em empresas Stratus. “Por isso, muitos estão optando por outras fontes de financiamento.” A seguir, alguns dos nomes que vêm mantendo os  jeans longe das calçadas de Wall Street:

 

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