A quarta-feira 1º de agosto começou tumultuada na Wembley Arena, em Londres. Lá, a portas fechadas, os primeiros escalões da Federação Internacional de Badminton e do Comitê Olímpico Internacional (COI) reuniram-se para discutir a mais delicada situação já enfrentada pelo esporte jogado com raquetes e uma espécie de peteca. Oito atletas, de três países diferentes, estavam na mira dos dirigentes, sob suspeita de terem manipulado resultados na fase de classificação do torneio de duplas femininas. Quando a reunião acabou, uma solução sem precedentes foi anunciada: as quatro duplas foram eliminadas da Olimpíada, inclusive a que envolvia as chinesas Wang Xiaoli e Yu Yang, campeãs mundiais da modalidade, que teriam tentado entregar um de seus jogos para não correr risco de enfrentar a outra dupla chinesa antes das finais. 

 

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Cenas londrinas: táxi com propaganda da Visa.

 

Concorrentes da Indonésia e da Coreia do Sul descobriram o plano e também forçaram derrotas, numa tentativa de fazer a estratégia chinesa dar errado. O próprio presidente do COI, Jacques Rogge, foi à arena e definiu o escândalo como “a maior ameaça à integridade dos Jogos”. Ao mesmo tempo, porém, o COI tratou de afastar uma suspeita que preocupa os organizadores desde que Londres ganhou o direito de sediar os Jogos: a princípio, disse não haver indícios de que a indústria de apostas – uma marca tão inglesa quanto os pubs e os táxis pretos de Londres – estivesse por trás da manipulação. Inventores de vários esportes – como o tênis e o próprio badminton, importado da Índia com o nome de poona por soldados britânicos e adaptado na propriedade de um duque chamada Badminton, na Inglaterra –, os ingleses também criaram uma forma de ganhar dinheiro com eles. 

 

Nas casas de apostas espalhadas pelo país e pelo mundo, via internet, eles passaram a aceitar apostas sobre quase todos os tipos de disputas e desenvolveram um setor econômico que movimenta 71 bilhões de libras por ano (mais de R$ 210 bilhões), com 1,3 mil empresas em atividade e mais de 98 mil empregos diretos, incluindo jogos eletrônicos e cassinos. No entanto, trata-se de um negócio que não vai bem por conta da crise econômica. A Olimpíada em casa era uma das apostas das principais companhias do setor, como a William Hill e a Ladbrokes, para alavancar novos negócios. Segundo levantamento da bolsa de apostas Betfair, espera-se que elas atraiam mais 300 milhões de libras (quase R$ 1 bilhão) para o caixa das empresas. 

 

“Esportes olímpicos normalmente não geram grande volume de apostas”, disse à DINHEIRO Rupert Adams, gerente de comunicação da William Hill. “Mas qualquer pretexto para levar os apostadores de novo às nossas lojas é bem-vindo.” Pesquisas recentes revelam que esse cenário pode não se confirmar. “As condições negativas persistentes devem anular os possíveis efeitos positivos que os Jogos Olímpicos podem trazer”, diz um relatório elaborado pela empresa de consultoria inglesa IBISWorld. Maior empresa do setor, com 2.430 lojas e 16 mil funcionários, a William Hill tem 50% de suas receitas baseadas no turfe – o balanço semestral, divulgado na semana passada, ficou em 627 milhões de libras, cerca de R$ 2 bilhões. Mas, nas últimas semanas, o site da empresa, que aceita apostas de 180 países, passou a dar destaque para todas as 34 modalidades esportivas disputadas em Londres. 

 

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Cenas londrinas: casa de apostas em Jogos Olímpicos.

 

“Em Pequim, em 2008, fomos tímidos e recebemos apenas 5 milhões de libras em apostas”, afirma Adams. Agora, apenas o futebol olímpico deve movimentar essa quantia, tendo o Brasil como favorito. Na quarta-feira passada, para cada quatro libras apostadas na seleção do craque Neymar para receber a medalha de ouro, a casa pagava outras seis. Bancar a vitória sobre a Nova Zelândia por 3 a 0 rendeu uma libra para cada quatro apostadas. O jogo foi fácil, mas quem fez uma fezinha ficou tenso até o final. Um golzinho da Nova Zelândia no final mudaria a sorte de muita gente. Para o 3 a 1, cada libra apostada valia 12 para os acertadores. Todas as provas olímpicas e até mesmo detalhes de competições – quantos gols no primeiro tempo, que cestinha fará mais pontos em uma partida de basquete – podem receber palpites. 

 

Com isso, uma infinita combinação de possibilidades se abre para os apostadores e uma infinita combinação de dificuldades se apresenta para os encarregados de verificar a lisura dos resultados. A preocupação das autoridades britânicas com eventuais manipulações de partidas foi tamanha durante todo o processo de organização dos Jogos que a ação de quadrilhas especializadas chegou a ser comparada, em termos de risco à imagem olímpica, com a ameaça do doping. “A qualquer momento, nos próximos anos, vamos ter algum tipo de escândalo envolvendo apostas em esportes”, afirmou Hugh Robertson, ministro especial para os Jogos. 

 

“Só torcemos para que não seja nas Olimpíadas.” O sistema de apostas se assemelha ao das bolsas de valores, em que as cotações são estabelecidas conforme o volume de recursos investidos em cada competidor. A volatilidade, muitas vezes, é grande e os prêmios podem variar muito em questão de horas. “Somos também uma indústria extremamente regulada e fiscalizada”, afirma Adams. Mais difícil, no entanto, é fiscalizar a ação de grupos de fora da Inglaterra, sobretudo do Leste Europeu e da Índia, que agem através de sites de apostas pela internet. Esse, sim, é o maior risco para o fair play e para os negócios dos tradicionais bookmakers ingleses. Além de roubar clientes de suas operações, os piratas desse mercado não hesitam em tentar corromper atletas e levá-los para o jogo sujo, e podem manchar a reputação de quem opera legalmente.

 

 Enviado especial a Londres