05/07/2013 - 6:08
Uma das mais memoráveis campanhas publicitárias da Pirelli, fabricante italiana de pneus, trazia o slogan ?Potência não é nada sem controle?. No domingo 30 de junho, essa frase, criada pela agência Leo Burnett em 1998, se mostrou premonitória. Durante a corrida de Fórmula 1 no histórico circuito de Silverstone, na Inglaterra, a vitória do piloto alemão Nico Rosberg foi ofuscada pela repercussão de uma sequência rara de incidentes, todos diretamente relacionados à Pirelli. O primeiro envolveu o britânico Lewis Hamilton, da Mercedes-Benz, que liderava a prova quando viu seu pneu traseiro esquerdo desintegrar-se em uma curva.
Felipe Massa (Ferrari): “Não sei se essa é a melhor resposta da Pirelli. Tive dois problemas com pneus”
Logo depois, o brasileiro Felipe Massa, da Ferrari, perdeu o controle do carro em alta velocidade e foi parar na área de escape pela mesma razão. Logo foi possível concluir que não eram coincidências. Não demorou muito para que o francês Jean-Éric Vergne, da Toro Rosso, passasse pelo mesmo susto. O mexicano Steban Gutierrez, da Sauber, perdeu o pneu dianteiro, e seu compatriota Sergio Pérez, da McLaren, voltou para o pit stop sem um dos rodados traseiros a poucas voltas do fim da corrida. Na categoria mais atraente do automobilismo, aquela em que as grandes empresas investem milhões para associar suas marcas a sucesso e inovação, a companhia italiana foi exposta a uma espécie de antimarketing, criticada por equipes e corredores.
Lewis Hamilton (Mercedes): “Tínhamos pedido para a Pirelli melhorar os pneus, mas eles não fizeram nada”
As imagens dos acidentes correram o mundo e vincularam a logomarca da Pirelli ao que existe de mais temível no universo automobilístico: a insegurança. Na imprensa internacional, o episódio foi tratado como um quase desastre. O jornal britânico Daily Mail estampou na contracapa o título ?Pneus do terror?. O Times, de Londres, escreveu: ?Estrada para o inferno?. O problema é que todas as 11 equipes da F-1 não têm opção, por enquanto. A Pirelli é a fornecedora exclusiva de pneus para a categoria desde 2011. O contrato vence ao final desta temporada e, até a semana passada, estava em negociação com a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) e equipes, em uma transação estimada em mais de US$ 200 milhões.
A companhia italiana, segundo seus executivos, quer dar sequência à parceria com a Fórmula 1 em 2014, mas as chances de uma renovação de contrato estão cada vez mais distantes no retrovisor. A crise de imagem da Pirelli, gerada pela caótica corrida em Silverstone, ganhou proporções ainda maiores quando os pilotos ameaçaram boicotar as próximas etapas, caso não houvesse mudanças que tornassem os pneus mais seguros. ?Isso é inaceitável?, disse o mexicano Sergio Pérez. ?Estamos arriscando nossas vidas e não devemos ficar esperando até que alguma coisa aconteça a alguém.? O britânico Lewis Hamilton foi ainda mais enfático: ?A segurança deveria ser a maior preocupação?, afirmou.
Sergio Pérez (McLaren): “Isso é inaceitável. Estamos arriscando nossas vidas”
?Nós já tínhamos pedido para a Pirelli melhorar os pneus e interromper esses acontecimentos, mas a empresa não mudou nada.? A Pirelli, em sua defesa, atribuiu os acidentes a uma combinação de erros. O primeiro, a um engano das equipes na montagem dos pneus. Como há desenhos assimétricos na borracha do produto, uma suposta troca de lados ? o da esquerda na direita, e vice-versa ? poderia ter causado um superdesgaste da estrutura. O segundo argumento foi a utilização de calibragem em pressões abaixo do recomendado pela fabricante, para aumentar a aderência ao asfalto. Por último, uma alteração nas configurações de cambagem (alinhamento do ângulo das rodas) teria afetado a capacidade de resistência.
Jean-Éric Vergne (Toro Rosso): “Não podemos nos expor a tantos riscos. Isso é absurdo”
?Nossos pneus não comprometem a segurança dos pilotos de nenhuma forma, se utilizados da maneira correta?, afirmou o diretor esportivo da marca, Paul Hembery. Os argumentos da Pirelli não pegaram bem, principalmente porque as fornecedoras anteriores, a japonesa Bridgestone e a francesa Michelin, não apresentaram falhas desse tipo. No entanto, depois de sugerir que os acontecimentos eram resultado de erros das equipes da F-1, a empresa reconheceu sua culpa publicamente para evitar que sua reputação murchasse ainda mais. ?Sim, temos nossa responsabilidade?, afirmou Hembery. ?De forma nenhuma quisemos criar argumentos para culpar alguém?, disse o executivo.
Para colocar uma pedra sobre o incidente, a Pirelli se comprometeu a aprimorar o composto da borracha e a incluir nos pneus uma manta de Kevlar, uma fibra sintética muito resistente, utilizada em coletes à prova de balas. ?Tive um problema com o pneu invertido e um problema com o pneu normal. Por isso, não sei se essa é a melhor resposta da Pirelli para o problema de Silverstone?, questionou o brasileiro Felipe Massa. Desculpas aceitas ou não, o fato é que a derrapada da Pirelli ? a quinta maior fabricante de pneus do mundo, com faturamento de US$ 7,8 bilhões no ano passado ? deixa marcas que demorarão a desaparecer na mente de consumidores do mundo inteiro.
Tudo para o lixo: pneus utilizados até agora (ao lado) serão descartados
e novos modelos, mais seguros, serão fornecidos à F-1 já na próxima corrida
Nos últimos anos, a companhia tem se esforçado para melhorar sua posição global, em que a japonesa Bridgestone é líder absoluta, com uma receita de US$ 29 bilhões. ?Os problemas sempre acontecem, mas o que arranha mais a imagem de uma marca é como ela reage, não o contratempo em si?, diz Arnaldo Brasil, especialista em marcas na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). ?No caso da Pirelli, teremos de acompanhar a postura da empresa daqui em diante para calcular de que forma o incidente afetará sua credibilidade.?Não é a primeira vez que fabricantes de pneus são questionadas em relação à segurança de seus produtos.
Reputação em xeque: a imagem de fabricante de pneus confiáveis, conquistada pela marca italiana
com suas memoráveis campanhas (abaixo), pode sair arranhada depois do episódio da F-1
Pneus da americana Firestone teriam causado a morte de 119 pessoas nos Estados Unidos, há 15 anos. Os defeitos obrigaram a Ford a realizar um recall de 6,5 milhões de automóveis no mercado americano. Em 2000, um problema na banda de rodagem de pneus da Goodyear teria causado acidentes e oito mortes. A multinacional detectou o defeito em 1995, mas não informou as autoridades, segundo a National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), órgão que regulamenta as normas de segurança de trânsito nos EUA. O departamento registrou 59 ocorrências de acidentes envolvendo os pneus Goodyear.
Em mercados como o Brasil, onde a Pirelli é líder e está desde 1929, os desdobramentos da caótica corrida do último domingo podem ser catastróficos. Metade dos carros que saem das montadoras brasileiras é equipada com pneus da marca italiana. As rivais Goodyear e Bridgestone disputam, pneu a pneu, a segunda posição, cada uma com cerca de 20% de fatia de mercado. A partir de agora, em todos os seus mercados, mais do que vender pneus, a Pirelli terá de trabalhar para resgatar sua imagem e convencer o consumidor de que seu atual slogan ? ?Leve a performance da F-1 para seu carro? ? não é apenas uma peça publicitária.