Da janela de sua sala no nono andar de um edifício no Setor de Autarquias Sul, região de Brasília onde se concentram órgãos públicos, o advogado Valdir Moysés Simão pode ver o prédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), órgão que presidiu por dois períodos, entre 2005 e 2010. Desde o início do ano, Simão, paulista de 54 anos, que começou a carreira no serviço público como auditor fiscal da Receita Federal, é o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, responsável por fiscalizar a atividade dos servidores de todo o País, inclusive das estatais. “Estou me sentindo em casa”, diz ele. Com a Operação Lava Jato, a CGU investiga a participação de empresas no esquema de corrupção descoberto na Petrobras. Comprovado o pagamento de propina, a companhia será declarada inidônea e não poderá ter novos contratos com órgãos públicos. “Pelos elementos que temos até agora, eu diria que há uma grande probabilidade de declaração de inidoneidade”, afirma Simão, que recebeu a DINHEIRO em seu gabinete, às vésperas do Carnaval.

DINHEIRO – Quando sai a regulamentação da Lei 12.846, que pune as empresas por corrupção?
VALDIR MOYSÉS SIMÃO – 
A regulamentação está pronta, acabamos de fechar os ajustes com a Casa Civil. A novidade é a participação do Tribunal de Contas da União (TCU) na negociação dos acordos de leniência. O acordo de leniência serve para que a empresa ajuste sua conduta, reconheça os atos lesivos, se comprometa a reparar os danos e a criar regras de compliance (um conjunto de regulamentos e práticas de controle internos), que evitem a repetição.

DINHEIRO – A entrada do TCU não pode dificultar os acordos, por aumentar o número de pessoas envolvidas na negociação?
SIMÃO –
 Como o acordo pressupõe a reparação dos valores envolvidos, é preciso que todos estejam de acordo, inclusive a empresa. Não é uma apuração fácil. No caso da Petrobras, a própria companhia tem dificuldade em mensurar o dano.

DINHEIRO – A lei vale para a investigação das empresas da Operação Lava Jato?
SIMÃO – 
A lei está em vigor desde 29 de janeiro do ano passado e é autoaplicável. A regulamentação vai definir alguns critérios para fixação das multas, que variam de 0,1% a 20% do faturamento, e alguns critérios podem ser usados como atenuantes: se a empresa tem um programa de compliance; se reparou o dano; e se foi a própria companhia quem denunciou. Outros podem servir como agravante: se ela está numa situação econômico-financeira confortável; se o dolo foi consumado; se ela prometeu propina; o valor dos contratos com a administração pública; e se houve interrupção de serviços. A competência da CGU é apenas para os acordos de leniência.

DINHEIRO – Há algum acordo de leniência em negociação?
SIMÃO – 
Algumas empresas procuraram a CGU para obter informações, mas não temos negociações formalizadas. Não existe nenhuma companhia colaborando com a investigação, no âmbito da CGU. Isso só se dará quando ela manifestar interesse em cooperar e depois que forem acertados os parâmetros, com acompanhamento pelo TCU. Algumas se mostraram interessadas e acredito que farão um acordo.

DINHEIRO – Elas podem fazer isso depois que ficar definido o dolo, a culpa?
SIMÃO – 
Não. O acordo de leniência tem de se dar antes de concluído o processo de responsabilização. Depois de concluído e fixada a multa, não pode mais.

DINHEIRO – E quando o processo deve ser concluído, no caso da Lava Jato?
SIMÃO – 
Ainda vai demorar algum tempo. São muitos documentos para analisar, provas que ainda estão sendo colhidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

DINHEIRO – Quantos processos contra empresas foram abertos na CGU?
SIMÃO – 
Temos as empresas da Lava Jato. As oito empreiteiras (Camargo Corrêa, Engevix, Galvão Engenharia, Iesa, Mendes Junior, OAS, Queiroz Galvão e UTC-Constran) e a SBM Offshore. Para fixação de multa, só valem atos praticados após janeiro do ano passado. Ainda não temos certeza de que não existem atos praticados depois dessa data, estamos investigando. Atos praticados antes dessa data não podem ser tipificados nessa lei, mas a Lei 8.666, que rege as licitações e os contratos do setor público, já prevê punições para fraudes em licitações, por exemplo.

DINHEIRO – Então a CGU está investigando essas nove empresas baseadas nas duas leis, a 8.666 e a 12.846?
SIMÃO – 
Exatamente.

DINHEIRO – As empresas podem ser punidas com a proibição de fazer negócio com o governo?
SIMÃO – 
Sim, podem ser declaradas inidôneas. Nesse caso, ficam impedidas de fazer contratos com o governo.

DINHEIRO – Qual é a chance?
SIMÃO – 
Difícil saber. Mas, pelos elementos que temos até agora, eu diria que há uma grande probabilidade de declaração de inidoneidade.

DINHEIRO – Que efeito a lei anticorrupção pode ter nas empresas? A multa de até 20% do faturamento vai assustar?
SIMÃO – 
Não digo assustar, mas deve levá-las a rever suas condutas e a implantar programas de compliance. Um programa desses vai permitir que o pagamento de propina, se houver, seja identificado internamente.

DINHEIRO – Qual é a proporção de empresas que têm programas de compliance?
SIMÃO – 
Não temos um levantamento. É um movimento bastante recente, que queremos estimular. A CGU está estruturando uma área para acompanhar as empresas estatais e também a administração direta. Várias estatais têm boas auditorias internas, sistemas de controle, mas é sempre importante evoluir. Na transparência da decisão, no controle social, nos canais de denúncia interna da empresa e de treinamento. A Petrobras tinha uma área de auditoria, mas não foi suficiente para identificar o que acontecia. A boa conduta precisa ser internalizada. É preciso ter mais transparência.

DINHEIRO – Como está a implementação da Lei de Acesso à Informação?
SIMÃO – 
No âmbito federal é um sucesso, com muitas consultas. Em média, foram 7,5 mil pedidos por mês, no ano passado. Os órgãos têm cumprido os prazos. O Brasil é o primeiro país do mundo em transparência de dados do Orçamento e o terceiro em transparência de dados financeiros. Nos Estados e municípios, há um pouco mais de dificuldades, precisamos evoluir. Um número significativo de municípios não cumpre a lei, e não temos como obrigá-los.

DINHEIRO – Qual é a sua avaliação da corrupção na máquina pública?
SIMÃO – 
A corrupção existe. É uma chaga que temos de extirpar. Temos de atuar em dois lados. Do lado da prevenção, adotando normas de conduta que mudem o comportamento das pessoas e aumentem o controle e a transparência. E do lado repressivo, com uma atuação rápida na punição dos responsáveis, que eleve a percepção de risco.

DINHEIRO – A percepção que se tem hoje é de impunidade…
SIMÃO – 
A CGU já puniu, inclusive com demissão, um percentual significativo de servidores, que aumenta a cada ano. O que é uma coisa triste. Precisamos aprimorar as rotinas de contratação e as normas que regem a conduta para que isso não aconteça mais. É muito ruim porque, quando você pune, o ato já foi cometido e nem sempre é possível recuperar o prejuízo. É uma atuação reativa. Precisamos garantir que não haja desvios.

DINHEIRO – Há transparência no trâmite de recursos e salários da administração direta, mas não no das estatais. A CGU vai fazer algo para aumentar o controle sobre as empresas públicas?
SIMÃO – 
Na administração direta já existe uma padronização. Nas empresas é mais difícil, cada uma tem um sistema diferente, um órgão regulador. Vamos montar na CGU grupos de especialistas para cada área de negócio. Vamos aprimorar isso, garantindo o sigilo dos negócios, mas com transparência. As próprias empresas privadas têm feito isso. É necessário elaborar um estatuto das estatais e a CGU vai recomendar que isso seja feito.

DINHEIRO – Isso já foi discutido com a presidente Dilma Rousseff?
SIMÃO – 
É uma discussão que está nos estágios iniciais, no Ministério do Planejamento. Ainda não temos um documento, mas já existe um diagnóstico da necessidade.

DINHEIRO – No caso da Lei 12.846, em qual ponta entram as estatais? Como empresa que pagou propina ou como governo?
SIMÃO – 
Depende. Se um funcionário de uma estatal pagar uma propina para um funcionário público estrangeiro, ela responde como empresa.

DINHEIRO – E no caso da Petrobras, em que o dinheiro saiu de uma estatal para empresas privadas?
SIMÃO – 
A lei fala sobre atos lesivos contra a administração pública. Nesse caso, quem foi lesado foi a Petrobras, que é considerada administração pública. Agentes públicos estavam recebendo propina no âmbito da empresa.

DINHEIRO – A Petrobras é uma empresa de economia mista, com ações no mercado. Quem fica com os recursos que porventura forem devolvidos?
SIMÃO – 
A Petrobras. Se a Pe­­trobras foi lesada, ela tem de ser ressarcida.

DINHEIRO – A Petrobras se recusava a usar a lei de licitações, argumentando que é uma empresa de mercado e precisa de agilidade. Isso pode mudar?
SIMÃO – 
Acredito que é possível compatibilizar as especificidades da Petrobras com uma legislação adequada de compras. Não sei se o uso da lei de licitações teria evitado o que aconteceu. Certamente é preciso aperfeiçoar o processo de compras. Mas esse é um regulamento interno da empresa. A área de compliance está discutindo essas questões, e a CGU vai acompanhar.

DINHEIRO – A presidente fez algum pedido quando o convidou para o cargo?
SIMÃO – 
Sim. Ela pediu que reforçássemos a capacidade de atuação, ampliássemos o nosso raio de ação. Precisamos dar um passo à frente, para não olhar só para o retrovisor, olhar para o para-brisa também. Aumentar o monitoramento e acompanhar as coisas enquanto elas acontecem.