30/05/2007 - 7:00
DINHEIRO – O sr. acredita que a CPI do Caso Gautama será instalada?
AUGUSTO CARVALHO – Sim, até porque são vários os partidos envolvidos. Também aparecem o Executivo e o Legislativo, então, a CPI não é uma proposta de confronto entre a oposição e o governo. O que se pretende é uma investigação feita pelo Parlamento para que se possam apurar fatos que escandalizam a Nação. Não é possível que o Congresso Nacional não faça nada diante de uma crise avassaladora, que revela um esquema criminoso de assalto ao poder público. É obrigação do Parlamento acompanhar de perto. Além disso, parlamentares e ministros que venham a ser citados têm foro privilegiado. E aí? Como fica? Vamos aguardar os julgamentos das cortes supremas?
“A Polícia Federal parece melhor capacitada para desenvolver suas operações “
DINHEIRO – Pode-se confiar no trabalho da Polícia Federal? Dizem que haveria um certo viés político nessa Operação Navalha.
AUGUSTO – Felizmente a PF parece mais bem dotada de equipamentos e instrumentos para poder desenvolver as suas operações. Ela tem inclusive o respeito da opinião pública, porque essa investigação pega membros do próprio partido do governo. Seria direcionada por quem? Pelo Sarney, que estaria se vingando da operação Lunus? Afinal, pegaram também o Silas Rondeau, que é ligado ao Sarney.
DINHEIRO – Novamente surge um caso envolvendo emendas parlamentares. Esse instituto não se mostrou frágil e vulnerável?
AUGUSTO – Criar a CPI significa também insistir na investigação dos efeitos. As causas estão subjacentes, inclusive a forma de se fazer o Orçamento no País. Discute- se muito mal, formula-se pior e se executa porcamente. A Constituição proíbe, mas matérias do Executivo são colocadas como condicionantes à liberação de emendas parlamentares. Entra governo e sai governo, a execução do Orçamento tem sido um balcão de negócios. O parlamentar dócil aos ditames do governante de plantão tem os seus mimos, suas emendas executadas. Aqueles que se opõem, os rebeldes, não são atendidos. Todas as CPIs – eu estava aqui na época da CPI dos Anões – sugerem uma série de mudanças na forma de fazer e executar o Orçamento, principalmente o fim das emendas individuais.
DINHEIRO – Por quê?
AUGUSTO – As emendas individuais, além de pulverizar recursos que são escassos, deixam de trabalhar no estratégico. É por onde começa a promiscuidade com o interesse privado. É importante também que o orçamento seja impositivo, ou seja, uma vez aprovado pelo Congresso deve ser executado pelo Executivo. A gente que acompanha a liberação de emendas observa no dia das votações o fluxo da liberação das emendas, por partido, de acordo com a simpatia ou não com o tema. Isso é lamentável.
“Helmut Kohl, pai da reunificação alemã, foi pego em financiamento ilegal e punido”
DINHEIRO – O Orçamento impositivo seria uma solução?
AUGUSTO – Ele não resolveria tudo, mas seria um passo importante. Acabaria com as pressões políticas para negociar emendas. Há as individuais, as rachadinhas, as coletivas, que muitas vezes abrigam interesses escusos, esse poder absoluto do relator que acolhe a emenda da bancada estadual para não ficar mal com os colegas
DINHEIRO – As emendas interessam às empreiteiras que são financiadoras de campanhas eleitorais. Não haverá um conflito de interesse, mesmo no Orçamento impositivo?
AUGUSTO – Essa é a questão que fica subjacente. O parlamentar emenda o Orçamento, que depois será aprovado pelo Congresso. No Orçamento impositivo, o próprio mercado se organiza para levar uma proposta. As forças do livre mercado é que devem levar a sério a Lei de Licitações, e que vença a melhor proposta. Hoje, o que a gente vê é que mesmo obras que estavam em situação irregular, segundo o TCU, foram burladas e tiveram apoio por expedientes de toda natureza.
DINHEIRO – Se as obras eram irregulares, como as verbas foram liberadas?
AUGUSTO – Essa é uma parte que continua obscura. Segundo o relatório das investigações da PF, os fatos que envolveram o Ministério de Minas e Energia teriam ocorrido este ano. Fomos atrás das liberações de emendas parlamentares para este ano e não encontramos nenhum desembolso da União para a Guatama. Então veio de onde? Do programa Luz para Todos. Quem está tocando? A estatal Eletrobrás e as suas concessionárias. Daí, percebi por que não consegui encontrar as emendas nem saber dos repasses, por que as empresas estatais não estão no Siafi, o banco de dados que acolhe as despesas e receitas da União.
DINHEIRO – As empresas estatais não são fiscalizadas?
AUGUSTO – Existe um outro orçamento da República, leia-se Banco do Brasil, Petrobras e outras estatais, fora de controle. Bimestralmente um relatório vai para o TCU, mas é inacessível. A gente, por meios difíceis, captura aquele relatório de dois em dois meses. É um outro orçamento que está completamente opaco, no buraco negro. Há falta de controle dos órgãos que atuam na prevenção e nesses episódios de desvio.
DINHEIRO – É, então, de uma nova frente de corrupção?
AUGUSTO – Quem estava aqui em 1990, durante a CPI dos Anões do Orçamento, tem a sensação de déjà vu. Há empresa, há empreiteira envolvida… A corrupção migrou da administração direta para a indireta. Tem a CPI dos Correios, do Mensalão, depois veio a Gtech, que envolveu a Caixa Econômica, e o caso do Banco do Brasil, com o Henrique Pizzolato, Furnas, agora Eletrobrás e a Eletronorte. Dá para perceber que a grande concentração das irregularidades está nas empresas estatais, porque não há esse foco de luz que permite que se acompanhe suas contas.
DINHEIRO – A transparência do Siafiresolveria?
AUGUSTO – Não quer dizer que, se todos os dados estivessem disponíveis, a corrupção acabaria. Mas eu acho que a transparência seria uma forma de prevenir.
DINHEIRO – A reforma política, com financiamento público de campanha, seria útil?
AUGUSTO – Sem dúvida. Há causas profundas, na própria essência do Parlamento. Como o deputado e o senador chegaram aqui? Por meio de quais recursos? É só cruzar as informações de receitas de campanhas e dá para ver a origem. As empreiteiras financiam campanhas e participam de obras públicas. Seu apoio não é desinteressado. O financiamento público de campanha seria uma das boas medidas a serem tomadas na reforma política, que é necessária, para pôr fim à promiscuidade, ao lobby que não é regulamentado.
DINHEIRO – Seria importante regulamentar o lobby?
AUGUSTO – Claro. As empresas teriam uma sala aqui, aberta. O deputado conversaria com os lobbistas, sem constrangimentos, como ocorre nos Estados Unidos. Com a contabilidade exclusiva de dinheiro público, ele não vai precisar recorrer a complementos para poder disputar candidaturas.
DINHEIRO – A impunidade ajuda?
AUGUSTO – Sem dúvida. Até mesmo as insignificâncias das penalidades. Há 15 dias, o TCU divulgou o relatório final da sua auditoria sobre as operações que resultaram na punição do ex-ministro Gushiken, e a punição foi de R$ 30 mil, sobre um rombo de R$ 9 milhões. As punições são insignificantes. Quanto à punição judicial, o parlamentar e o ministro têm foro privilegiado. Lamentavelmente, o presidente (da Câmara) Arlindo Chinaglia, em má hora, apresentou a proposta de ampliar o foro privilegiado para crime de improbidade (risos). Ampliaria, assim, a abrangência do manto da prerrogativa, que só existe no Brasil.
DINHEIRO – A legislação que existe sobre corrupção não deveria ser mais rigorosa?
AUGUSTO – Apertar as cravelhas, é isso mesmo. Mas há mecanismos que estimulam a corrupção, como é o caso da renúncia para não ser cassado.
DINHEIRO – Há como reforçar o arcabouço jurídico?
AUGUSTO – Eu acho que a reforma política e a reforma do Judiciário são imanentes à reforma dos costumes que o País exige. A reforma do Judiciário, que deve partir deles próprios, tem de apertar o sistema de punição daqueles que desonrarem a toga. Tudo isso é importante para que não tenhamos o terceiro episódio da CPI dos Anões.
DINHEIRO – O Congresso que aí está tem condições de fazer essas mudanças?
AUGUSTO – Essa situação chegou ao limite. A população não confia no Legislativo há muito tempo. E o Judiciário também passa a merecer a desconfiança, porque vários de seus membros estão em investigações interna corporis. A perda de credibilidade nas instituições vai acabar abalando a sociedade e o nosso sistema de democracia representativa.
DINHEIRO – Na Câmara, o sentimento também é esse?
AUGUSTO – A magnitude do escândalo é de tal maneira avassaladora que os próprios partidos terão que resgatar a sua imagem. Vamos cortar na carne se tiver que cortar, mas que se restaure a imagem dos partidos e do Parlamento. Está todo mundo junto. É uma questão de defesa da instituição, dos partidos políticos, da democracia, da República. O PT e o PcdoB estão fazendo reuniões internas para saber se assinam ou não o pedido de CPI.
DINHEIRO – O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que é normal os parlamentares receberem mimos. É isso mesmo?
AUGUSTO – O Regime Jurídico Único do servidor está na lei. O ministro não tem que achar, a lei tem que ser observada.
DINHEIRO – O limite é de R$ 100, não é isso?
AUGUSTO – R$ 100, R$ 200, sei lá.
DINHEIRO – A corrupção vai diminuir?
AUGUSTO – Eu continuo sendo otimista. Acredito na democracia, no Parlamento. É uma questão de depurar. Não é só aqui no Brasil. Volta e meia, vetustos parlamentos da Europa também são sacudidos por ondas de problemas morais.
DINHEIRO – Mas no Exterior as pessoas caem em desgraça. A impressão no Brasil é que nada acontece.
AUGUSTO – É verdade. Basta lembrar o Helmut Kohl, o festejado pai da reunificação da Alemanha, contra a nossa vontade, do partidão, já que ainda torcíamos pelo socialismo real. Pouco adiante, Kohl foi apanhado em financiamento ilegal e as conseqüências foram contundentes e imediatas. Aqui, as pessoas raramente são punidas e voltam rapidamente à vida pública.