05/12/2014 - 20:00
Num dos anos mais peculiares para o setor público brasileiro, a divulgação do Índice de Percepção de Corrupção, divulgado pela ONG Transparência Internacional, é de corar o pior dos patifes. Neste ano, a despeito de todos os escândalos escancarados, como o do cartel do Metrô de São Paulo e da roubalheira na Petrobras, o Brasil melhorou três posições nesse ranking, baseado em pesquisas com empresários e investidores e em dados de instituições como o Banco Mundial e o Fórum Econômico Internacional. O País está na 69ª colocação, no miolo do pelotão de 175 nações.
Na escala de zero a 100 pontos, recebemos 43, abaixo da média da América (45) e dos países do G20 (54). Nem a mais otimista das Polianas seria capaz de dizer que, pelo menos, roubamos menos que os países que ficaram para trás. Qualquer avanço, mesmo que seja um mísero progresso, é uma ironia para um país cuja maior empresa está atrelada a uma série de esquemas escusos, vê suas maiores construtoras envolvidas num amplo esquema de aliciamento e pagamento de propinas para conquistar encomendas e que desmascarou cartéis que se beneficiaram das melhorias de infraestrutura nas grandes cidades.
A explicação da Transparência Internacional para esse resultado é igual à dos atacantes de futebol que culpam o estado do gramado pelo gol perdido: as informações foram coletadas até agosto deste ano, portanto, antes de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de refinarias e abastecimento da Petrobras, e do doleiro Alberto Youssef terem assinado os acordos de delação premiada com o Ministério Público para contar como funcionava o esquema de propina na estatal. Não custa relembrar que a parte mais importante da operação Lava Jato, que resultou na prisão deles e de outros criminosos, foi deflagrada pela Polícia Federal em março.
Mais: no mesmo mês, o MP de São Paulo denunciou 30 executivos e 12 empresas pela formação de cartel em licitações para contratos no Metrô e nos trens paulistas. Se o Índice de Percepção de Corrupção atribuir pontos para as declarações de Costa na CPI mista da Petrobras, na semana passada, o Brasil certamente despencará muitas posições na próxima edição. O delator do esquema falou pouquíssimo nas três horas de acareação com Nestor Cerveró, ex-diretor da área internacional da Petrobras responsável pela indicação da compra da refinaria de Pasadena, nos EUA. Costa avisou que confirmava tudo o que dissera para a Justiça e, por isso, não entraria em detalhes. Mas o pouco que disse foi o suficiente para fazer esvair qualquer resquício de ingenuidade na República.
Segundo ele, nos quase 30 anos de redemocratização, todos os diretores da Petrobras e de outras empresas estatais só chegavam a cargos de chefia se tivessem apoio político. Ele citou nominalmente todos os presidentes – Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma. “Isso é fato, pode ser comprovado”, disse. “O que acontecia na Petrobras acontece no Brasil inteiro e não é de hoje, como querem alguns: nas rodovias, nas ferrovias, nos portos, nos aeroportos, nas hidrelétricas. Isso acontece no Brasil inteiro.” O “isso” mencionado por Paulo Roberto Costa é justamente a corrupção, que está arraigada por todo o País, em todas as esferas públicas, com anuência de uma parcela do setor privado e da sociedade.
Para quem vive uma democracia plena, com instituições consolidadas, e está entre as maiores economias do mundo, contentar-se com uma posição intermediária num ranking de percepção de corrupção é aceitar um país medíocre, que se dá por satisfeito ao ficar à frente da China, um país fechado, que está sob os olhos grandes do governo e sem liberdade de imprensa. É preciso, claro, resolver essa bandalheira escancarada sem jogar a sujeira para baixo do tapete. E almejar ser Dinamarca, Finlândia, Suíça e Canadá, que estão nas dez primeiras colocações. Se não for assim, vamos continuar com a ilusão de que a corrupção não nos atinge.