08/02/2012 - 21:00
A desocupação da Cracolândia, região central da cidade de São Paulo tomada por usuários do crack, e a reintegração de posse do Pinheirinho, bairro periférico de São José dos Campos, no mês passado, chamaram a atenção por dois motivos. O primeiro foi a atuação desastrada do poder público, especialmente da Polícia Militar, que agiu com grande estardalhaço e com uma boa dose de truculência. O segundo foi o surpreendente apoio da população. Uma pesquisa do instituto Datafolha, divulgada no domingo 29, mostrou que 82% dos entrevistados aprovaram a atuação policial na Cracolândia. Os comentários das notícias da desocupação do Pinheirinho mostraram opinião semelhante.
A imagem da moradora expulsa do Pinheirinho mostra um Estado alinhado com os novos
desejos dos eleitores e menos tolerante com as questões sociais.
A tônica era “se invadiram, são criminosos, e devem ser punidos”. É fácil, depois do ocorrido, considerar que os policiais foram desnecessariamente agressivos e os ocupantes foram vítimas. Ambos estavam errados. Os invasores por tomar posse de áreas privadas. E a polícia por tratar a todos como criminosos. A imagem da moradora aos prantos por encontrar demolida a casa que ocupava no Pinheirinho repercutiu fortemente no País e no Exterior e mostrou um Estado muito menos tolerante com o que pode ser chamado, com razoável grau de imprecisão, de “questões sociais” que não estão incluídas nas políticas públicas estruturadas.
Esse é o ponto mais significativo do apoio à truculência nas desocupações. A redução da tolerância do poder público não ocorreu por acaso. Só os mais ingênuos acreditam que os governantes tomam qualquer decisão sem pesar como ela vai melhorar ou piorar seus índices de popularidade – ainda mais em um ano eleitoral como 2012. Assim, uma imagem mais dura, autoritária e moralizadora só existe porque os detentores de cargos públicos notaram que essa era uma demanda da maioria dos eleitores. Isso não ocorreu por acaso , mas é um reflexo do processo de ascensão social da população brasileira que vem ocorrendo ininterruptamente nos últimos anos.
A inserção de 49 milhões de brasileiros nas classes A, B e C entre 2003 e 2011 – levantada por uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas – não se limitou a transformar cidadãos em consumidores, turistas e proprietários. Ela também criou eleitores muito mais conservadores. É compreensível. Quem está apertando o cinto para pagar seu primeiro imóvel ou carro 1.0 não quer nem ouvir falar de redistribuição de renda. Ou seja, cresce o apoio a soluções eficazes, ainda que truculentas, para questões como propriedade da terra e tratamento dos dependentes químicos. “Desocupe” e “Interne-se à força” recebem mais aplausos do que “Negocie” e “Trate-se”.
Essa mudança é preocupante e não apenas em termos sociais. Além da estabilização da economia e do equilíbrio das contas públicas, o que garantiu a inserção de uma Inglaterra de brasileiros no mercado foi a mobilidade social e econômica. Uma sociedade mais fechada, autoritária e conservadora pode reproduzir, de maneira ampliada, a dinâmica da exclusão que durou várias décadas. O cidadão da recém-emergida classe C, que apoiou maciçamente a linha dura na Cracolândia, pode cerrar fileiras para estancar a ascensão da classe D e travar o acesso de mais compatriotas às benesses do desenvolvimento – se o poder público não agir com igualdade e isenção para garantir os direitos de todos.