19/10/2005 - 8:00
Muitos nunca pensaram nela. Atravessaram os últimos anos concentrados no trabalho. Sob o ponto de vista financeiro, a geração que hoje tem mais de 40 anos não tem do que reclamar. A maioria – entre os bem empregados, é natural – tem uma remuneração maior do que a recebida por seus pais quando tinham a mesma idade. Isso sem contar os bônus, bem mais gordos agora. Alguns dados: o auge da carreira do brasileiro ocorre aos 41 anos, quando a chance de ter uma ocupação é sete vezes maior do que aos 16 e aos 66 anos. Já o pico da remuneração se dá entre os 45 e os 49 anos, segundo estudo do economista Marcelo Neri, da FGV. A estabilidade financeira, entretanto, não evitou que ela chegasse. Ela, no caso, é a famosa crise da meia-idade, também chamada de crise dos 40.
Foi assim com o engenheiro mecânico Luiz Roberto Piragine, de 44 anos, de São Paulo. Gerente de manufatura de uma multinacional e com um bom nível salarial, Piragine sempre teve as finanças em ordem. Entretanto, o lado pessoal entrou no vermelho assim que entrou na quarta década. ?Comecei a sentir uma angústia muito grande?, conta. ?Passei a achar a minha vida chata, sempre igual?. Essa angústia, avalia Piragine, foi mais afetiva do que profissional. Sobrou para o casamento, que acabou desfeito. Para entender o que estava acontecendo, passou a fazer terapia. ?Mudei o meu modo de pensar, passei a valorizar mais os laços afetivos?, afirma. Hoje, o balanço que o engenheiro faz é que, na busca pela tranqüilidade financeira, o lado pessoal acaba deixado de lado. ?Acho que a minha geração está bem financeiramente, mas mal emocionalmente?, filosofa.
A psicóloga Suely Murdocco concorda. Para ela, o saldo da conta corrente pode até ajudar os quarentões a lidar melhor com a crise da meia-idade, mas não a evitá-la. ?Trata-se de um processo interno, de auto-avaliação?, diz Suely. ?O dinheiro pode dar condições para enfrentar melhor essa fase da vida?. Outra observação de Suely é que a crise dos 40 não chega, necessariamente, aos 40. ?Muitas pessoas já entram nessa fase a partir dos 35 anos?, afirma. E um dos motivos é econômico.
Uma parcela considerável da geração que tem hoje por volta de 35 anos chegou muito cedo ao primeiro escalão corporativo. Se não bastassem os altos salários e os bônus recebidos, esse é um grupo que tem uma forte cultura de investimento. ?Tenho vários clientes que economizam metade do que ganham sem nenhum sacrifício?, diz o consultor financeiro Gustavo Cerbasi. O resultado é que esse pessoal atinge um nível de poupança muito alto antes mesmo de chegar aos 40 anos. Daí, passam a questionar mais cedo o sentido da vida que levam. ?Essa reavaliação se dá no momento em que a remuneração passa a ser menor ou igual aos rendimentos da aplicação?, diz Cerbasi. ?Se esse indivíduo está feliz na carreira, ele continua. Senão, vai pensar em fazer outra coisa?. E aí, o saldo bancário pode ser útil. ?A crise dos 40 é como se fosse uma segunda adolescência?, resume o psiquiatra Jorge Forbes. ?Como nessa fase não há mais os pais para bancar os sonhos, é melhor que cada um tenha sua própria fonte de recursos?.