18/11/2011 - 7:00
DINHEIRO ? Os europeus ainda não despertaram para a gravidade da crise ou já se deram conta da real situação?
SANTIAGO IÑIGUEZ ? Essa geração que está se formando agora ainda não viveu uma crise. Ainda não tem uma ideia clara do que está acontecendo. É a primeira experiência grave dessa natureza para muitos. Como se trata-se de uma crise global, a solução é mais difícil porque ninguém sabe qual a origem dela.
DINHEIRO ? A crise é global, mas a Europa tem grande parte da culpa.
IÑIGUEZ ? Sim, existe uma questão interna na Europa, que é uma crise institucional. Houve uma integração de políticas no continente, como a política monetária, mas falta integração de políticas fiscais, por exemplo. Já nos Estados Unidos, essas políticas estão plenamente alinhadas, em sincronia. Vivemos em um mundo em que a economia é global, mas não existe governo global. Enquanto não tivermos as estruturas de ?global governance?, continuaremos reféns das políticas do G-20, que sempre se reúne e nunca decide nada. Esse é o grande problema: a falta de liderança.
DINHEIRO ? O que a recessão está ensinando?
IÑIGUEZ ? Que tempos de crise são os melhores para criar novas empresas. Os melhores administradores da história surgiram em fases de dificuldade econômica. A crise tem ensinado muita coisa importante para as escolas de negócios. A ciência da administração é muito jovem, é uma disciplina muito complexa. Trata da integração não apenas de empresas, mas, sobretudo, de pessoas. Quem ler um manual de medicina atual e comparar com manuais antigos verá que as práticas médicas de 1930 beiram o absurdo. Quando alguém ficava doente, o médico o fazia sangrar na tentativa de curar a doença. Por isso, tudo aquilo que aprendemos no passado pode não ter mais validade. Há, com certeza, muitas regras que ainda são válidas, mas muitas caíram em desuso ou descrédito. Por isso, as escolas de negócios são mais importantes do que nunca.
DINHEIRO ? O que a Europa precisa fazer?
IÑIGUEZ ? Chegou a hora de desenvolver diretrizes menos arrogantes e mais comprometidas socialmente.
DINHEIRO ? Arrogantes?
IÑIGUEZ ? Sim. O tropeço econômico da Europa e dos Estados Unidos reduzirá o complexo de superioridade dos países mais desenvolvidos. A parte boa da crise é que ela irá curar a arrogância europeia, colocando todos no mesmo nível de conhecimento e experiência. Quem poderia imaginar, anos atrás, que alguns países europeus olhariam para o Brasil com admiração? Todos nós estamos curiosos para entender o que se passa aqui. O País soube moldar seu próprio modelo político, institucional e social, enquanto vários países europeus ficaram amarrados a velhos e ultrapassados conceitos.
DINHEIRO ? O que uma escola de negócios, como a sua, tem a oferecer aos estudantes brasileiros, se a Espanha vive uma profunda crise, com desemprego próximo a 25%?
IÑIGUEZ ? Estamos hoje muito mais dispostos a aprender, sem dúvida. Mas não existe uma boa escola de negócios sem uma boa parceria. E também não existe oportunidade melhor para aprender economia do que em uma época de crise como esta. Trata-se de uma autêntica aula prática.
Obras de reforma do estádio do Maracanã
DINHEIRO ? A grande maioria dos ministros que hoje comandam as economias europeias foi formada por universidades como a sua. Isso não abala a reputação da instituição e do próprio modelo educacional?
IÑIGUEZ ? A arte de ensinar negócios não é algo fixo, imutável, assim como acontece com a própria economia, que vive ciclos. As melhores escolas de negócios do mundo têm parcerias, buscam alunos de fora e enviam seus estudantes para conhecer novos horizontes. No Brasil, mantemos uma estreita aliança com a Fundação Getulio Vargas, com a Fundação Dom Cabral, com o Ibmec e, entre as instituições públicas, com a própria Universidade de São Paulo.
DINHEIRO ? Por que o Brasil ainda não foi contaminado pela crise?
IÑIGUEZ ? A economia brasileira e sua sociedade mudaram de forma impressionante nos últimos dez anos. O Brasil se tornou um dos mais fascinantes polos de atração econômica do mundo. O País está crescendo de maneira mais saudável do que o restante das economias emergentes, principalmente no lado Ocidental. A pobreza cada vez se reduz mais aqui, enquanto cresce em quase todo o mundo, inclusive nos países desenvolvidos. A ascensão social é evidente. Não por acaso, estou aprendendo português e já comprei uma casa no Rio Grande do Norte.
DINHEIRO ? O que o Brasil fez de certo para conseguir evitar o contágio de fora?
IÑIGUEZ ? Existe algo mais sofisticado no modelo econômico brasileiro, que tem sido alvo de estudo de escolas de negócios do mundo todo. Dentro do bloco que ficou conhecido como Bric, o Brasil é o que está mais alinhando crescimento econômico e sustentabilidade. Neste ponto, vocês estão muito à frente de China, Índia e Rússia. A democracia está consolidada. Não existe geração de conhecimento sem liberdade. O Brasil tem um modelo institucional e político muito mais consolidado. Nos últimos anos, essa estabilidade contribuiu para atrair investimentos a aprimorar o perfil social. Diante de tudo isso, é consenso que o País já se tornou um líder incontestável na América Latina.
DINHEIRO ? O País já é um polo de qualificação?
IÑIGUEZ ? Para o Brasil se tornar um polo de educação universitária ainda será necessário remover uma série de obstáculos. O primeiro é universalizar o ensino da língua inglesa, com qualidade. Existe um grande déficit de inglês no País. Outro ponto é melhorar o modelo de emissão de vistos de trabalho e para estudantes, que ainda é lento e burocrático.
Fila de desempregados em posto do governo na Espanha
DINHEIRO ? Mas o mercado de trabalho brasileiro está muito bem.
IÑIGUEZ ? O Brasil tem a sorte de hoje contar com uma economia que vive o pleno emprego. Quem tem qualificação dificilmente fica muito tempo fora do mercado. Por um lado, isso é bom. Por outro, exige uma maior preparação para trazer mão de obra qualificada em caso de falta de profissionais em determinados setores. Enquanto o País não adequar a oferta educativa à crescente demanda da economia, haverá gargalos de qualificação. Além disso, um MBA no Brasil ainda não está à altura de um curso idêntico na Europa. Este é um fato determinante para que estudantes brasileiros busquem cursos fora.
DINHEIRO ? Se um em cada quatro espanhóis está desempregado e há no Brasil excesso de vagas, não é hora de importar profissionais?
IÑIGUEZ ? Já existe um intercâmbio intenso de profissionais qualificados, capitaneado pelas empresas espanholas que atuam no Brasil, como o banco Santander e a Telefônica. O setor financeiro, o das telecomunicações, o da engenharia civil e vários outros estão atraindo muitos profissionais. Existem também muitos espanhóis que estão montando seus próprios negócios.
DINHEIRO ? A Espanha tem algo para atrair empresas e estudantes de fora?
IÑIGUEZ ? Ainda é cedo. Mas estou certo de que os investimentos brasileiros na Europa serão muito mais evidentes e fortes dentro de um ou dois anos. A crise criará novas oportunidades de negócios em todo o continente. As empresas brasileiras enxergarão boas perspectivas para investir na Espanha, ou simplesmente para usar o país como porta de entrada para negócios em economias vizinhas.
DINHEIRO ? A Alemanha já dá sinais de que a zona do euro irá encolher, com a expulsão de alguns países. A Espanha corre algum risco?
IÑIGUEZ ? Não acredito. Isso vale para as economias menores, como é o caso da Grécia. A Espanha tem condições de virar o jogo.
DINHEIRO ? Quanto tempo a crise irá durar?
IÑIGUEZ ? Esta é uma crise de ajuste muito importante. Não há como imaginar o fim do problema antes de dois anos. Nenhum economista fez uma projeção otimista assim. Ainda falta um ajuste no setor financeiro, uma recapitalização dos bancos que já supera ? 26 bilhões e o estímulo de ramos que geram mais emprego. A sociedade europeia precisará se adaptar a uma nova realidade social. Haverá, inevitavelmente, uma forte redução dos gastos com benefícios e seguridade. São medidas adequadas, mas muito enérgicas para uma população acostumada ao assistencialismo do Estado, que nos últimos 40 anos ofereceu um status de bem-estar incompatível com o novo cenário econômico. Não será fácil mudar um conceito tão enraizado.
DINHEIRO ? O que irá mudar?
IÑIGUEZ ? Muitos serviços que são prestados gratuitamente nos dias de hoje serão cobrados. Isso vale para a saúde, para a educação, para as aposentadorias. Por tudo isso, a Europa vive um choque social dramático. Os governos serão mais duros, provocando ainda mais tensões sociais. É esperar para ver.