DINHEIRO ? O presidente Lula disse que o espetáculo do crescimento começa este mês. Isso é possível?
ANTÔNIO PALOCCI ? Não vamos analisar as palavras fortes, mas as tendências. Na medida em que viramos a página da inflação explosiva e alongamos o perfil das tomadas de crédito, mudamos completamente o equilíbrio financeiro do País. Estão dadas as condições para a retomada do crescimento. E nisso está certo o presidente Lula: nós vencemos uma etapa.

DINHEIRO ? Então acabou o aperto?
PALOCCI ? Não. O fim das grandes restrições não significa
que o Brasil não tenha contas a ajustar. O esforço fiscal e
monetário deve continuar.

DINHEIRO ? O País estava na UTI, segundo sua própria descrição,
e teria melhorado. Mas os índices da economia real ? queda de
4,2% na produção industrial e cinco meses consecutivos de queda
no comércio ? mostram que continuamos ligados a aparelhos.
O sr. concorda?
PALOCCI ? A economia está muito assimétrica. Temos números de vários tipos. Tem setores crescendo e setores em decréscimo. Isso é típico de um país que acaba de sair de uma crise. Acredito que no fim do ano a situação estará no início de sua normalização.

DINHEIRO ? Que setores podem sair na frente nessa retomada de crescimento?
PALOCCI ? A exportação e o agronegócio começaram a se manifestar ainda nos momentos de crise. O problema é que existe um desequilíbrio entre esses dois setores e os setores de mercado interno, que estão com níveis baixos de crescimento. O que se deseja é que haja um ordenamento do processo de crescimento.

DINHEIRO ? O ministro Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, disse, esta semana, que o segundo semestre não deve repetir o mesmo bom resultado da balança comercial. O sr. concorda?
PALOCCI ? Existe esse risco, porque os incentivos aos expor-
tadores no fim do ano passado foram dados com o dólar va-
lendo R$ 4,00. Esse incentivo não vai existir. Por outro lado, os empresários trabalharam. Aquilo que se fazia com mais câmbio,
vai ser feito com outros méritos.

DINHEIRO ? Há quem acredite que, com tantos números ruins, a economia voltou dez anos no tempo. O sr. está entre esses analistas?
PALOCCI ? Há 20 anos o Brasil não cresce a taxas relevantes. É desejo desse governo restaurar altas taxas de crescimento, mas
isso não é possível nas condições que recebemos a economia.
Não dá para alcançar altas taxas em seis meses. Tenho, seguro,
que o Brasil tem vocação para um crescimento.

DINHEIRO ? E quais são os pontos fundamentais para que o destino do Brasil se realize?
PALOCCI ? Estamos trabalhando numa intensa pauta de condições iniciais do crescimento. Principalmente na derrubada de gargalos da economia. Caso não façamos isso, o País vai crescer e bater em alguma parede de falta de energia, crédito ou de logística.

DINHEIRO ? Essa é a função do pacote de microcrédito?
PALOCCI ? Exato. Começamos a dar crédito para os setores mais frágeis. Quando a economia tem dificuldades, o papel do Estado é começar pelos mais pobres. Num período de juros altos, o cidadão comum toma um pequeno empréstimo a juros exorbitantes.

DINHEIRO ? Quando essa injeção de dinheiro começa a se refletir na economia real?
PALOCCI ? Aos poucos, ela já começa a surtir efeito. As pessoas trabalham com expectativas e com projeções. Quem trabalha com produção já está se plane-
jando para um melhor momento ? que está próximo. Quanto mais gente pensar assim, melhor para todos.

DINHEIRO ? Segundo relatório da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) o consumo não tem acompanhado a produção industrial. Que conselho o sr. daria para os empresários?
PALOCCI ? Não é razoável que as pessoas tenham pessimismo. É preciso olhar para frente. A inflação está cada vez mais baixa e a dificuldade para crescimento está sendo removida. É fundamental que os empresários acreditem e preparem seus investimentos porque o Brasil vai se recuperar.

DINHEIRO ? Algumas empresas deram férias coletivas a seus funcionários. É um sinal preocupante ou meramente sazonal?
PALOCCI ? As grandes empresas têm feito isso de tempos em tempos. Mas desejamos que isso seja vencido de forma definitiva. Não há, entre os dados econômicos deste ano, nenhum efetivamente mais negativo do que dos últimos anos.

DINHEIRO ? O aumento da telefonia colocou o sr. e o ministro Miro Teixeira em situações opostas. Existe um mal-estar entre vocês dois?
PALOCCI ? Não, já conversamos depois disso. Tem momentos que um ministro expressa sua opinião de maneira mais expansiva que outros. Mas Miro não falou em romper contratos. Eu e Miro somos pessoas diferentes, mas estamos trabalhando sintonizados com o governo, na construção de novos acordos. Nesse processo existem aumentos de tarifas no meio caminho.

DINHEIRO ? Uma quebra de contratos é pior que a insatisfação da população com aumento de tarifas?
PALOCCI ? Nós não estamos trocando satisfação da opinião pública por imagem. Romper contratos tem um custo econômico. Não adianta dizer para os investidores que a regra do jogo será mudada no segundo minuto do segundo tempo. Nesse caso, marcar cinco gols não nos garante a vitória. E tenho dúvidas se os investidores investirão no Brasil depois de passar por quebra de contratos.

DINHEIRO ? Como evitar estresse na época do reajuste de tarifas?
PALOCCI ? Os ministros das áreas de infra-estrutura estão trabalhando na construção de marcos regulatórios para ordenar
os setores. As mudanças nos contratos podem e devem ser feitas, por meio de muita conversa e negociação.

DINHEIRO ? O fato do aumento das tarifas telefônicas ter sido feito de uma vez só resultará em um impacto de 0,56 ponto porcentual no Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA). Isso pode mudar a disposição do Copom em baixar os juros?
PALOCCI ? Essa questão não será decisiva para a queda de juros. O aumento da telefonia estava na conta de todas as projeções da equipe econômica. Além disso, as tarifas aumentaram menos do que rezava os contratos. O aumento foi de cerca de 20% e os contratos permitiam aumentos de 38%.

DINHEIRO ? Por falar em juros, o sr. está preparado para a nova rodada de críticas do vice-presidente José Alencar?
PALOCCI ? Se o Alencar não se manifestar vou ligar para ele para saber se está tudo bem. O vice-presidente é de opinião que queda de juros tem um efeito maior no conjunto na economia. Eu respeito, embora discorde. Gostaria que ele tivesse total razão e que descer
os juros resolvesse tudo em termos de crescimento. Infelizmente, depois de baixar os juros ainda existem muitas outras coisas para garantir crescimento.

DINHEIRO ? Como o quê?
PALOCCI ? Não dá para dizer que a população deve voltar a consumir de uma hora para outra. Isso não vai acontecer porque as pessoas têm menos renda que no ano passado.

DINHEIRO ? É do interesse do Brasil renovar o acordo com o FMI em setembro?
PALOCCI ? Nós não temos uma avaliação definitiva. É verdade que o recurso do FMI foi importante para sairmos da crise. Se o dinheiro voltar a ser necessário não há por que não procurarmos o Fundo. Mesmo com apenas uma necessidade de apoio financeiro, não vamos deixar de buscar o FMI. Por outro lado, caso não seja nem um pouco necessário, não vamos atrás do dinheiro.

DINHEIRO ? A ponte entre o sr. e os técnicos do FMI para setembro já foi feita?
PALOCCI ? Claro, converso sempre com o responsável da
América Latina, com o nosso representante, com o presidente
do FMI. Mas ainda sem nada de concreto.

DINHEIRO ? É verdade que o valor pode superar os US$ 30 bilhões do ano passado?
PALOCCI ? Não existe necessidade disso. Pelo contrário, a tendência é precisar de algo mais modesto. Ou nem precisar de um acordo.

DINHEIRO ? A Argentina impôs regras de fluxo de capitais. Isso está na cartilha do sr.?
PALOCCI ? Isso não aparece nem nas pri-
meiras dez páginas da nossa pauta. Nós conseguimos que o capital se alongasse naturalmente. Mas não posso fazer uma declaração para o resto dos anos.

DINHEIRO ? Que balanço o sr. faz dos primeiros seis meses do PT à frente da política econômica brasileira?
PALOCCI ? Tivemos seis meses para enfrentar nosso principal desafio: enfrentar as graves restrições dadas pela crise de oferta do ano passado. Era muito difícil saber em novembro, dezembro e até em janeiro quanto tempo levaria para debelar os principais efeitos da crise que se expressava em uma inflação muito alta, com projeções de 40% para o ano.

DINHEIRO ? Essa crise já foi vencida?
PALOCCI ? Cheguei à conclusão que sim. Mas nós não tínhamos
a previsão de quanto tempo duraria o esforço para virar a página
da inflação alta, da demonstração clara da sustentabilidade da
dívida, da volta de crédito para as empresas. Era muito difícil sa-
ber se essa etapa ia demorar um ano ou mais. A boa notícia é
que em seis meses foi possível debelar as principais ameaças da estabilidade econômica do País.

DINHEIRO ? Com esse período de ordenamento, o governo não perdeu o ponto para a retomada do crescimento para este ano?
PALOCCI ? Não acredito nisso. É totalmente possível retomar o crescimento ainda este ano. O problema é que não tínhamos opções. Ou crescíamos sem fazer os ajustes e, agora, estaríamos com uma inflação explosiva. Ou partiríamos para um ataque frontal à inflação. Foi o que fizemos para garantir um crescimento sustentável.

DINHEIRO ? A que preço?
PALOCCI ? Criamos dificuldades para o crescimento, é verdade.
Mas no oposto dessa dificuldade não estava o crescimento, era inflação. No ano passado, o governo não fez a opção de comba-
ter a inflação no curto prazo. Eles optaram por deixar a economia fazer o ajuste de contas externas. Com isso, o combate à inflação ficou para este governo.

DINHEIRO ? Quanto será o crescimento do PIB, segundo as contas do sr.?
PALOCCI ? Acredito que podemos trabalhar com projeção de crescimento em torno de 2%.

DINHEIRO ? Esse número é muito controverso. O Ipea começou o ano apostando em 2%, depois ficou em 1,8% e, agora, está em 1,6%. O próprio Banco Central apresentou duas metas nesses seis meses. Isso não atrapalha o planejamento da equipe econômica?
PALOCCI ? Não é uma meta contra outra. Todas as projeções
estão certas. Cada uma é construída em um cenário específico.
Existe o cenário de juros de 20% no fim do ano, mas existe a possibilidade de ser 26%.

DINHEIRO ? Dessas duas possibilidades, qual a aposta do sr.?
PALOCCI ? A tendência é de queda dos juros. Está claramente demonstrado que os juros vão cair.

DINHEIRO ? O combate frontal da inflação foi criticado pelo ex-presidente Fernando Henrique, que achou o remédio muito amargo. O sr. concorda com ele?
PALOCCI ? É verdade. A diferença é que o remédio mais amargo permite combater a crise num período mais curto. Se a gente tivesse uma política fiscal mais permissiva precisaríamos de um ano e meio para fazer o que foi feito em seis meses. São opções. Preferimos um combate frontal do processo inflacionário para permitir que o País entre num ciclo de crescimento. Por mais difícil que seja começar esse ciclo, hoje ele é muito mais seguro.

DINHEIRO ? O chão está mais sólido?
PALOCCI ? Sem dúvida. Não podemos observar a árvore sem ver a floresta. A queda de meio ponto de juros no mês passado foi muito pequena. É verdade, uma queda dessa não é suficiente para retomar o crescimento. Agora, se olharmos em perspectiva, foi um indicador para a economia. Houve a inversão de uma tendência. E tenho certeza que a partir daí se iniciou um processo novo.

DINHEIRO ? Até aqui, bons e maus momentos, tudo saiu como o sr. previu antes de assumir o poder ou tudo está muito diferente?
PALOCCI ? É lógico que preferíamos pegar o Brasil em franca condição de crescimento. Tudo que um novo governo quer é crescer, criar empregos. Mas não se escolhe esse tipo de pauta. Entramos no governo com a economia em situação muito crítica e com o mundo paralisado do ponto de vista econômico.

DINHEIRO ? Estamos passando por uma recessão mundial ou estamos saindo dela?
PALOCCI ? Eu espero que sim, mas essa é uma resposta muito difícil de ser dada. O mundo viveu um movimento assimétrico. Durante um tempo a economia norte-americana sustentou a evolução da economia mundial. Esse crescimento está em questão hoje. A recessão do Japão já vem há quase uma década e a Europa está em uma estagnação muito grande. Há tendência de melhora.

DINHEIRO ? Até que ponto essa paralisia mundial influencia o crescimento do Brasil?
PALOCCI ? Influencia no sentido que não ajuda o País. Se existisse hoje uma perspectiva de grande crescimento mundial seria muito mais fácil para o Brasil. Mas a paralisia não quer dizer que o Brasil não possa crescer. Temos competitividade para crescer, mas não seremos ajudados.

DINHEIRO ? O sr. mexeu na meta de superávit primário e na meta de inflação. Que nova surpresa podemos esperar do Ministério da Fazenda?
PALOCCI ? (risos) Apenas transformamos em realidade a afirmação feita em 22 de junho de 2002, na Carta ao Povo Brasileiro, de que faremos o superávit necessário. Isso custa para o Brasil, mas não há crise sem custo que não será pago apenas pelo povo mais pobre.