DINHEIRO ? Qual será o efeito de longo prazo do rebaixamento da dívida americana? 

MORRIS GOLDSTEIN ? Os efeitos de longo prazo dependerão do que o governo americano conseguirá para assegurar uma trajetória melhor para a dívida pública. Se o Executivo e o Congresso aprovarem, nos próximos seis meses, uma redução da necessidade de financiamento de US$ 4 trilhões, incluindo  aumento de arrecadação, o impacto do rebaixamento não vai durar. A Standard & Poor’s está correta em apontar que há um impasse político perigoso impedindo uma consolidação fiscal séria dos Estados Unidos. A questão política é uma vulnerabilidade para o país: a recusa dos republicanos a   negociar é um problema que precisa ser superado. 

 

DINHEIRO ? A Standard & Poor’s está correta em rebaixar a classificação americana? 

GOLDSTEIN ? Muito vem sendo dito sobre a Standard & Poor’s, mas acho que o rebaixamento não é o principal problema. O que deixou o mercado desapontado foi a negociação sobre a dívida. Essa é a questão, a habilidade dos Estados Unidos para chegar a um acordo em torno de um pacote de médio prazo. Eu concordo com a agência, no sentido de que todo debate foi desencorajador.  

 

DINHEIRO ? Quais são as consequências para a economia americana dos cortes de gastos do pacote da dívida? 

GOLDSTEIN ? Certamente, enfraquecerão a economia. O plano de aumento do teto da dívida, aprovado pelo Congresso, foi muito ruim. Mostrou que temos um Partido Republicano que vê os problemas fiscais como religião. Não é possível ter uma política fiscal sensata se eles agem dessa maneira. Se a proposta do presidente Obama tivesse sido aceita, haveria uma solução para reduzir a dívida, a longo prazo, que deixaria espaço para estímulos fiscais de curto prazo. Isso não aconteceu.  

 

DINHEIRO ? Estamos de novo numa crise semelhante à de 2008?  

GOLDSTEIN ? Não acredito que seja tão grave quanto a de 2008, porque não temos problemas tão sérios e urgentes no sistema financeiro,  como tínhamos naquela época. Não será tão ruim, mas há muitos problemas ao mesmo tempo. A crise da dívida europeia é grave e os governos não estão fazendo nem perto do necessário para resolvê-la. A União Europeia (UE) parece estar negando a gravidade da situação, os países centrais não querem gastar muito dinheiro. Eles precisam reconhecer que pode haver um problema bancário sério, com as grandes carteiras de dívida pública europeia nos bancos. É preciso fazer algo para recapitalizar esses bancos, tentar melhorar a competitividade dos países e reduzir o endividamento. Esse é o primeiro problema.  A UE  não está atenta o suficiente nem colocando recursos necessários para lidar com a situação, especialmente agora com a crise de confiança atingindo a Espanha e a Itália.  

 

DINHEIRO ? E a situação americana?  

GOLDSTEIN ? A recuperação americana está numa forte desaceleração, e isso é um problema para os Estados Unidos e para o mundo. A dificuldade, agora, é que a maior parte da munição que tínhamos foi usada na última crise. E há uma relutância, tanto do Federal Reserve (FED) quanto do governo, de fazer algo numa escala semelhante à que tivemos em 2008. A política fiscal também não ajuda, o plano aprovado pelo Congresso é inadequado. A situação econômica é muito ruim, as empresas de consumo estão paradas, o mercado imobiliário, morto. Também não há muito o que fazer, em exportações, pois o dólar teria que se desvalorizar mais, em relação a moedas de países desenvolvidos,  para melhorar as exportações. Ao mesmo tempo, o Japão também não consegue crescer. Então, praticamente todas as regiões, excluindo os mercados emergentes, estão em crise. Eu me preocupo mais com a situação europeia do que com a americana.  

 

DINHEIRO ? Na sua opinião, o que será feito para estimular a economia nos Estados Unidos?   

GOLDSTEIN ? Acho que eles podem fazer algumas renúncias fiscais pequenas, por exemplo, em impostos incidentes sobre contratações. Acho que a política monetária vai depender de quão fraca estiver a economia. Talvez o FED tenha de voltar ao afrouxo quantitativo (compra de títulos dos bancos pelo Banco Central para aumentar a liquidez do mercado).  

 

DINHEIRO ? O sr. acha que esse acordo enfraqueceu as chances de reeleição do presidente Obama, no ano que vem?  

GOLDSTEIN ? Não, ele tem uma boa chance de se reeleger. Na realidade, Obama ganhou a oportunidade de retratar os republicanos como parte do problema, porque foram tão irredutíveis. Conseguiram o que queriam, mas prejudicaram o país. Os republicanos também não têm até agora um candidato forte.   

 

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“A situação europeia preocupa mais que a americana”

 

DINHEIRO ? Qual será o efeito da crise nos mercados emergentes?  

GOLDSTEIN ? A queda no crescimento mundial pode ser até  positiva, inicialmente, para alguns países que estavam com a economia muito aquecida. Mas uma retração forte será ruim. O mesmo pode ser dito em relação aos fluxos de capital. Pode haver uma redução desses fluxos, o que é bom para países que estão lidando com excesso de recursos, como o Brasil, se a  saída de recursos  for pequena. Mas uma reversão drástica e muito grande pode gerar instabilidade.  

  

DINHEIRO ? O que vai acontecer com os preços de commodities?  

GOLDSTEIN ? Não há dúvida de que vão cair. Com a desaceleração econômica em todo mundo, não há como manter altos os preços de commodities. Isso não aconteceu ainda, embora tenham caído as bolsas e os mercados de títulos. Mas,  à medida que ficar claro quanto a demanda vai cair, as commodities vão acompanhar. Isso vai acontecer, apesar do bom desempenho da China, do Brasil ou do soutros mercados emergentes.  

 

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O presidente Barack Obama

 

DINHEIRO ? Estamos caminhando para uma nova recessão global?  

GOLDSTEIN ? Ainda é cedo para dizer. Mas as notícias recentes são muito ruins. Hoje, o maior problema é que os governos não estão dispostos, politicamente, a fazer o que é necessário para resolver as questões econômicas. Na Europa, os países centrais não querem gastar muito para socorrer os periféricos, e nos Estados Unidos há esse impasse político. Você não tem a resposta rápida e coordenada que houve na crise de 2008. Na época, todos se dispunham a aceitar os custos e buscar munição para lutar contra a crise. Não vejo isso agora.  

 

DINHEIRO ? A situação, na Europa, parece estar longe de uma solução. O sr. acredita que mais países terão que reestruturar a dívida, além da Grécia? 

GOLDSTEIN ? É muito perigoso o contágio sobre a Espanha e a Itália. São países muito grandes e a resposta, até agora, é totalmente inadequada, em termos de volume de recursos. Será necessário muito dinheiro dos credores privados e, também, dinheiro público. Espanha e Itália não são casos tão claros quanto o da Grécia, em relação à necessidade de reestruturação da dívida, ou de um pacote de ajuda como  Portugal e Irlanda. Mas há vulnerabilidades importantes. A Itália tem um endividamento muito elevado, a Espanha enfrenta altos níveis de desemprego. Mas o que estamos vendo é que a França e a Alemanha estão relutando em ajudar, estão  muito cautelosas e agindo com atraso. Não podemos esquecer, também, que há um problema sério de competitividade difícil de resolver dentro da zona do euro.  

 

DINHEIRO ? A ação coordenada dos bancos centrais europeus, comprando dívida da Itália e  da Espanha, não é suficiente?  

GOLDSTEIN ? Acredito que é insuficiente. Claro, reduzir o custo dos títulos ajuda, mas não resolve o problema. O que é necessário é colocar muito mais dinheiro no Fundo Europeu de Estabilização Financeira, que hoje tem recursos claramente insuficientes (440 bilhões de euros), quando comparados ao volume necessário de redução da dívida.  Mesmo o acordo para a Grécia é temporário.   

 

DINHEIRO ? Qual é o futuro do euro?  

GOLDSTEIN ? Para que o euro continue sendo uma moeda forte, serão necessárias muito mais mudanças do que os países têm admitido até agora. Claramente, será necessário reforçar o sistema bancário e encontrar uma saída para dar competitividade aos países periféricos. Acredito que alguns países terão de deixar o euro, se não conseguirem crescer dentro da união monetária. Não é uma solução simples. Poderia haver soluções intermediárias, como tirar ?férias? do euro temporariamente.  

 

DINHEIRO ? Como assim?   

GOLDSTEIN ? A Grécia poderia deixar o euro e voltar à moeda nacional, que era o dracma, por um período. Poderiam ser estabelecidas condições para que o país retornasse ao euro, se desejasse. Claro, isso não é fácil de fazer. O custo é alto, todos os contratos são ligados à moeda. Mas, embora não seja indolor nem simples, talvez seja a única saída para restaurar a competitividade.  

 

DINHEIRO ? O Brasil vem tentando conter a apreciação do real sem sucesso. O que funcionaria para evitar a apreciação da moeda? 

GOLDSTEIN ? O principal seria punir quem desvalorizasse artificialmente sua moeda. O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o G-20, até hoje, não fizeram nada que realmente pudesse ajudar na guerra cambial, como diz o ministro Guido Mantega. Claro que o problema do Brasil hoje é o dólar, mas a questão original está na China, que continua manipulando o valor da sua moeda e gerando pressão por desvalorizações competitivas no mundo todo. Se a China faz isso e não é punida, por exemplo, por sanções da Organização Mundial do Comércio, qualquer país pode tentar fazer o mesmo. Precisaria haver uma solução multilateral para o problema.  

 

DINHEIRO ? Mas, dada essa situação, o que o Brasil poderia fazer?  

GOLDSTEIN ? No caso brasileiro, o que determina o fluxo de capitais é o diferencial de taxas de juros. Os controles nem sempre são efetivos. Uma solução poderia ser um pouco mais de contração fiscal, para ajudar a reduzir os juros.