Em meu último artigo nesta coluna, recorrendo a uma passagem de Anna Kariênina, de Tolstói, teci considerações sobre aquilo que o autor designou de “arbeitscur”, ou a cura pelo trabalho. No escopo da discussão sobre a nova pandemia de transtornos psíquicos que afeta a humanidade, com especial impacto no ambiente corporativo, seria imperdoável deixar a impressão de que apenas pelo trabalho pode-se encontrar a cura para as patologias produzidas pela vida contemporânea. Tão importante quanto uma nova atitude frente à experiência do trabalho — e de forma complementar ­— cabe destacar o caráter terapêutico do descanso.

Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, em um dos ensaios mais inspirados e instigantes dos últimos tempos, denominado A Sociedade do Cansaço, aponta que na dinâmica prevalente do mundo do trabalho, caracterizada pela lógica da performance e do resultado, o descanso apresenta-se como uma simples pausa, necessária apenas para “recarregar as baterias” e renovar as forças para seguir produzindo e performando com ainda mais “empenho” e “garra”. Tal perspectiva, aponta Han, acabou por transformar o descanso num mero tempo subsidiário da lógica produtivista, contribuindo, no médio prazo, para agravar a dinâmica patológica que prevalece na sociedade.
Nestes tempos de hipervalorização insana do ativismo, o descanso se tornou algo vazio, morto, meramente orgânico, ou então, espaço oco que deve ser preenchido por alguma atividade “útil” que agregue valor ou contribuição para o desempenho produtivo. Assim, vivenciamos o tempo de descanso numa oscilação bipolar entre a total prostração cheia de remorso e culpa e a dedicação alienante a ocupações supostamente benéficas, que, ao nos tornar mais competitivos, nos afastam dos outros e de nós mesmos.

“O tempo de descanso produtivo é aquele que a partir da experiência da contemplação e da celebração ressignifica não só nossa vida produtiva, mas nossa existência como um todo, e, por isso, é o tempo para ler coisas que transcendem o profissional”

Para ser terapêutico, o descanso deve ser vivenciado não como mero intervalo entre um e outro tempo “útil”; uma pausa estratégica no ritmo de uma vida determinada pelo produtivismo mecânico e destituído de sentido. Para ser terapêutico, o tempo de descanso precisa ser vivido como “tempo contemplativo”, como defende Byung-Chul Han; como tempo de contemplação, de celebração, de encontro com os outros, com a natureza, conosco mesmos.

O tempo de descanso não pode ser vivido como tempo subsidiário do trabalho, mas antes como tempo constitutivo; tempo em que deveríamos refletir sobre o significado da vida, da existência e do próprio trabalho.

O tempo de descanso produtivo é aquele que a partir da experiência da contemplação e da celebração ressignifica não só nossa vida produtiva, mas nossa existência como um todo, e, por isso, é o tempo para ler coisas que transcendem o profissional, para cultivar relações que estejam além do nosso network, para exercitar habilidades e competências que vão além da competitividade, mas que nos ajudam a amar, a ser melhores enquanto pessoas.

No âmbito da pauta ESG, na intenção de gerar espaços e experiências promotoras de saúde, e não de doenças, deve-se refletir não apenas sobre formas mais humanizadas de trabalhar, mas também sobre as melhores formas de descansar. O trabalho só pode nos curar se soubermos viver de forma verdadeiramente terapêutica nosso descanso.

Dante Gallian é doutor em História pela USP, coordenador do Laboratório de Leitura da Escola Paulista de Medicina e autor de Responsabilidade humanística — uma proposta para a agenda ESG (Poligrafia Editora)