DINHEIRO – Dois ex-executivos da Sadia e um do ABN Amro foram denunciados pelo Ministério Público por crime de informação privilegiada na proposta de compra hostil da Perdigão. A CVM também os investigou. Que crime eles cometeram?
MARIA HELENA SANTANA Eles negociaram ações usando informações às quais tiveram acesso privilegiado. Essas pessoas tinham deveres em relação à companhia que os impediam de usar as informações em benefício particular.

DINHEIRO – Luiz Gonzaga Murat e Romando Ancelmo Fontana, da Sadia, tiveram lucro nessas operações?
MARIA HELENA Sim.

DINHEIRO – E qual foi a acusação contra Alexandre de Azevedo, do ABN?
MARIA HELENA A mesma. Usou informação que tinha por estar trabalhando para a Sadia. Isso é ilegal.

DINHEIRO – Por quê?
MARIA HELENA Porque fere o princípio do mercado de que a informação deve chegar a todos para que todos possam tomar decisões de investimento em igual condição. Talvez este seja o mais grave dos crimes em relação ao mercado de capitais.

DINHEIRO – A denúncia do MPF é a primeira na esfera criminal no Brasil. Significa que haverá punições mais sérias para esse tipo de crime?
MARIA HELENA Não saberia avaliar enquanto (a denúncia) é só uma proposta. Evidentemente, se condenamos as pessoas, temos total segurança em relação às provas levantadas. Esperamos que o resultado na Justiça seja o mesmo. É muito positivo que essa primeira ação seja proposta. Aposta para uma perspectiva de endurecimento que é importante para ajudar a impor disciplina ao mercado, para ajudar a impedir que outras coisas desse tipo aconteçam.

DINHEIRO – A Justiça está preparada para julgar esse tipo de ação?
MARIA HELENA Tudo que é novo é um desafio. Esse não é um assunto corriqueiro. É um sinal de progresso, o mercado de capitais está adquirindo cada vez mais importância no financiamento das empresas e, na hora que a economia voltar a crescer, certamente será demandado. É importante que coisas ligadas à realidade do mercado de capitais passem a fazer parte da realidade da Justiça. Temos uma experiência muito positiva da vara especializada no Rio de Janeiro. E temos feito com as escolas de magistratura um curso de formação sobre o mercado de capitais.

DINHEIRO – Os dois executivos da Sadia foram inabilitados por cinco anos pela CVM. O Alexandre de Azevedo fez acordo para encerrar o processo. Esta não é uma punição muito leve?
MARIA HELENA O acordo não é punição em si e leva ao encerramento do processo sem reconhecimento de culpa. Isso tem muitas vantagens. Foi firmado num montante [R$ 238 mil] que seria equivalente à pena aplicada em um processo. Ele não poderia ser inabilitado, pois não estava exercendo uma função registrada na CVM, como analista, corretor ou administrador de companhia aberta. A multa é a punição. A nossa lei permite que seja cobrado até três vezes o valor da vantagem econômica.

DINHEIRO – Isso é suficiente para enquadrar um criminoso?
MARIA HELENA É o que a lei permite. Além de tudo, tem o ônus moral de ter sido objeto do processo. Na SEC (órgão regulador dos EUA), ele fez um acordo pelo mesmo valor, ou seja, duas vezes o valor do prejuízo.

DINHEIRO – Na SEC, 90% dos casos acabam em acordo.
MARIA HELENA É uma das coisas mais lógicas a serem feitas. Ao encerrar um processo mais rapidamente, podemos concentrar os esforços em outros casos. O efeito de prevenção de novos casos acaba acontecendo ao calibrarmos bem o valor do acordo e divulgarmos para o mercado.

DINHEIRO – As decisões da CVM podem ser revistas pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro. Isso não abre a porta para a impunidade?
MARIA HELENA Nosso sistema tem duas instâncias. Somos esferas independentes, não tenho comentários sobre as decisões do Conselhinho. Os processos têm sido bem instruídos e a maioria das decisões é confirmada por eles. O índice histórico de confirmação é de dois terços. Estamos trabalhando para melhorar o nível técnico de nossas acusações para que este índice ainda mude.

DINHEIRO – Como estão as apurações de outros casos, como o vazamento dos resultados da Petrobras e as questões da Suzano e da Ipiranga Petroquímica?
MARIA HELENA Alguns estão sendo analisados, outros estão em fase de conclusão. Seguimos o procedimento padrão: diante de movimentação ou oscilação atípica para a qual a explicação vem logo em seguida, olhamos 30 dias antes, vemos se há evidências de que a informação havia vazado, pegamos a lista de comitentes e ampliamos o prazo, se necessário. Se há evidências de lucro com informação privilegiada, vamos ao Ministério Público e pedimos o congelamento dos recursos. Fazemos isso muito rápido para pegar a primeira liquidação do pregão após a confirmação de informação relevante. Aconteceu em dois casos: Ipiranga e Suzano Petroquímica. A Justiça tem mantido o congelamento dos bens de todos os acusados, embora as investigações ainda não tenham sido concluídas.

DINHEIRO – Por que a SEC age mais rápido que a CVM? Há queixas de lentidão nos processos.
MARIA HELENA Nós também reclamamos, queremos que seja mais rápido e estamos trabalhando para isso. Há menos de um ano criamos uma equipe especializada nos processos sancionadores e a estamos capacitando. Já vimos uma aceleração dos processos, mas nada que se perceba ainda do lado de fora. No caso específico (da Sadia), a SEC recebeu uma denúncia de uma corretora nos Estados Unidos. Temos menos gente do que precisamos.

DINHEIRO – Quantos funcionários tem a CVM?
MARIA HELENA Em torno de 450. É a média histórica, sendo que o mercado já cresceu muito. Esperamos admitir 45 funcionários aprovados em concurso de reposição, que foi suspenso por uma liminar de candidatos revoltados. Temos no Congresso um projeto de lei que cria 165 novas vagas e recebeu um parecer favorável na Comissão de Finanças e Tributação. Se o Congresso aprovar, vai ser muito importante.

DINHEIRO – A SEC tem mais poderes que a CVM?
MARIA HELENA Ela tem obrigação de ingressar na esfera civil e criminal, enquanto nós só temos obrigação de fazer isso na esfera administrativa. E tem um poder que agiliza muito a investigação, que é olhar informações sob sigilo bancário.

DINHEIRO – A CVM quer ter acesso ao sigilo bancário no Brasil?
MARIA HELENA Exatamente. Temos um projeto de lei tramitando no Congresso. Gostaríamos de trocar informações com o Banco Central para instruir processos e manter o sigilo aqui. Não queremos quebrar o sigilo de ninguém, apenas transferir a obrigação de sigilo também para a CVM no caso de investigação. Hoje, dependemos da Justiça, e em alguns casos os juízes não autorizaram. Seria mais que justificado permitir o acesso da CVM para agilizar o seu trabalho.

DINHEIRO – O que a CVM tem feito para proteger investidores de fundos?
MARIA HELENA A transparência é importante para os investidores tomarem suas decisões. Estamos trabalhando para uma mudança em duas questões. A primeira é a entrega prévia de um prospecto simplificado com informações selecionadas. Que seja claro com relação ao objetivo de investimento, ao histórico do fundo. Com isso, é mais provável que o investidor se informe e tome a decisão menos com base em palpites ou conselhos, e mais em avaliação. A outra é melhorar a transparência dos fundos em relação às despesas que são deduzidas e interferem na rentabilidade. O que é taxa de administração, auditoria, transação, e tudo o mais. Que fique de forma mais evidente em relatório anual. Para o cliente poder comparar.

DINHEIRO – Com a queda dos juros, a poupança ficou mais competitiva que alguns fundos de renda fixa. O que acha de uma ação mais forte para que os bancos cobrem taxas de administração mais baixas?
MARIA HELENA Não controlamos preços no mercado. O que procuramos fazer é melhorar as condições e a transparência para que os investidores se eduquem e possam comparar. A preocupação da CVM se materializou no Portal do Investidor, lançado em 2007, que permite a comparação dos fundos da mesma categoria. A taxa de administração é fundamental na rentabilidade líquida e não pode deixar de ser analisada.

DINHEIRO – As taxas de administração de fundos não são muito altas?
MARIA HELENA Para produtos muito básicos, que demandam pouca especialização na gestão, como os fundos DI, fica difícil entender uma taxa tão elevada. As instituições se justificam dizendo que há outros custos, como a distribuição. É uma discussão para ser feita.

DINHEIRO – A CVM apoia uma concorrência para a bolsa? Quando isso poderia acontecer?
MARIA HELENA Não temos plano concreto sobre isso. Não quero especular. Essa tem sido a tendência em outros países. A concorrência de outras bolsas já seria possível. O que não há é concorrência entre a bolsa e o balcão organizado.

DINHEIRO – A ida de Armínio Fraga para o conselho da bolsa muda a interlocução com o governo?
MARIA HELENA Não. A bolsa é uma entidade regulada e tem um relacionamento estreito com a CVM, independentemente de quem a dirige. É positivo ver uma pessoa como Armínio Fraga, com um passado de serviços prestados ao setor público, se dedicar ao conselho, que é um organismo estratégico. A bolsa tem acionistas e objetivos de negócio, mas tem também o interesse público a preservar e defender. São duas vocações.