19/04/2006 - 7:00
É difícil acreditar que a senhora da foto já foi levada em um camburão por policiais franceses despejando impropérios na velocidade de uma metralhadora. Em maio de 1968, quando os estudantes transformaram Paris em campo de batalha, porque era proibido proibir, a alemã Sabine Vogel tinha apenas 20 anos. Entre paralelepípedos, nas barricadas, foi confundida com um dos manifestantes ? e no entanto estava ali a caminho do trabalho. ?Respondi algo muito feio para os policiais e acabei presa?, diz ela. Depois de quatro décadas, a imagem de fraunlein Vogel atrás das grades, uma jovem que aprendia o idioma de Marcel Proust, é inverossímil. Esta senhora, hoje condessa Lovatelli, título e sobrenome do marido Carlo, construiu construiu uma reputação invejável no circuito cultural brasileiro. Com o seu porte elegante, fala pausada e a serenidade estampada nos brilhantes olhos azuis, Sabine preside o Mozarteum, um instituto sem fins lucrativos que abriu as portas do mundo erudito no Brasil e que acaba de completar 25 anos.
Pioneirismo: sucesso do Mozarteum abriu espaço para a OSESP de John Neschiling
Em todos esses anos, foram 877 espetáculos com 355 artistas brasileiros, 522 artistas internacionais e um público de 1,6 milhão de espectadores. São números vigorosos em um País acostumado a cultuar apenas o samba e o futebol. E, se depender da entidade, a quantidade de adeptos promete aumentar. Para comemorar as bodas de prata do Mozarteum com a população brasileira, serão trazidos oito concertos. O primeiro deles, aberto ao público, acontecerá no dia 7 de maio, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, com os alemães da Orquestra Sinfônica WDR de Colônia. ?O objetivo é difundir a cultura por meio da música?, explica Sabine Lovatelli. Se a intenção é essa, o Mozarteum, com permissão do trocadilho, atuou com maestria. A entidade foi a responsável pela vinda de grandes nomes da música clássica mundial como os maestros Claudio Abbado, regente da Filarmônica de Berlim, Zubin Mehta, regente da Filarmônica de Nova York, e Rudolf Nureyev, o maior bailarino de todos dos tempos, além do balé Bolshoi e dos Meninos Cantores de Viena.
O desembarque desses espetáculos foi e ainda é possível porque, além da vontade de difundir a música erudita, há grandes empresas por trás do negócio, numa operação costurada por Sabine. São corporações como Siemens, Votorantim, Pirelli, Banco Safra e outras companhias que, juntas, pagam US$ 1,6 milhão para associar seus nomes ao Mozarteum. Os patrocínios garantem 80% dos custos do Mozarteum durante o ano ? o restante vem da venda dos ingressos. ?Estamos com eles há dez anos?, diz Pedro Heer, diretor de comunicação corporativa da Siemens. ?É uma ótima ferramenta de relacionamento e de posicionamento para a empresa pois associamos a marca a uma entidade de altíssimo nível?. Uma entidade, aliás, que desbravou um mercado quase inexistente no Brasil. Hoje, diferentemente de duas décadas atrás, o País já exporta talentos.
Pode-se dizer que John Neschiling, o mais talentoso regente do Brasil, o criador da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a OSESP, é um pouco filho da ousadia de Sabine. A OSESP já se apresentou em dezenas de países espalhados pela Europa, América do Norte e América do Sul. ?É a melhor orquestra do Brasil?, diz Sabine. ?Eles deveriam viajar ainda mais para o exterior?. Ela fala com experiência de quem fez o caminho inverso. Radicada no Brasil desde 1971, Sabine veio atrás do marido, Carlo Lovatelli, um brasileiro, descendente de nobres italianos que herdou o título de conde de Ravena. ?Não conhecia ninguém no Brasil e sentia falta de música?. Somente em 1981 ela fundou o Mozarteum. ?Cresci escutando música clássica?. Graças a ela, uma parte dos brasileiros pode dizer o mesmo.
QUEM SABINE JÁ TROUXE PARA O BRASIL
Os astros que se apresentaram em concertos em São Paulo e no Rio de Janeiro
Rudolf Nureyev:
o maior dançarino de balé mostrou o seu talento em 1983
Claudio Abbado:
o regente da Filarmônica de Berlim comandou a orquestra em 2000
Zubin Mehta:
um dos grandes nomes da música clássica se apresentou em 1982 e 1987