Durante muitos anos, o homem viveu com duas certezas: a da morte e a de que o dólar é o melhor meio de preservar riqueza. A segunda convicção não está mais de pé. Nos últimos dias, a moeda americana acentuou a tendência que se iniciou no fim do ano passado e levou sucessivos tombos diante das principais divisas internacionais. Caiu, principalmente, em relação ao euro ? a alta da moeda européia, em um ano, já alcança 55%. Hoje há uma onda global de fuga do dólar. Megainvestidores, como George Soros e Warren Buffett, estão tirando de suas carteiras títulos do governo americano. Diversos bancos centrais, como o da China, começaram a trocar suas reservas em dólar por divisas em euro. Os países produtores de petróleo, como Rússia, Irã e Venezuela, planejam negociar a mercadoria com a moeda européia. E mesmo garçons dos bares do Rio de Janeiro já dão preferência às gorjetas em euro. Um ano atrás, a moeda européia valia 82 centavos de dólar. Na última semana, foi cotada a US$ 1,28. ?Já não é absurda a hipótese de o euro valer US$ 1,50 ainda neste ano?, avalia George Magnus, estrategista do banco UBS.

A tendência de enfraquecimento do dólar fez com que muitos investidores trocassem bônus americanos por papéis de países emergentes, como o Brasil, que pagam juros 10 vezes maiores. O ingresso recorde de recursos externos também permitiu ao Banco Central mudar a política cambial. O presidente do BC, Henrique Meirelles, anunciou na terça-feira 6 que a instituição irá adquirir dólares no mercado para reforçar as reservas, hoje em US$ 17 bilhões, e evitar uma valorização do real. No lado comercial, a queda do dólar em relação ao euro e às moedas asiáticas também ajuda as exportações brasileiras. ?Nossos produtos são cotados em dólar e estão muito mais competitivos?, festejou o ministro Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento. Basta notar o que ocorre nas empresas, grandes ou pequenas. A Sucos Mais, de Minas Gerais, exporta para vários países europeus e do Oriente Médio. ?De repente, ficamos 10% mais baratos na Europa?, afirma Ricardo Tavares, presidente da empresa. Um litro de suco chega ao mercado europeu a 60 centavos de euro. A petroquímica Braskem, que irá exportar US$ 550 milhões em 2004, também comemora. ?Quase 80% das nossas exportações acontecem fora dos Estados Unidos e estão com condições melho-
res?, revela Paul Altit, diretor da empresa. Além disso, alguns exportadores estão conseguindo cotar seus produtos em euro. ?No café, o preço internacional acompanhou a moeda européia e subiu
7% na primeira semana do ano?, diz João Carlos Hopp, vice-presi-
dente da Coimex, maior trading de capital nacional. ?Os importa-
dores europeus estão ampliando estoques.?

A derrocada do dólar é resultado direto dos rombos produzidos pe-
lo governo de George W. Bush. Os Estados Unidos têm um déficit de US$ 500 bilhões por ano, equivalente a 5% do PIB. Nas contas públicas, o buraco chegou a US$ 200 bilhões, com os dólares gastos para financiar as guerras no Afeganistão e no Iraque. Além disso, a fuga do dólar ganhou novo impulso quando, na segunda-feira 5, o executivo Ben Bernanke, do Federal Reserve, banco central americano, declarou que não haveria razões para subir os juros,
em 1% apenas, uma vez que a inflação continua sob controle. A avaliação dos economistas é que, enquanto os preços continuarem baixos nos Estados Unidos, a queda do dólar será benigna para a economia mundial, ajudando a corrigir os colossais desequilíbrios americanos. O risco seria justamente uma alta dos juros nos Estados Unidos. Mas muitos apostam que isso não aconteceria antes de novembro, mês das eleições presidenciais. Ou seja: até lá, ao que tudo indica, a festa continua.