O roteiro seria perfeito para um documentário de televisão: um professor de história do Alabama, nos Estados Unidos, tem uma idéia de um novo negócio. Acredita que há espaço para um canal de TV dedicado unicamente a documentários. Sem dinheiro para a empreitada, ele recorre a sócios capitalistas. Consegue US$ 5 milhões, mas precisava de cinco vezes mais. Mesmo assim, decide arriscar. Reúne todas as economias, até hipoteca sua casa para abrir o negócio. Cerca de 18 anos
depois, a empresa criada pelo professor John Hendricks é o maior sucesso de público. Presente em 155 países, a Discovery tem quase um bilhão de assinantes. É o grupo de canais mais assistido do mundo. Faturou US$ 2 bilhões em 2002. Seu principal canal,
Discovery Channel, é a oitava marca mais lembrada em escala internacional, à frente de McDonald?s e Disney, segundo o Instituto Roper. Em Wall Street, a empresa aberta com o dinheiro de uma casa hipotecada vale US$ 20 bilhões.

Comparado a Ted Turner, criador da CNN, Hendricks lembra mais um professor do que um imperador da mídia. Com um jeito tranqüilo, fala pausada, ele conta que tudo começou em 1970, quando era professor do segundo grau e usava documentários em seus cursos. ?Achava curioso que esses filmes não passassem na tevê?, lembra Hendricks, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. Em meados da década de 80, começaram a aparecer os primeiros canais de TV a cabo. Naquela época, Hendricks era consultor de escolas e universidades.
Viu o surgimento de emissoras dedicadas a música, jornalismo ou esportes e avaliou que havia uma oportunidade para os documentários. Mais do que isso: virou uma idéia fixa. ?Para ter sucesso, é preciso ter obsessão pela idéia?, diz ele. ?E minha mulher diz que sou bastante obsessivo.?

Curiosidade. Sem os atrativos de uma novela ou de um filme de ação, Hendricks precisou de muita paciência e perseverança para convencer os investidores. O professor pesquisou os índices de audiência e descobriu que dos 25 programas mais populares dos EUA, 24 eram documentários. ?As pessoas têm curiosidade pelo mundo à sua volta, é por isso que lêem jornais?, diz Hendricks. Durante três anos, ele recitou esse discurso aos investidores e conseguiu o equivalente a apenas seis meses de custo. Mas o canal pegou tão rápido que, desde então, nunca mais pediu um cent emprestado. Pelo contrário, hoje a empresa tem US$ 3 bilhões em caixa para produzir documentários pelos próximos cinco anos. ?Temos dobrado de tamanho a cada três anos?, diz Hendricks, na recém-inaugurada sede da Discovery, perto de Washington, que usa até um esqueleto real de dinossauro como decoração em sua entrada.

A empresa criada por Hendricks tem 14 canais, todos com a mesma filosofia de trabalho. São dedicados ao que seus executivos chamam de ?programação de qualidade?, ou seja, documentários e programas sobre história, aventura, pessoas, lugares, ciência e tecnologia. Inclui desde o Animal Planet, com seu popular Caçador de Crocodilos ao People and Arts, com suas biografias e o Discovery Kids, para crianças. A fórmula básica é unir informação com diversão. ?O importante é encontrar um jeito novo de contar histórias?, diz o novo barão da mídia.

A outra ponta importante da estratégia é apostar na globalização: ao vender sua programação em 155 países, a Discovery faz caixa
para bancar a produção de documentários numa escala industrial. É com esse dinheiro que pode produzir programas sofisticados, com recursos caros de computação gráfica. Estar atento às novidades é uma das marcas de Hendricks. O professor de história está preocupado com o futuro. ?Exploraremos todas as tecnologias que aparecerem?, diz ele. Nos EUA, a Discovery é a primeira tevê a lançar uma programação completa em alta definição. Além disso, Hendricks aposta no vídeo por demanda ? em que o espectador escolhe o programa a ser transmitido para sua casa. ?Em cinco anos, a tevê de alta definição será rotina?, diz ele. ?No futuro, as pessoas terão cada vez mais controle sobre a programação.?

Brasil. No Brasil, o Discovery está presente com seis canais. O carro-chefe é o Discovery Channel, um dos dez mais assistidos da TV a cabo brasileira. ?É muito popular?, diz Ricardo Rihan, diretor de programação da Net Brasil, que veicula os programas da Discovery.
?O que gostaria de ver seriam mais produções feitas no Brasil, que mostrassem toda a riqueza natural do País para o mundo.? No Brasil, a Discovery já produziu alguns programas como uma biografia de Oscar Niemeyer, para o People and Arts ou Baleias em Abrolhos, para o Animal Planet. Um documentário que ainda não foi feito é sobre o futebol brasileiro ? mas não é por falta de interesse. Hendricks se apaixonou pelo futebol na Olimpíada de 1986. Suas filhas jogam bola. O empreendimento mais recente do professor foi criar a primeira liga de futebol feminino dos EUA. Agora, só falta o documentário.